Repórter de trânsito responde em directo na televisão a e-mail de body shaming

Horton, que trabalha em radiodifusão há 35 anos, refere que tem recebido e-mails críticos e rudes do mesmo homem nos últimos quatro anos “numa base bastante permanente”.

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Leslie Horton em Março do ano passado, depois de saber o seu diagnóstico Cortesia Leslie Horton/The Washington Post
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Numa destas manhãs, enquanto estava em directo a dar informação sobre o trânsito, a repórter Leslie Horton recebeu um e-mail de um telespectador, durante uma pausa para anúncios, que criticava o seu corpo. Menos de cinco minutos depois, Horton, 59 anos, estava de volta ao ar.

"Vou apenas responder a um e-mail que acabei de receber, dizendo 'parabéns pela sua gravidez; se vai usar calças velhas de motorista de autocarro, tem de esperar [receber] e-mails como este'", citou Horton, uma jornalista canadiana da Global News Calgary, em directo na televisão. "Não, não estou grávida, na verdade perdi o meu útero devido a um cancro, no ano passado. E é assim que são as mulheres da minha idade. Por isso, se é ofensivo para si, é uma pena".

E terminou: "Pensem nos e-mails que enviam".

Horton conta que não hesitou em dar a sua resposta naquela manhã de 29 de Novembro. "Estava a preparar-me para fazer a minha intervenção sobre o trânsito e, de repente, estas palavras saíram-me da boca", diz ao The Washington Post. "Não as planeei, não as preparei. Elas simplesmente vieram directamente da minha alma."

E acrescenta: "É assim que eu sou, e vocês não podem fazer-me sentir envergonhada com o meu aspecto."

Horton — que trabalha em radiodifusão há 35 anos — refere que tem recebido e-mails críticos e rudes do mesmo homem nos últimos quatro anos "numa base bastante permanente". De um modo geral, diz que receber e-mails ofensivos não é invulgar para ela ou para as suas colegas de trabalho. "Eu e todas as minhas colegas mulheres lidamos com isso", lamenta, acrescentando que, durante a sua carreira, também recebeu "mensagens inapropriadas de forma ameaçadora".

No passado, sempre que este espectador em particular lhe escrevia, simplesmente ignorava-o. Mas, desta vez, as suas palavras atingiram-na com mais força.

"Havia algo neste e-mail que eu senti no mais íntimo do meu ser", diz Horton. "O objectivo do e-mail era fazer-me sentir humilhada, envergonhar-me, fazer-me sentir mal comigo mesma e com o meu corpo. Isto no contexto de uma mulher que perdeu o útero devido a um cancro no ano passado."

Horton — que foi diagnosticada com cancro no endométrio em Dezembro de 2021 e foi submetida a uma cirurgia para remover o útero em Fevereiro de 2022 — refere que os espectadores que a acompanham sabem da sua doença e suspeita que o remetente do e-mail estava ciente do seu diagnóstico antes de escrever a nota desagradável.

A sua experiência é parte do motivo pelo qual ela decidiu responder. "Penso que essa é a chave para não conseguir ignorar este caso", justifica. "Já não estou disposta a aceitar e a ignorar comportamentos que, de outra forma, teria ignorado."

"Como uma mulher na TV que lidou com comportamentos inadequados — como perseguição — estou bem ciente de que há um preço a pagar por ser visível aos olhos do público", continua Horton. "Também sei que não devo pedir desculpa por ser eu aos olhos do público".

Naquela manhã, os colegas de Horton aplaudiram-na na redacção. "No meu trabalho recebi apoio de imediato, o que é fantástico", declara, acrescentando que a sua filha de 18 anos, Avery, também estava orgulhosa. "Tivemos muitas conversas ao longo dos anos sobre pessoas que diziam coisas inapropriadas."

Mais tarde, Horton soube que o público também a apoiou. A Global Calgary partilhou um clip da resposta de Horton no X, antigo Twitter, em 5 de Dezembro, que conta agora com mais de quatro milhões de visualizações.

"Acho que isto tocou num ponto", refere Horton, que começou a receber palavras de encorajamento quase imediatamente após o segmento ter ido para o ar. Tem havido uma avalanche de elogios nas redes sociais.

"Parabéns, Leslie", escreveu uma pessoa no X. "És o máximo e esta pessoa é desprezível!!!"

"Leslie, és uma rainha, o auge da classe e a pessoa mais maravilhosa", comentou outro fã.

Apesar dos apelos para nomear publicamente o autor do e-mail, Horton decidiu não o fazer. "Não é esse o objectivo", responde. "Não se trata de cancelar alguém. O objectivo é ter uma conversa sobre este tipo de coisas que acontecem."

O assédio online de mulheres jornalistas é um problema contínuo, mostram as investigações. Um relatório de 2021 do Centro Internacional para Jornalistas descobriu que quase três quartos das 714 jornalistas entrevistadas disseram ter sofrido abuso online no seu trabalho.

Horton não previu que a sua reacção não planeada fosse atrair tanta atenção. Agora, espera que inspire outras pessoas e as lembre de que não estão sozinhas. "Se eu puder dar coragem a uma mulher para encontrar a sua voz e ficar um pouco mais confiante, fico feliz por isso", afirma. "Precisamos de ser mais corajosas. Todas nós."

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