Os vinhos da talha já não são só para beber no ano de colheita

Mais longevos, mas também complexos e elegantes, mantendo a tradição milenar. A Sovibor aposta nas talhas pesgadas e nas vinhas velhas de sequeiro no terroir diferenciado do planalto da Orada.

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A Sovibor aposta nas talhas pesgadas e nas vinhas velhas de sequeiro no terroir diferenciado do planalto da Orada DR
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A jornada era de prova dos vinhos de talha. Mostrar, e comprovar, que também podem ser bebidos mais tarde, ser longevos, complexos e elegantes, mas sem abdicar nunca do processo secular de vinificação com as massas em talhas pesgadas. Para o sublinhar, enquanto decorria a prova era pesgada uma talha de 1897 utilizando pez louro, ou seja, resina de pinheiro, cera de abelha e azeite.

Este é o método ancestral e na Sovibor – Sociedade de Vinhos de Borba entende-se que deverá ser integralmente respeitado para a certificação dos vinhos de talha no Alentejo, a única região com denominação de origem para este processo de vinificação. Sendo pesgadas, as talhas não ficam totalmente estanques, continua a haver transferências de oxigénio, tornando os vinhos mais complexos e ao mesmo tempo bastante frescos, graças ao barro. Ao contrário do que resulta com o moderno revestimento em epoxy, que as transforma num depósito completamente estanque. O epoxy bloqueia o processo natural de microoxigenação através do barro, perdendo-se assim boa parte da tipicidade dos vinhos de talha.

Com uma das maiores adegas de talhas do Alentejo, eram 86 antes da última vindima, a Sovibor recuperou a produção e comercialização de vinhos de talha desde 2016, logo após a chegada dos actuais proprietários. A empresa foi comprada em finais de 2014 pelo grupo que detém a distribuidora SotaVinhos, liderado por Fernando Tavares, e as talhas foram como um arrebatador amor à primeira vista.

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Enquanto decorria a prova era pesgada uma talha de 1897 utilizando pez louro, ou seja, resina de pinheiro, cera de abelha e azeite Ernesto Fonseca

Com o potencial de talhas e de tradição instalado, o empresário desde sempre ligado aos vinhos apoiou-se na experiência e conhecimento de António Ventura para liderar a equipa de enologia, que conta agora com dois enólogos residentes, Ana Rita Tavares e Rafael Neuparth. Ana Rita é filha de Fernando Tavares e ambos são incontidos entusiastas pelo método de “fazer vinhos como se faziam há dois mil anos”.

Mas o rigoroso respeito pelo processo ancestral de vinificação não significa que os vinhos sejam como os de antigamente. "Quando são bem vinificados, podem viver durante longos anos na garrafa e em excelentes condições", assegura António Ventura, explicando que “cada vindima tem sido aproveitada para experimentar e aprender, não apenas para poder criar vinhos de talha na mais pura tradição da região, como também para utilizar este extraordinário recipiente de fermentação e estágio na produção de vinhos diferenciadores”.

Brancos longevos, tintos finos e delicados

Como mostraram o branco de 2016, de pureza e frescura impressionantes, grande secura e salinidade, ou o Talha da Rita 2018, com as castas Antão Vaz e Arinto, pujante de acidez e volume, complexo, com notas vegetais e taninos afirmativos. Marcante também a frescura e elegância do Petroleiro 2018, que mistura tinto e branco (30%), num estilo muito popular entre os adeptos das talhas.

Também nos tintos a prova mostrou com meridiana clareza que, nas condições em que hoje são feitos, os vinhos de talha têm também boa capacidade de evolução. O problema é que antigamente eram vinificados em adegas sem condições de higiene, em regra em chão de terra. Perfeito e para durar o talha de 2016 (um blend com Moreto, Carignan, Trincadeira e Aragonez), destacando-se os varietais de Moreto, pela harmonia, frescura e elegância de taninos. Está excelente, ainda novo, o talha de 2018 e muito prometedora também a amostra de 2022, que na altura da prova não tinha sido ainda engarrafado.

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"Quando são bem vinificados, podem viver durante longos anos na garrafa e em excelentes condições", assegura António Ventura ERNESTO FONSECA

Mas não é só a higiene na adega. As uvas são arrefecidas em câmara de frio, seleccionados os melhores cachos em tapete de escolha, sendo cerca de metade desengaçados. As uvas são pisadas a pé em tina de inox e baldeadas depois para as talhas, sem recurso a qualquer sistema de bombagem.

Durante a fermentação, a manta é mergulhada duas vezes ao dia de forma a potenciar a concentração de cor, aromas e sabores. E se a certificação impõe que os vinhos permaneçam nas talhas até 11 de Novembro (dia de São Martinho), na Sovibor o processo de maceração prolonga-se até ao final do Inverno, mantendo-se as massas nas talhas normalmente até Março.

Só então o vinho é retirado, através da torneira no fundo da talha, fazendo com que as várias camadas de borras, sementes, películas e engaços funcionem como um filtro natural. O vinho é novamente colocado na talha, sendo o processo repetido as vezes necessárias até que se mostre completamente limpo.

Com cerca de cem hectares de vinhas próprias, na Sovibor acredita-se que os seus vinhos reflectem também as características particulares das vinhas do planalto da Orada. Todas vinhas velhas (mais de 50 anos) de sequeiro implantadas em solo de xisto (vermelho e azul), com boa capacidade de drenagem durante o Inverno, localizadas a uma altura a rondar os 400 metros, o que contribui com temperaturas mais frescas e maiores amplitudes térmicas, a proporcionar boas maturações e índices de acidez que potenciam o bom envelhecimento dos vinhos.

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