Elon Musk volta a mostrar que é um dos empresários mais influentes do mundo. E, num aspecto específico, um empresário numa posição única.

O dono do X, cujos comentários publicados nos últimos meses têm sido criticados por muitas pessoas que os classificam como "anti-semitas", esteve numa povoação israelita atacada pelo Hamas a 7 de Outubro, ao lado do primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu.

"Os actos falam mais alto do que as palavras", escreveu Musk no X, a propósito da visita, no que parece ser uma resposta face às críticas de que tem vindo a ser alvo.

O Governo israelita divulgou fotografias e vídeos em que se vêem Musk e Netanyahu​. Numa delas, estão ambos com coletes de protecção numa visita a Kfar Aza, um kibbutz a três quilómetros da fronteira com a Faixa de Gaza e que foi uma das primeiras povoações atacadas. Noutra, estão numa sala de reuniões, a olhar para um grande ecrã.

Musk tem, no mínimo, um motivo concreto para o encontro.

Há dias, o empresário concordou com uma mensagem publicada no X que dizia: "As comunidades judaicas têm estado a promover exactamente o mesmo tipo de ódio dialéctico contra os brancos que eles alegam que querem que as pessoas parem de usar contra eles." Musk respondeu: "Disseste o que de facto é verdade." Houve quem notasse que a mensagem original é comparável a uma teoria da conspiração anti-semita que há cinco anos motivou um ataque a uma sinagoga nos EUA em que foram mortas 11 pessoas.

O tema é sensível onde quer que seja – e é muito sensível no mundo empresarial americano, como já tínhamos visto com a Web Summit. Várias marcas decidiram suspender a compra de publicidade no X. A Casa Branca classificou a mensagem de Musk como "uma promoção repugnante do ódio anti-semita e racista". O empresário negou com veemência ter qualquer ideia anti-semita.

A saída de anunciantes avoluma os problemas de um negócio em declínio.

Documentos do X analisados pelo New York Times indicam que, em consequência dos comentários recentes, um êxodo de marcas como a Coca-Cola, IBM, Airbnb ou Microsoft poderá significar uma redução de 75 milhões de dólares em receita publicitária nas semanas que restam até ao fim do ano. A empresa respondeu que o número não é correcto e apontou antes para 11 milhões.

As contas do X, que já não é cotado em bolsa, são hoje um exercício de estimativas ou adivinhação, pelo que é difícil pôr aquelas perdas em contexto. No último trimestre em que apresentou resultados, o Twitter tinha facturado 1177 milhões, a maioria dos quais em publicidade. Mas este é um número ultrapassado. Nos EUA, o principal mercado da empresa, o investimento publicitário no X caiu 60% este ano.

Já do lado de Israel, há pelo menos um bom motivo para conversas com Musk: a rede de satélites Starlink (para além do interesse em manter boas relações com o dono de uma empresa que é importante na formação do discurso político e mediático do mundo ocidental).

Os milhares de satélites, que, em teoria, podem fornecer Internet em qualquer ponto do globo, elevaram o estatuto de Musk na geopolítica global (na prática, há países em que a Starlink não está activa, nem se prevê que esteja; a China, um importante mercado para a Tesla e onde a empresa recebe benesses do Estado, é um deles).

Já tínhamos assistido ao novo poder de Musk no início da invasão da Ucrânia, quando o empresário deslocou milhares de satélites para o espaço sobre o país, ajudando a que a população e as forças armadas continuassem a ter conectividade e tornando assim menos eficazes os ataques russos à infraestrutura de comunicações.

É também conhecido o episódio em que Musk recusou um pedido do Governo ucraniano para estender a cobertura dos satélites à Crimeia, o que permitiria que as forças armadas ucranianas fizessem um ataque com drones. Foi um momento, avaliaria mais tarde o biógrafo Walter Isaacson numa conversa com o PÚBLICO, em que Musk "estava um pouco fora de pé".

O modelo da Starlink não é facilmente replicável, incluindo por Estados. A chave para o sucesso são os foguetões reutilizáveis da SpaceX, que reduziram o custo de enviar remessas de satélites para o espaço. Estas empresas são as únicas no mundo a fazer o que fazem, o que obrigou o Pentágono a negociar um acordo com Musk quando este ponderou desligar a cobertura na Ucrânia.

Há um mês, Musk mostrou intenções de usar a Starlink para fornecer Internet a associações de ajuda humanitária em Gaza. Israel tem sido acusado de limitar significativamente a conectividade no território palestiniano, incluindo através de ataques aéreos. Entre muitas outras coisas, isto torna mais difícil ver e perceber o que se passa no terreno.

Para perceber o impacto, basta comparar as últimas semanas com o que tem sido o conflito na Ucrânia, no qual milhares de vídeos e posts em redes sociais permitem seguir uma guerra quase em directo, desde o falhado assalto inicial ao aeroporto à guerra das trincheiras: dia após dia, há vídeos de drones, vídeos de telemóveis, vídeos de câmaras nos capacetes de soldados. A guerra na Ucrânia tem sido uma guerra ultra-conectada e uma guerra ultra-visionada na Internet. É, neste aspecto, a primeira e a única do género.

Israel parece ter conseguido controlar a situação e anunciou que Musk concordou em não disponibilizar Internet em Israel ou Gaza sem consentimento do Governo israelita.

Já as fotografias de Netanyahu ao lado de um Musk que há dias dava fôlego a tiradas que a própria Casa Branca considerou anti-semitas ficarão como um registo do poder ímpar que o empresário hoje tem.