As vendas de vinho do Porto caíram cerca de 20% nos últimos 20 anos e a perspectiva é de que continuem a diminuir, tanto no que diz respeito aos generosos, como aos vinhos tranquilos com Denominação de Origem Controlada (DOC) Douro, disse esta terça-feira António Filipe, presidente da Associação das Empresas de Vinho do Porto (AEVP), na Comissão de Agricultura e Pescas.
Os deputados da Assembleia da República retomaram o processo legislativo que pretende restaurar a Casa do Douro enquanto associação pública e de inscrição obrigatória e, em sede de especialidade, ouviram esta terça-feira várias organizações do Douro. Na audição, António Filipe pôs o dedo na ferida (ou numa das feridas, uma vez que os vários problemas do Douro estão ligados entre si) e disse aos deputados que as vendas de vinho do Porto decresceram perto de 20% nos últimos 20 anos, perspectivando-se uma quebra de cerca de 5% este ano nos vinhos do Porto e Douro.
"As vendas em volume e valor do vinho do Porto decrescem estruturalmente há mais de 20 anos. Durante este período perderam-se mais de 20% da totalidade em volume", afirmou o responsável. Por essas e por outras, o Douro "atravessa um período muito difícil" e os vinhos do Porto e do Douro em geral enfrentam também uma situação "extremamente desafiante", sublinhou.
"Só no ano passado as vendas de vinho do Porto no Reino Unido caíram cerca de 22% em volume, um valor sem paralelo desde os tempos da Segunda Guerra Mundial. Este ano, é provável que as vendas dos vinhos do Porto e Douro caiam possivelmente em valores não inferiores a 5% em volume nas duas denominações de origem", revelou ainda António Filipe.
As vendas de vinhos DOC Douro, acrescentou, "apesar de um desempenho notável neste período" — "a partir do zero, nos anos 2000, construiu-se um mercado que representa mais de 225 milhões de euros" —, não têm conseguido compensar as perdas do sector de vinho do Porto, nomeadamente em termos dos preços pagos pelas uvas na região vendidas, na maior parte dos casos, a preços inferiores ao de custo". Uma questão que, de resto, também tem sido notícia: o facto de a mesma uva render diferentes valores ao viticultor conforme vai para vinho do Porto ou para DOC Douro (isto, claro, para as vinhas com benefício, uma vez que das restantes não é possível fazer Porto).
"As margens dos operadores irão ter este ano uma contracção muito significativa em virtude de não ter sido possível transferir para os mercados os impactos sofridos nos custos de produção, nomeadamente em termos de mão-de-obra e de materiais de engarrafamento", referiu ainda o presidente da AEVP.
A alteração dos hábitos de consumo (consumidores procuram vinhos menos alcoólicos e, em alguns casos, mesmo bebidas sem álcool) e a redução global do consumo de vinhos generosos (mesmo que o Porto mostre "maior resiliência na queda relativamente a todos os restantes vinhos fortificados no mundo") foram outros temas que António Filipe levou à AR.
O responsável falou ainda na "concorrência dos vinhos do novo mundo, particularmente pela via preço" e comparou dois terroirs distintos com custos também eles distintos: produzir um quilo de uvas no Douro não custa menos que 80 cêntimos, enquanto produzir no Chile custa 11 cêntimos. No caso do Douro – que no meio da crise que vive facturou 620 milhões de euros em vendas no ano passado, notou António Filipe –, com uma viticultura de montanha como há poucas no mundo, a questão nunca será baixar os custos, mas antes aumentar o valor gerado e com isso remunerar melhor quem cria esse valor.