Saudades da televisão que transmitia filmes
Não deveria a televisão transmitir esperança? Aquela que se traduz em gargalhadas, que icónicamente registamos do passado, em séries portuguesas ou em telenovelas.
O que significa ‘saber pensar televisão’? Já ouvi a expressão por quem chefia e coordena o espaço televisivo, no âmbito do entretenimento e ficção. Só que olhando ao resultado desse ‘saber pensar televisão’, nos nossos principais canais, em sinal aberto, verifico que, a interpretação que, alguns responsáveis fazem, do público alvo é: 100% tolo.
Mas, do outro lado do ecrã, não estão tolos, nem tolas. Porque deixaram de ser emitidos bons filmes nas tardes de sábado e domingo? Porque é que se conclui que os portugueses querem ver tardes infinitas de programas populares ao domingo?
Não se põe em causa a pertinência de levar a televisão até territórios que estão esquecidos e que precisam que os produtores locais ou as iniciativas empresariais cheguem aos holofotes, mas a forma como estas emissões, em direto, são produzidas, deixa muito a desejar. As câmaras municipais pagam para receber estes programas, mas o financiamento autárquico de 20 ou 30 mil euros, repercute-se depois na divulgação do que a terra é? Será que depois da emissão, estas localidades ficam com a sensação de uma efetiva representatividade?
São espaços televisivos em que as figuras femininas parecem ser tratadas como meros acessórios de merchandising, com as bailarinas a serem focadas pela lente da câmara, nos ângulos mais sexy, ao som do ‘Eu levo no pacote’. Quando a música é interrompida, a apresentadora ou apresentador repete pela centésima vez o número para onde o telespectador deve ligar para se habilitar a um prémio, mesmo segundos antes de o programa concluir. Vai-se sempre a tempo, porque logo, como por magia, a chamada já está presa no ar, com o vitorioso ou vitoriosa, a quem se pergunta, se tinha ligado muitas vezes. E pelo meio, lá se vai tentando mostrar o melhor que uma terra tem, interrompendo-se entrevistas para recordar o 760…
Alguns destes apresentadores, que se engalanam para estas maratonas televisivas, são tão precários como qualquer mortal português. Avençados, ganham mal e o trabalho que lhes é pedido é, muitas das vezes, redutor do seu profissionalismo, num subaproveitamento atroz. São exigidas repetições de números de telefone e discursos banais, num visível esforço de quem se propõe a dialogar e a escutar o outro. São os cantores e atores a desempenharem o papel de apresentadores de televisão, sem que se perceba verdadeiramente grande entusiasmo, apesar dos visíveis esforços. Mas pior do que isso, é a forma como se entende e se toma o pulso a este povo. É disto que o povo gosta? Não, não é.
Que saudades de ver um bom filme, só praticamente possível nos canais da televisão pública, que continuam a manter alguma sanidade ao nível da programação, nesta pobreza de entretenimento em que se transformou a nossa caixinha mágica. Onde estão as boas séries? Só ao alcance de mensalidades em streaming?
Noutros canais, multiplicam-se os reality shows, a gritaria, as personalidades bombásticas, escolhidas a dedo, prontas para entrar numa casa, onde se espoletam guerras escarrapachadas, dias mais tarde, nas revistas cor de rosa, ou noutros programas televisivos. Quem assina os contratos, muitas vezes, numa inocência periclitante, não sabe o que o espera. Mas sabe, quem propõe, quem convida, quem expõe, na lógica do “isto é o que português quer ver”, a todo o custo, custe o que custar. Triste, muito triste, está a televisão portuguesa, com poucas exceções positivas.
Nas tardes e noites, sobretudo durante a semana e nos canais privados, impera o registo do crime, do sensacionalismo e da fofoca, numa altura em que a saúde mental, pós-pandemia, deixa muito a desejar. Não deveria a televisão transmitir também esperança? Aquela esperança que se traduz em gargalhadas, que icónicamente registamos do passado, em séries portuguesas, como Duarte e Companhia ou em telenovelas como Gabriela. É que hoje, até os diálogos das telenovelas, ainda que com bons atores, são na sua maioria de uma fraqueza gritante, ouvindo-se até erros de português.
Poderia também olhar à área da informação e aos telejornais de duas horas que não se compadecem de mostrar imagens de crianças, de terror e horror, tornando opaca a ética jornalística. Mas isso dá outra crónica.
A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico