De Lisboa a Mafómedes: quatro restaurantes em lume vivo

Em lume de chão, na lareira, em forno a lenha ou nas brasas: nestes quatro restaurantes, o fogo é o elemento primordial.

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Na lareira, no chão ou no grelhador: na cozinha do Fogo a única tecnologia utilizada é o elemento que dá nome à casa. Daniel Rocha/Arquivo Público
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Cozinhar apenas com fogo não é, de todo, um retrocesso civilizacional. É a descoberta de sabores antigos já esquecidos, do fumado, das resinas que as diferentes madeiras libertam. É também uma cozinha em ambiente de conforto, ao calor da lareira. Um verdadeiro bálsamo em dias de Inverno.

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No Fogo, em Lisboa, a cozinha é aberta à sala, podendo os clientes acompanhar todo o labor que lá se desenvolve. Daniel Rocha/Arquivo Público

Fogo, Lisboa

Depois do sucesso do restaurante Loco, detentor de uma estrela Michelin, o chef Alexandre Silva lançou-se, há quatro anos, na recuperada técnica da cozinha sem tecnologia moderna, abrindo o restaurante Fogo, também em Lisboa.

Quem chega à porta percebe imediatamente que há ali qualquer coisa especial, com a cor preta a dominar e a iluminação do tecto a sugerir tições acesos. De facto, na cozinha do Fogo a única tecnologia utilizada é mesmo o fogo: na lareira, no chão, no grelhador.

A cozinha é aberta à sala com capacidade para 60 pessoas, podendo os clientes acompanhar todo o labor que lá se desenvolve.

Todos os produtos utilizados são de origem portuguesa, a sua sazonalidade é respeitada, razão pela qual há variações na carta, consoante a oferta de matéria-prima.

Para a refeição, pode optar-se por duas modalidades, o menu de degustação Fogo, composto por entradas, serviço de pão, dois pratos, sobremesa e café (80 euros, mais 35 euros com a harmonização de bebidas), ou então escolha da ementa com pratos de peixe e carne com preços na ordem dos 20/25 euros.

Restaurante Fogo, do chef Alexandre Silva, em Lisboa Daniel Rocha/Arquivo Público
Alexandre Silva, chef detentor de uma estrela Michelin no restaurante Loco, está também por detrás do Fogo. Daniel Rocha/Arquivo Público
Restaurante Fogo, do chef Alexandre Silva, em Lisboa Daniel Rocha/Arquivo Público
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Restaurante Fogo, do chef Alexandre Silva, em Lisboa Daniel Rocha/Arquivo Público

Por encomenda, de terça a domingo há pratos fixos em cada dia da semana. A carta da entrada do Inverno promete polvo assado à lagareiro (terças), cabidela de frango do campo (quartas), arroz de peixe e marisco no pote de ferro (quintas), pernil assado no forno a lenha com piso de coentros (sextas), cabrito estonado no forno a lenha (sábado) e leitão assado no forno a lenha (domingo). Voltando às entradas, quer numa, quer noutra modalidade, importa registar as ostras na brasa o e tártaro de vaca maturada com tutano fumado.

Entre outros itens, pode-se experimentar algumas sobremesas inesperadas como tarte de requeijão e dióspiro ou arroz doce queimado.

A garrafeira está ao nível dos restantes componentes do Fogo, seja a cozinha, o bar, o serviço ou o ambiente: cinco estrelas. É possível encontrar vinhos de todas as regiões portuguesas, desde os frescos alvarinhos e loureiros da Região dos Vinhos Verdes, até aos estruturados tintos de touriga nacional ou francesa do Douro ou os encorpados alicante bouschet do Alentejo.

Fogo
Avenida Elias Garcia, 57A (Campo Pequeno), Lisboa
Tel.: 217970052
Das 12h30 às 14h e das 19h às 22h30h. Não encerra
Preço médio (à carta): 60 euros

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No Elemento, no Porto, toda a comida é confeccionada a calor de lenha. “Há vários anos que digo que a moda da cozinha iria voltar ao primitivo”, diz o chef-proprietário Ricardo Dias Ferreira. Nelson Garrido/Arquivo Público

Elemento, Porto

“Imaginem como o ser humano o fazia de maneira primitiva, sem tecnologia, sem gás, sem electricidade e só com um único elemento, o fogo.” As palavras são de Ricardo Dias Ferreira, do Elemento. “Há vários anos que digo que a moda da cozinha iria voltar ao primitivo. À sua raiz, ao verdadeiro”, completa o chef-proprietário deste restaurante onde toda a comida é confeccionada a lenha.

Os mais velhos, sobretudo os que cresceram na província, recordam o aroma muito especial que a comida ia buscar ao fumo dos diferentes tipos de lenha utilizados na sua confecção, quer fosse no fogo de chão, na lareira, no fogão a lenha ou nas brasas. É essa fantástica memória que Ricardo, com uma grande experiência na Europa e na Austrália em alguns dos melhores restaurantes, quis ir buscar, tornando o Elemento o primeiro restaurante de fine dining a fazer a sua comida no fogo, transformando-a em “fire dining”.

A estrutura do restaurante, situado na Rua do Almada, no centro do Porto, é interessante, com uma dezena de lugares num balcão aberto para a cozinha onde se pode ver os cozinheiros a trabalhar numa “cozinha de autor” contemporânea. A sala tem mesas com um total de 48 lugares.

Tudo o que se cozinha tem origem nacional e, sempre que possível, escolhem os pequenos produtores, de preferência locais.

No Elemento, o chef Ricardo Dias Ferreira propõe aquilo a que chama "fire dining": alta cozinha preparada exclusivamente com recurso ao fogo. Nelson Garrido/Arquivo Público
No Elemento, o chef Ricardo Dias Ferreira propõe aquilo a que chama "fire dining": alta cozinha preparada exclusivamente com recurso ao fogo. Nelson Garrido/Arquivo Público
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No Elemento, o chef Ricardo Dias Ferreira propõe aquilo a que chama "fire dining": alta cozinha preparada exclusivamente com recurso ao fogo. Nelson Garrido/Arquivo Público

O menu à carta e o de degustação variam diariamente ou semanalmente, conforme a disponibilidade dos ingredientes, sendo difícil referi-los com antecedência.

O menu de degustação Invicta (oito momentos) custa 90 euros e o wine pairing (cinco vinhos) para o acompanhar custa 55 euros.

O Elemento alerta ainda que não recomenda o restaurante a menores de 12 anos, já que nenhum dos menus é adaptado para crianças.

A garrafeira está à altura da categoria do restaurante, com uma longa carta bem fornecida de todas as regiões vinícolas portuguesas, tudo muito bem arrumado. Apenas não se compreende a razão por que o Villa Oeiras Superior, um vinho generoso, tal como o Porto, o Madeira ou o Moscatel de Setúbal, está arrumado no departamento dos conhaques e aguardentes...

Elemento
Rua do Almada, 51 (Baixa), Porto
Tel.: 224928193
Das 19h às 23h. Encerra ao domingo e à quarta
Preço médio: 100 euros

Cozido de butelo, no Solar Bragancano, em Bragança Nelson Garrido/Arquivo Público
Solar Bragancano, em Bragança Tiago Lopes/Arquivo Público
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Cozido de butelo, no Solar Bragancano, em Bragança Nelson Garrido/Arquivo Público

Solar Bragançano, Bragança

Este restaurante instalado numa antiga casa nobre, já citada em obras do século XVIII como Solar Engenheiro Matos, é poiso incontornável para quem, estando em Bragança, queira deliciar-se com comida de primeira ordem, feita à moda antiga, na lareira, em potes de ferro e no forno.

Ana Maria e António Desidério são os guardiões desse saber cozinhar apenas com o fogo, utilizando produtos locais e respeitando a sua sazonalidade.
O restaurante situa-se no primeiro andar dessa antiga casa do Largo da Sé, no centro histórico da cidade, com vista para a catedral que em 1780 “roubou” a residência episcopal a Miranda do Douro.

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Ana Maria e António Desidério são os guardiões do Solar Bragançano, onde privilegiam os produtos locais, respeitando a sua sazonalidade. Nelson Garrido/Arquivo Público

A decoração do Solar Bragançano é sóbria e de bom gosto. Três das salas estão viradas para o largo: a de entrada com cadeiras confortáveis, mesas de apoio e muitas publicações para entreter o tempo, a sala do bar e a sala principal das refeições. Há uma quarta sala mais pequena e virada para as traseiras. As duas lareiras na sala principal tornam o ambiente muito acolhedor.

A ementa é longa e nela constam, entre outras iguarias, perdiz com uvas, arroz de lebre, coelho bravo, javali estufado em pote de ferro, posta de vitela na brasa, faisão com castanhas, fumeiro regional, sopa de castanhas, bolo de castanhas, abóbora dourada e sopa de cerejas, servidas nos seus tempos próprios. Os grandes êxitos são o cordeiro de leite e a vitela mirandesa, devidamente cozinhados nas brasas, que lhes dão um toque de sabor e aroma que nenhuma tecnologia moderna consegue imitar.

A garrafeira é variada com vinhos de todas as regiões. O que tem bastante saída, sobretudo para os clientes espanhóis, são os alvarinhos de Monção e Melgaço, os loureiros de Ponte de Lima e os avessos de Baião, mas despertam também alguma curiosidade os trajaduras e os vinhões.

Solar Bragançano
Praça da Sé, 34, Bragança
Tel.: 273323875
Das 12h às 15h e das 19h às 22h. Encerra à segunda
Preço médio: 30 euros

Ricardo Rocha é o anfitrião da Tasca do Valado, na aldeia de Mafómedes (Baião) Anna Costa/Arquivo Público
Tasca do Valado, na aldeia de Mafómedes (Baião) Anna Costa/Arquivo Público
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Ricardo Rocha é o anfitrião da Tasca do Valado, na aldeia de Mafómedes (Baião) Anna Costa/Arquivo Público

Tasca do Valado, Baião

É um restaurante de referência não só pela sua comida apetitosa, de raízes bem nortenhas, feita sem modernas tecnologias, em fogo de lenha, mas também pelo sossego de que se desfruta com a sua localização no sopé da Serra do Marão, junto ao vale onde corre o rio Teixeira.

A Tasca do Valado nasceu em 2014, mas os actuais proprietários, o casal Ricardo Rocha e Paula Ribeiro, estão aqui instalados há três anos.

Fica a menos de 100 quilómetro do Porto, na aldeia de Mafómedes, concelho de Baião, uma terra muito pequena que alguém sintetizou com graça em “150 cabras, 14 cães, 4 vacas e 23 pessoas”. Se o local não vale pelo tamanho, impõe-se por tudo o que nos pode dar em sossego, beleza e bem-estar.

Posta de arouquesa na Tasca do Valado, na aldeia de Mafómedes (Baião) Anna Costa/Arquivo Público
Polvo à lagareiro, na Tasca do Valado, na aldeia de Mafómedes (Baião) Anna Costa/Arquivo Público
Tasca do Valado, na aldeia de Mafómedes (Baião) Anna Costa/Arquivo Público
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Posta de arouquesa na Tasca do Valado, na aldeia de Mafómedes (Baião) Anna Costa/Arquivo Público

Ricardo deixou a profissão de camionista para se dedicar à restauração e a sua mulher acompanhou-o, levando consigo bons segredos da cozinha regional com que agora brinda os clientes.

Diz-nos Ricardo que os pitéus preferidos por quem o visita são o anho na brasa, o cabrito assado no forno, a chanfana, a posta ou a costeleta (ambas as carnes de vitela arouquesa), e o bacalhau, cozido com nabo ou grelhado nas brasas. No que toca às sobremesas, a ementa não é longa, dando prioridade a três que são tradicionais da região de Baião: o pudim de ovos, o leite-creme e o biscoito da Teixeira.

Quanto a vinhos, como Baião está na fronteira da região dos Vinhos Verdes com a do Douro, a escolha recai maioritariamente nos produtos nascidos em cada uma delas – com a balança a pender para os da casta avesso, de Baião.

Mas a Tasca do Valado tem outra mais-valia: para quem quiser deliciar-se com os sons nocturnos da serra (quem vive na cidade nem sabe o que isso é) ou tiver medo da estrada à noite, há três bungalows, a partir de 60 euros por noite.

Tasca do Valado
Mafómedes, Teixeira (Baião)
GPS: 41.2162, -7.9091
Tel.: 914304494
Das 09h às 22h; de quinta a sábado, das 10h30 às 23h. Encerra à segunda e à terça
Preço médio: 25 euros (marcação obrigatória)


Este artigo foi publicado na edição n.º 12 da revista Singular.

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