Deixar de comer carne é “inevitável”? Sim, diz Francisco (e mostra-nos este documentário)
Carne: a pegada insustentável, o primeiro documentário português sobre a pegada ecológica da carne, estreia-se neste sábado, em Lisboa. O P3 falou com Francisco Guerreiro, que assina a produção.
É o primeiro documentário português sobre a pegada ecológica da carne — quer “democratizar o acesso” à informação e criar debate. No fundo, mostrar que a transição alimentar já começou e é “inevitável”, diz ao P3 Francisco Guerreiro, eurodeputado independente responsável pela produção. Vais poder ver o documentário Carne: a pegada insustentável pela primeira vez neste sábado, dia 25, no Cinema Fernando Lopes, em Lisboa (e mais tarde ficará disponível online).
Depois de eliminar todos os alimentos de origem animal da sua dieta (e do dia-a-dia, já que o veganismo não se esgota na alimentação) e com uma voz activa no plano europeu em matéria de ecologia e sustentabilidade, Francisco reconhece que ainda “existe uma grande dificuldade em passar a mensagem do trabalho parlamentar europeu” e “deste tipo de temas”, em particular. Apelar à mudança através de outdoors, livros, conferências é uma opção, mas “é sempre restritivo” — assim surge a ideia de criar um documentário.
Esta é, na verdade, uma segunda incursão no mundo dos documentários da dupla Francisco Guerreiro (produção) e Hugo de Almeida (realização), depois da webserie Rendimento Básico Incondicional: um caminho de liberdade.
O novo projecto “não foi difícil” de concretizar: em apenas nove meses, e com um orçamento “que ronda os 50 mil euros”, recolheram informação, viajaram até ao Líbano, Reino Unido, França e Bélgica e contaram uma história para estabelecer “uma ligação emocional com quem vê este documentário”, explica o eurodeputado independente do grupo Verdes/Aliança Livre Europeia.
Apontar o dedo ao lobby
Ao longo de pouco mais de uma hora, guiados pela voz do actor Heitor Lourenço, Carne: a pegada insustentável explora “três grandes áreas” que “levam grande parte das pessoas a mudar os seus hábitos de consumo”: saúde, ecologia e direitos dos animais. Pelo meio, há dados científicos — como o gráfico que mostra que, para produzir um quilograma de carne de bovino, são produzidos 99,5 quilos de gases com efeito de estufa.
Ao mesmo tempo que expõe dados científicos sobre a pegada ambiental da agro-pecuária, o documentário aponta o dedo à actuação da Comissão Europeia e ao lobby das indústrias envolvidas. O eurodeputado reconhece o tom de crítica no documentário, mas não tem pudor de apontar o dedo: “A agricultura e as pescas continuam a ser unicórnios aqui no Parlamento Europeu e na Comissão Europeia onde ninguém toca.” “Raramente se pode falar deste sector”, afirma.
“Não podemos separar o dinheiro que estas indústrias recebem para manter o seu sistema produtivo da influência que têm depois na Comissão Europeia, nos Estados-membros ou junto dos ministros da Agricultura e das Pescas”, sublinha.
A mudança pelo exemplo
Ainda assim, Carne: a pegada insustentável marca a diferença face a outros documentários do género. “A realidade [da produção animal para consumo] é brutal” e “há algumas imagens que claramente são brutais”, mas neste caso não ocupam mais do que dois ou três minutos da produção. E foi uma abordagem propositada.
“Não quisemos que a ideia central do documentário fosse essa realidade, mas sim partilhar a alternativa”, argumenta. Assim, dá a conhecer projectos como o da Associação Quinta das Águias, em Paredes de Coura, o santuário animal Amor Empatia, em Lisboa, ou a Associação Vegetariana Portuguesa, de âmbito nacional.
Nos exemplos internacionais, destaca-se o hospital Hayek, em Beirute, no Líbano, onde as refeições servidas aos doentes são exclusivamente vegetarianas. No total, reúne mais de 20 intervenientes, entre investigadores, ambientalistas e dirigentes associativos.
Quando questionado sobre o impacto que o filme pode ter — estreia-se neste sábado, mas só vai ser lançado online em Abril de 2024 —, Francisco espera que “gere discussão”, mas também que “responsabilize o cidadão para votar e baixar as taxas de abstenção [nas eleições europeias]”. O produtor do documentário diz que os jovens parecem particularmente atentos a este tema, assim como as mulheres, que “são muito sensíveis a esta matéria”, mas é preciso incentivar mais gente a agir.
Passando do plano europeu ao nacional, a ideia é que quem vê o documentário não fique indiferente e possa “pressionar os partidos a incluírem esta visão nos seus programas políticos”, “seja no fórum municipal, nacional ou europeu”.
Além da sessão de estreia agendada para sábado, dia 25, que já está esgotada, a produção promete novos eventos de transmissão “brevemente”. Também é possível pedir online para organizar um evento com a exibição gratuita do documentário.
E porque o activismo também começa no plano individual, espera-se que quem veja o documentário se questione: “Porque é que eu continuo a comer carne se existem outras opções?” O eurodeputado deixa o repto: “Nós não estamos presos na impotência.”