“Infelizmente, não existe uma única Vitis vinifera tradicional que seja resistente”
Ramón Heidinger investiga em Microbiologia do Vinho há 24 anos, era (mais) um céptico dos PIWI quando em 2022 começou a trabalhar no WBI Friburgo. Entrevistámo-lo sobre o estado da arte destas castas.
Ramón Heidinger começou por estudar Biologia, especializou-se cedo em Microbiologia e já leva 24 anos de investigação em Microbiologia do Vinho. Meio alemão, meio espanhol, o investigador do Instituto Estadual de Viticultura de Friburgo (WBI Friburgo) — o instituto tem 40 hectares de vinha, 200 castas plantadas, PIWI e não PIWI, estufas a perder de vista e uma adega profissional onde faz microvinificações de um a 40 litros — já correu meio mundo, de Espanha à Nova Zelândia, passando pelo Canadá, onde ensinou Microbiologia Industrial. Em 2020, regressou à Alemanha e trabalha na Enologia do WBI, um dos quatro departamentos que (também) trabalham as variedades PIWI, que já não são híbridas, são Vitis vinifera, diz-nos.
Podemos começar por explicar o que são castas e vinhos PIWI?
PIWI é o termo que usamos para variedades resistentes a doenças e vem do termo alemão Pilzwiderstandfähig e significa literalmente resistente a fungos. As variedades PIWI modernas são todas classificadas como Vitis vinifera, não são consideradas híbridas, como acontecia com os primeiros PIWI. No início, os europeus cruzaram variedades americanas e europeias, criando híbridos como Baco Noir, Chancellor ou Maréchal Foch, que eram mais resistentes a doenças, mas que, na sua maioria, produziam vinho de má qualidade. Os PIWI surgem da tentativa de se reduzir o uso de fitossanitários na vinha e o Instituto Estadual de Viticultura de Friburgo (WBI Friburgo) é uma das principais instituições a trabalhar no cultivo destas variedades, porque começou muito cedo, nos anos 1930.
Como é que são cultivadas as variedades PIWI?
Começámos ao ar livre, são colocados vidros à volta das videiras para criar um microambiente semelhante ao de uma estufa. Assim, as videiras produzem pólen mais rapidamente. Essas plantas são, essencialmente, o pai, é usado o pólen da parte masculina da planta, do estame, e é castrada a planta feminina - é preciso abrir as flores, retirar-lhes os estames, antes que haja pólen maduro, com pequenas pinças. Depois, temos flores castradas e à volta delas são colocados sacos, como se fossem preservativos. No progenitor masculino é recolhido pólen, para fertilizar o progenitor feminino. E é assim que alcançamos os cruzamentos que queremos fazer.
E qual delas é a Vitis vinifera?
Podem ser ambas. Mas, tem razão, porque estamos a usar Vitis labrusca ou Vitis rotundifolia [ambas de origem norte-americana] e o WBI Friburgo foi o primeiro instituto a utilizar também variedades asiáticas, a Vitis amurensis. Isso fez com que se destacasse e fizesse parte do grande banco de germoplasma que temos aqui na Alemanha. Deu à resistência uma base mais ampla.
Voltando aos cruzamentos...
Quando temos bagos, colhemos as sementes e plantamo-las em pequenos vasos, para criar novas videiras, que crescerão até uma certa altura. E na fase das cinco folhas, é testada pela primeira vez a sua resistência ao míldio e ao oídio. Infectamos as videiras com esporos para ver como reagem. Se as videiras mostrarem ser resistentes, saímos da estufa e vamos para o exterior. E quando temos uvas suficientes fazemos ensaios de vinificação. Fazemos análises sensoriais, mas também físico-químicas. E olhamos para algumas das questões que envolvem o processamento na adega. Por exemplo, algumas variedades têm bagos muito agarrados ao engaço e nesses casos não podemos trabalhar com elas, porque [os cachos] são muito difíceis de desengaçar e com os bagos vem parte do engaço e isso transporta polifenóis verdes para o vinho. Não podemos ter isso. Desde o primeiro cruzamento até o teste do consumidor, obter uma variedade de videira comercialmente bem-sucedida pode levar 20 a 30 anos.
Quando é que começa a trabalhar com variedades PIWI?
Em 2020. E para ser sincero, só conhecia PIWI de ouvir falar e na Alemanha ouvia falar de Regent. E nenhum dos Regent que experimentei era muito bom. Conhecia a Regent e os híbridos que conhecera nos Estados Unidos, como a Chancellor e a Maréchal Foch, que eram horríveis. A Regent foi um problema para os vinhos PIWI. Não só não era muito boa, como perdeu a sua resistência rapidamente. Ainda é a principal variedade PIWI cultivada na Alemanha e é provavelmente a razão pela qual as PIWI têm uma má reputação.
E essa é um dos primeiros cruzamentos de que falava ou já é uma Vitis vinifera?
É considerada uma Vitis vinifera. Na região de Baden, por exemplo, a área total de vinha é quase 11 mil hectares e a percentagem de PIWI é de apenas 2,5% a 2,7%, mas no início dos anos 2000 aumentou dramaticamente e, rapidamente, em 2005, 2006, começou a diminuir. E só agora está a aumentar novamente. Este crescimento parece bastante modesto. Mas não é. Porque a Regent ainda é a maior parte das PIWI e está a cair, afectando a média. Esconde o actual e muito forte crescimento nas outras variedades PIWI. Quando aqui cheguei e me disseram que no instituto éramos líderes mundiais nas PIWI, pensei: não, por favor, PIWI não. Mas rapidamente percebi o potencial enológico e sensorial das variedades do WBI Friburgo. E estou extremamente entusiasmado com algumas das castas e com a qualidade do vinho que conseguimos produzir com elas. Obviamente, ainda temos muitos estudos a fazer em relação ao metabolismo da levedura, à sua nutrição, à fermentação maloláctica, questões técnicas... mas estamos a fazer muitos ensaios com diferentes PIWI.
Pode falar-nos de três ou cinco variedades que o deixam mais optimista?
Nos tintos, existem duas variedades com as quais estou muito entusiasmado. E para os brancos gosto de três ou quatro, e uma é excelente. Nos tintos, a Alemanha é realmente conhecida pelo Pinot Noir. E aquelas pessoas que se habituaram aos vinhos do Sul da Europa, e a Alemanha é um grande importador de vinho, não consideram o Pinot Noir um vinho tinto. Consideram-no um vinho branco com um pouco de cor. E com estes PIWI, agora, estamos a conseguir produzir vinhos que podem rivalizar com os vinhos tintos mais pesados, intensos e com corpo, do Sul. Se digitar PIWI e WBI [num motor de busca], vai encontrar a informação sobre as várias PIWI que temos e quais as suas características. E as melhores castas tintas são a Cabernet Cortese e a FR628-2005R. Tivemos discussões acaloradas sobre o nome desta FR628-2005R. Vamos ver aquilo com que acabarão por concordar. Eu queria um nome português, que não posso divulgar, porque está protegido até ser divulgado.
OK, interessante. E que características têm então essas castas?
A Cabernet Cortese e a FR628-2005R fornecem uma espinha dorsal: taninos, estrutura, capacidade de envelhecimento. A Prior e a Monarch dão cor, é como se estas duas fossem o Merlot e as outras duas fossem o Cabernet [Sauvignon] de Bordéus. Entre as castas brancas, duas que contêm muitos terpenos são a Muscaris e a Solaris. São castas excelentes para vinhos de sobremesa, com muito aroma. Também são muito resistentes. E também vi alguns vinhos secos interessantes feitos com estas variedades. Depois, temos a Bronner e a Johanniter, que dão vinhos secos, mas que também são muito boas para vinhos base de espumantes. E a estrela absoluta é a Souvignier Gris [que também tem vindo a subir, mostra-nos numa apresentação com dados da região de Baden].
Falou na resistência dessas castas. Fale-me mais sobre isso.
A resistência das PIWI não depende apenas de um factor, mas de vários factores. E, com o tempo, provavelmente estas variedades PIWI resistirão por muito mais tempo do que a Regent. Mas, e agora vem a parte má, a resistência nunca será para sempre. É como a resistência aos antibióticos em humanos. Uma base para a resistência é ter esta resistência multigenética. Mas outro aspecto importante para a resistência é ajudar a planta com gestão integrada de pragas. Portanto, mesmo que seja possível ter bons rendimentos sem qualquer tratamento com pesticidas, nós não recomendamos isso. O que estamos a tentar alcançar é a redução de pesticidas. Sem ser dogmáticos ou extremistas. Não escreveria que é possível ter PIWI sem usar pesticidas, mas é possível reduzi-los bastante. O WBI Friburgo tem um sistema mundialmente conhecido, chama-se VitiMeteo, que é um site gratuito e um modelo espacial que permite verificar a pressão de diferentes doenças: podridão negra, oídio, míldio, e isso nos fungos, mas também é possível procurar outras. É uma colaboração com a Suíça e integra dados cerca de 400 estações meteorológicas. Nós não dizemos que o produtor não precisa de tratar as videiras PIWI, embora em alguns casos, como a Solaris, não seja mesmo preciso tratar. Dizemos que é possível reduzir os agro-químicos em 20% a 80%, dependendo do ano, da localização das vinhas, de quão húmido é o terroir, de quantas vezes chove, se existe um rio próximo, que faz muita neblina... Este modelo de prognóstico anda de mãos dadas com o esforço do WBI Friburgo para reduzir o uso de pesticidas e tornar a viticultura e a produção de vinho mais sustentáveis e competitivas.
Quem é que autoriza essas variedades e os seus nomes?
Há uma agência em Angers [Community Plant Variety Office], em França, a quem é submetido [o processo] e são eles que analisam as candidaturas.
Mas esse é um organismo internacional. Cada país terá a sua legislação. Há algum em que os PIWI sejam ilegais?
Bem, no mundo da vinha e do vinho, na Europa, tudo é ilegal a não ser que se especifique que é legal. Nos Estados Unidos, podemos pegar numa videira e plantá-la onde quisermos, colher as uvas e fazer vinho. Mas na Europa tudo está regulado. Em Espanha, por exemplo, e sei porque temos um produtor que nos contactou porque quer propagar as nossas variedades em Espanha – em França é a Mercier, um dos maiores [viveiristas do mundo], que dissemina as nossas videiras –, é ilegal plantar variedades PIWI, mesmo que não se produza vinho dessas uvas. E é ilegal a nível nacional, nas autonomias e nas DOC. É preciso pedir autorização. E em França, por exemplo, as nossas variedades foram as primeiras a ser autorizadas. E os franceses têm agora algumas variedades próprias do INRAE [o Instituto Nacional Francês de Pesquisa em Agricultura, Alimentação e Meio Ambiente], que desenvolveram em colaboração connosco. Nós fornecemos-lhes videiras e depois eles desenvolveram as suas próprias variedades a partir daí. A casta Floreal já foi autorizada em Champagne [assim como em Bordéus também já são autorizados os 'híbridos']. É uma das variedades PIWI do INRAE. É legal plantá-la em Champagne, as pessoas nem se aperceberão e isso já contribui para reduzir uso de agro-químicos.
Voltando um pouco atrás, as variedades PIWI são essencialmente resistentes ao míldio...
Ao míldio, ao oídio e Botrytis [cinerea].
Pelo menos em Portugal, quando falamos destas variedades híbridas os produtores falam da fraca qualidade do vinho e perguntam: e as outras doenças e pragas da vinha? Como a traça-da-uva e a cigarrinha-verde, por exemplo.
Eu entendo a pergunta, mas isso é sonhar. É como se eu lhe dissesse que existe um medicamento que te protege da [bactéria] Staphylococcus aureus, da gripe, do coronavírus, do cancro e da SIDA, certo? OK. Os patógenos, sejam fungos ou insectos, têm maneiras completamente diferentes de atacar uma planta. Não existe uma única resistência que possa proteger a planta de tudo isso.
Mas os insectos também causam danos importantes na cultura...
Definitivamente causam danos importantes, mas é simplesmente uma impossibilidade pedir uma resistência contra tudo. É como pedir uma videira que seja resistente à filoxera, à Botrytis, à podridão negra, míldio e oídio e ainda que seja resistente aos javalis selvagens que comem as minhas uvas.
Então, as variedades PIWI não são uma pílula milagrosa. É sempre necessário tratar a vinha, escolher bem onde plantar, escolher a melhor exposição, os melhores solos...
Correcto. E essa é uma boa pergunta, porque há pessoas que dizem: não estamos a conseguir boa qualidade com os PIWI. Em parte, isso acontece porque algumas pessoas decidem colocar o Pinot Noir, o Pinot Gris e o Riesling nas suas melhores vinhas, depois põem a variedade PIWI no pior sítio da sua propriedade e reclamam que a qualidade não é boa. Peço desculpa, mas esse não é o problema dos PIWI. As pessoas têm de aprender a adaptar a produção do vinho aos PIWI, porque cada casta é diferente. Não se pode fazer um Chasselas como se faz um Riesling e não se pode fazer um Pinot Gris como se faz um Pinot Noir e isso parece lógico para a [Vitis] vinifera clássica, mas algumas pessoas esquecem-se disso com os PIWI.
Disse-me que esse trabalho em Friburgo tem um século, mas quando é que surgiram as estufas, os laboratórios, a adega...?
Isso já lá está há mais de 100 anos, mas diria que o dinheiro disponível para projectos PIWI e o interesse por variedades PIWI foi acelerado pela vontade das sociedades de reduzirem o uso de pesticidas.
Disse que a Souvignier Gris é a estrela absoluta dos PIWI neste momento. Porquê?
A sua floração acontece na “meia estação”. E essa é uma das razões pelas quais a Souvignier Gris é muito popular em França. Em França e Alemanha nos últimos anos, Fevereiro e Março têm sido muito quentes e a floração já acontece nessa altura em algumas variedades. Em Abril e até Maio, se houver temperaturas geladas, as flores morrem. E se as flores morrem, a videira não produz frutos. Uma floração tardia, por causa destas questões relacionadas com as alterações climáticas, é muito importante também. Não foi essa a razão pela qual estas castas foram seleccionadas, mas continua a ser uma decisão importante na hora de decidir plantar uma vinha.
Há pouco, quando falava da Regent e dos novos PIWI, disse que a resistência não durava para sempre. Estava a referir-se exatamente a quê? Essas vinhas não chegam a velhas?
Elas podem viver até aos 100 anos também, se se evitarem danos no tronco.
Mas mesmo vivendo muito tempo, nunca serão tão resistentes, é isso?
É difícil prever, mas é isso que acontece com a clássica Vitis vinifera.
Se as PIWI são viniferas, ou cruzamentos de viniferas, porque é que as pessoas ainda as chamam de híbridos ou produtores directos?
Bem, penso que por não saberem o suficiente para entender. É preciso recuar várias gerações nestes cruzamentos para encontrar uma variedade que não seja Vitis vinifera. Todas estas são legalmente consideradas Vitis vinifera e não têm nada a ver com a Chancellor ou a Baco Noir. Aqueles compostos aromáticos de castas americanas ou asiáticas de que não gostamos particularmente foram sendo deixados de fora destes cruzamentos.
Tem ideia de quantas variedades de PIWI aprovadas existem actualmente?
Depende do país, mas todas as nossas variedades estão aprovadas. A Suíça tem algumas – Dacapo, Divico, Divino –, a Itália tem algumas, a República Checa e a Polónia também têm algumas. E nós temos variedades suíças, como as de [Valentin] Blattner, por exemplo, Cabernet Blanc – o senhor Blattner é um [geneticista e] viveirista na Suíça –, temos aquelas do Instituto Julius Kühn, de Geisenheim, LVWO, uma instituição irmã do nosso instituto, e as nossas, as do WBI Friburgo. Ao todo, 37 castas. A Regent é de 1995. A [Cabernet] Cantor é de 2019, a [Cabernet] Cortis de 2008 e a Souvignier Gris de 2013, por exemplo.
Já me disse que o Instituto de Friburgo faz vinhos-piloto, engarrafam e comercializam esse vinho?
Sim, sim. E devo dizer que são extremamente bem-sucedidos. O nosso primeiro Cabernet Cortis monovarietal foi um 2018 com 18 meses em barrica de carvalho francês e eu digo que “foi”, porque já não temos mais. Era tão bom que o vendemos por 25 euros a garrafa. A nossa produção não é muito grande. E, infelizmente, nós temos de comprar uvas de variedades PIWI para fazer vinho. Actualmente não há videiras PIWI suficientes para quem quer plantar. Recebemos constantemente chamadas de França, Itália e Alemanha, de pessoas que nos dizem: quero plantar Souvignier Gris ou quero plantar Cabernet Cortis, mas não estou a conseguir varas. Porque não há em suficiente número. E, mesmo que a Mercier tenha vendido 400.000 plantas no ano passado, as pessoas querem mais.
Há quanto tempo é que o WBI organiza o concurso de vinhos PIWI, quantos produtores enviam amostras de vinho e o que pode dizer-me sobre a qualidade?
Temos entre 150 e 200 vinhos de França, Itália, Suíça, Áustria, Alemanha, Polónia, República Checa, Suécia, Bélgica, Holanda... portanto, de todo o lado. E há alguns vinhos que são mal feitos, com defeitos, como redução, Brettanomyces, 'gosto a rato’, etc, mas a maioria das pessoas não envia mais esses vinhos. Há excelentes vinhos doces e de sobremesa. Estamos a ver vinhos brancos cada vez melhores. Também estamos entusiasmados com alguns orange wines [de curtimenta]. E não estou a falar de orange wines defeituosos, mas sim de orange wines realmente com bom paladar, sem defeitos. Sem acidez volátil, sem acetato de etilo, etc. Os vinhos tintos, diria, ainda são os mais fracos.
Ainda não falamos de álcool. Mas é o teor álcool destes vinhos é semelhante?
Sim, é igual. O que acontece é que muitas das nossas variedades retêm muito melhor os ácidos muito melhor. Temos um projecto em que definimos um estilo de vinho com adegas interessadas. Definimos o espectro de cores, a sensação na boca e a madeira. E lançámos no mercado agora um blend tinto que se chama Tamino, da mesma forma que o Cabernet [Sauvignon] é um Châteauneuf-du-Pape ou um Bordéus. Basicamente, é como dizer no caderno de encargos de uma Denominação de Origem: o nosso vinho deve ter este sabor e ser desta maneira. Está a correr muito bem. Também temos um projecto PIWI de espumantes com Bélgica e Itália, onde estamos a fazer vinho espumante com PIWI. É em colaboração com o INRAE, em França, e estamos a fazer diferentes tipos de ensaios em diferentes protocolos de vinificação. Estamos também a fazer estudos de consumo com consumidores jovens comparando com Prosecco, com Clairette de die e com Cava [três tipos de espumantes de regiões e países diferentes].
O que descobriram nesses ensaios?
Descobrimos que a casta Johanniter tem um certo potencial para que o espumante seja percebido como amargo por alguns consumidores. Os PIWI tendem a ter mais compostos fenólicos, porque os polifenóis têm capacidade antibacteriana e antifúngica, eles são usados pelas plantas para se protegerem contra ataques de fungos. E quando fazemos análises químicas vemos que, comparando com Gewürztraminer ou com Silvaner, a Johanniter tem muito mais taninos. É preciso ter cuidado ao fazer maceração pré-fermentativa, porque isso irá extrair muitas catequinas. Também pode ser um problema com vinhos brancos com muita cor: ficam laranja. No entanto, a Johanniter é uma variedade incrível para orange wines, porque é muito antioxidante por si só e dá uma sensação agradável de boca. Se olharmos para estas variedades tintas, e para as antocianinas, que são os polifenóis responsáveis pela cor vermelha, vemos que há muito mais cor no Cabernet Cortis do que em algumas Vitis vinifera tradicionais. O Pinot Noir tem cerca de 200 miligramas por litro de antocianinas. Temos cinco vezes mais na [Cabernet] Cantor e cerca de três vezes mais na [Cabernet] Cortis. A Prior também tem muita cor. Mas os PIWI também têm tem mais taninos. E isso deve mudar a maneira como se extrai cor de vinho tinto com estas variedades. A fermentação maloláctica também pode ser difícil nestes vinhos tintos, devido à elevada concentração polifenólica. Não se devem colocar todas as diferentes castas no mesmo funil, ou seja, usar o mesmo método para fazer vinhos diferentes.
Isso também se aplica a outras variedades de uva, não PIWI: tratar diferente o que é diferente.
Correcto. Absolutamente. Mas estes PIWI estão a trazer novos desafios e novas descobertas para nossas vidas. E especialmente o Souvignier Gris. Permite-nos fazer vinhos muito diferentes. E isso é incrível. Conseguimos obter vinhos muito leves e frutados, conseguimos algo na direção de um Chardonnay reserva e ainda podemos fazer um vinho com aromas de frutas tropicais e exuberantes como o Sauvignon Blanc. E quando as pessoas buscam ouro duplo e ouro nas competições com brancos PIWI é Sauvignon Gris.
Pelo que entendi, no futuro poderemos estar a falar apenas de castas, das mais resistentes. A diferenciação cairá.
Em termos jurídicos, já caiu. Porque, legalmente, não há diferença. As pessoas chamam-lhes híbridos e eu também os chamava assim quando aqui cheguei. E um colega, Ernst Weinmann, corrigiu-se e disse-me: do ponto de vista vitivinícola, isso é incorrecto, estas variedades são Vitis vinifera, ponto final. A razão pela qual temos que chamá-los de PIWI é porque, infelizmente, não existe uma única Vitis vinifera tradicional que seja resistente. E é lógico que não seja, porque a Vitis vinifera evoluiu durante milhares de anos num ambiente que não estava sujeito a estes agentes patogénicos. Portanto, não havia necessidade de ser resistente. Esses patógenos só chegaram nos últimos 160 anos. Para desenvolver resistência, é preciso haver exposição. É igual nos humanos. Precisamos de ser expostos a uma doença para desenvolver resistência.
As variedades PIWI não têm clones diferentes?
Não, até agora não. Com Pinot Noir ou outras, que existem há milhares de anos, houve um certo desenvolvimento a nível local desses clones. E as pessoas começaram a perceber que videiras produziam melhores vinhos e propagaram mais essas. Mas estas aqui ainda são muito jovens. Elas não existem há tempo suficiente para haver uma diferenciação clonal. Mas, eventualmente, tenho a certeza que as videiras que foram propagadas numa vinha em Espanha podem acabar por ser diferentes daquelas que foram propagados pela Mercier ou por um viveirista alemão.
Falámos de acidez, mas sobre a retenção de ácidos por estas uvas. Mas e os vinhos, são ou não são ácidos? Porque essa é uma crítica que muitos lhes fazem.
Hoje em dia, com as alterações climáticas, é preciso adicionar ácidos na maioria dos mostos hoje. Não há milagres. Tivemos Cabernet Cortis este ano com pH de 3,8, portanto, também precisou de acidez. Mas, por exemplo, a Souvignier Gris é uma casta que retém muito mais acidez natural, como vemos no Chasselas, no Riesling, nos Borgonhas, no Pinot Gris ou no Pinot Blanc. Ocasionalmente, ainda temos de adicionar ácidos, mas em muitos casos temos que acrescentar pouco ou nada. E isso é bom.
Isso é bom. Mas o que me está a dizer é que em alguns casos têm que adiccionar ácidos para corrigir uma acidez baixa. É o contrário do que as pessoas pensam sobre os PIWI.
Sim. Mesmo em Baden, que é Alemanha, não é Portugal, nós temos 35 e 37 graus durante semanas no verão. E toda a gente tem de adiccionar ácidos hoje.