Começar bem na educação

Na educação de infância não se ensina, educa-se; não se divide o conhecimento, integra-se; não se transmite, fomenta-se a descoberta; não se impõe, dialoga-se; não se exclui, inclui-se.

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"Apostar na educação de infância é melhorar o futuro das crianças e da sociedade" Nuno Alexandre/Arquivo
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É sobre educação de infância, com ênfase na educação pré-escolar, que escrevo, no contexto de organizações internacionais que são o berço de políticas globais, com grande impacto nas políticas nacionais. No quadro da globalização, a discussão de conceitos-chave conduzem às políticas de partilha de conhecimento, numa troca de experiências ou consensualização de medidas prioritárias ao nível da decisão política.

Tais políticas impõem tanto uma visão conjunta dos problemas baseados na evidência dos dados, quanto uma abordagem participativa, instituindo o que é designado por contexto global de influência das políticas nacionais.

Como a Organização das Nações Unidas (ONU) reconhece, a educação de infância é uma das áreas prioritárias da Agenda 2030 de Desenvolvimento Sustentável, aprovada em 2015, e que inclui 17 objetivos globais.

No objetivo 4 – Educação de Qualidade, formula-se que até 2030 se deve garantir o acesso à educação inclusiva, de qualidade e equitativa, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida, especificando-se, numa das metas, que todas as crianças devem ter acesso a um desenvolvimento de qualidade na primeira infância, cuidados e educação pré-escolar, de modo a estarem preparadas para o início da escolarização.

O cumprimento deste objetivo de desenvolvimento sustentável da ONU requer, entre outras metas, que as crianças e os jovens adquiram competências necessárias para promover o desenvolvimento sustentável e que seja aumentado substancialmente o número de professores qualificados.

Assim, o objetivo da ONU estabelece um conjunto de medidas para a valorização da educação de infância, nomeadamente:

  1. implementar programas gratuitos para o desenvolvimento da educação de infância, reconhecendo-se a sua universalidade a partir dos 3 anos;
  2. desenvolver propostas curriculares que sejam culturalmente revelantes;
  3. fortalecer a formação científica e pedagógica dos educadores.

Com efeito, a educação de infância assume prioridade não só académica (formação e investigação), mas também social e política (relevância do investimento na primeira etapa da aprendizagem ao longo da vida, com implicações mais amplas), pois apostar na educação de infância é melhorar o futuro das crianças e da sociedade.

É nesse sentido que o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) considera que a educação de infância contribui para o sucesso das crianças na escola e na sociedade, desde que tenham acesso a uma educação de qualidade.

O tempo da educação de infância, entre os 0 e os 6 anos, é um tempo crucial para a construção do futuro ou, como propõe a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), para a reimaginação dos futuros, mediante o desenvolvimento das crianças e a igualdade social, na medida em que as crianças que frequentam a educação de infância têm melhores resultados na escola e na aprendizagem ao longo da vida, e também, como os estudos da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) têm destacado, na sua participação social e cultural.

Na perspetiva da OCDE, a educação de infância inclui os serviços de cuidado (dos 0 aos 3 anos) e a educação pré-escolar (dos 3 aos 6 anos), sendo esta confrontada com os desafios da acessibilidade (garantir que todas as crianças têm acesso à educação, independentemente das suas condições socioeconómicas), da qualidade (ao nível das propostas curriculares, da formação de educadores e das atividades pedagógicas) e do financiamento pelo Estado, através de programas de incentivo à frequência da educação pré-escolar, embora se verifique também a intervenção da comunidade e das famílias.

A qualidade da educação de infância passa, por conseguinte, pelo desenvolvimento de dimensões que potencializem a formação das crianças numa perspetiva que consagre, pelo menos, as dimensões cognitiva, socioemocional e física, havendo aqui dois caminhos algo diferentes, ou que também podem ser entendidos como complementares ao nível das opções curriculares: um que privilegia um currículo orientado por uma abordagem educativa, outro que acentua a opção por um currículo de escolarização, e inclusive de exploração de determinados saberes disciplinares.

Em síntese, e privilegiando-se a primeira abordagem, na educação de infância não se ensina, educa-se; não se divide o conhecimento, integra-se; não se transmite, fomenta-se a descoberta; não se impõe, dialoga-se; não se exclui, inclui-se – mediante estratégias de intervenção pedagógica centradas nas crianças e em tarefas lúdicas e ativas.

No relatório da UNESCO de 2022, a reimaginação dos futuros da educação inclui a renovação da educação em termos de uma pedagogia baseada nos princípios de cooperação, colaboração e solidariedade, bem como num currículo integrado, conferindo relevância à aprendizagem ecológica, intercultural e interdisciplinar, e ainda à aprendizagem que deve desenvolver a capacidade de aplicar esse conhecimento.

Só assim a educação de infância responderá às necessidades de todas as crianças e incluirá respostas para as suas diferenças individuais e para o seu contexto social, na base da inclusão, da equidade e da justiça social.

Porém, para tal, é necessário que exista uma formação de educadores ao nível do ensino superior, com um elevado padrão de exigência, pois educar é bem diferente do cuidar ou do guardar.

Quando a criança está na sala da educação pré-escolar tem o direito de aprender com base num currículo de elevada qualidade e através de uma pedagogia adequada à sua faixa etária, porque não se educa uma criança como se ensina um jovem ou um adolescente ou um adulto. A formação de educadores de nível superior é, deste modo, um pré-requisito para uma educação de infância de qualidade, cuja prática deve estar fundamentada na investigação.

E para que a educação de infância comece bem para todas as crianças, e como tem sido evidenciado, nas duas últimas décadas, por relatórios da OCDE, identificados com o título Starting Strong, para além dos relatórios da UNESCO e da Unicef, há duas questões essenciais a debater no contexto da educação pré-escolar: Que políticas criam as melhores condições para que as crianças tenham interações de elevada qualidade? Até que ponto as políticas existentes originam interações de elevada qualidade?

A busca de respostas suportadas pela evidência dos dados terá como foco principal cinco eixos estratégicos de ação, previstos pela OCDE: normas de qualidade, governação e financiamento; currículo e pedagogia; formação de profissionais; monitorização de dados; envolvimento das famílias e da comunidade.

É através do currículo que é definido o conhecimento, associado pela OCDE à noção de competência, ou seja, o conjunto de saberes, capacidades, atitudes e valores. O currículo da educação pré-escolar deverá permitir o completo desenvolvimento das crianças, proporcionando-lhes aprendizagens relevantes e bem-estar pessoal e social. Por sua vez, a pedagogia refere-se às estratégias de intervenção com vista à criação de ambientes de aprendizagem para as crianças, fortalecidos pela curiosidade, imaginação, criatividade e descoberta.

Quanto aos profissionais para a educação de infância, é fundamental que dominem conhecimentos específicos e sejam capazes de interagir com crianças, famílias e comunidade, numa lógica de desenvolvimento profissional, em que a formação inicial deve ocorrer numa instituição de ensino superior e a formação contínua se faz essencialmente em contexto da prática profissional.

Convoco duas frases para terminar este texto. A primeira é o provérbio africano: “É preciso uma aldeia para educar uma criança.” Neste sentido, esta frase ganha mais pertinência quando a educação de infância completa a educação da comunidade e das famílias, como está consagrado internacionalmente.

A aldeia é a base das identidades culturais e sociais das crianças, pelo que a aldeia, no sentido abrangente de uma comunidade, e no que é considerado como universo simbólico, tem hábitos, crenças e formas de pensar e agir que devem fazer parte da educação das crianças através de uma relação que necessita de clarificar a tensão entre saberes do senso comum e saber científico.

A outra é retirada de um poema de Fernando Pessoa, afirmando que “O melhor do mundo são as crianças”. Certamente que sim, mas apenas quando as famílias, a comunidade, as políticas, as escolas, os formadores e os educadores forem também os melhores.


O autor escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990

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