Vinte anos depois, manifesto terrorista de Bin Laden ressuscitou nas redes sociais
Carta do líder da Al-Qaeda foi elogiada por utilizadores no TikTok e excertos dos vídeos viralizaram no X. Governo norte-americano condena incidente perante escalada internacional do anti-semitismo.
A Casa Branca condenou, esta quinta-feira, 16 de Novembro, a disseminação de vídeos nas redes sociais a louvar um manifesto de teor extremista e anti-semita cuja autoria é atribuída a Osama bin Laden, antigo líder da Al-Qaeda, e que foi originalmente publicado um ano após os atentados terroristas de 11 de Setembro de 2001.
O documento, uma apologia do terrorismo e do massacre de civis norte-americanos, justifica os atentados de Nova Iorque e Washington, D.C. como uma reacção do mundo islâmico à política externa dos Estados Unidos, à ocupação dos territórios palestinianos por Israel e ao alegado apoio ocidental à opressão de comunidades muçulmanas em vários pontos do globo, incluindo na Rússia e em Caxemira. Ao longo da missiva, Bin Laden alude a uma conspiração judaica internacional, entre outras alegações de cariz anti-semita, e condena o estilo de vida “imoral” dos ocidentais à luz de uma visão ultraconservadora do islão.
O Governo norte-americano reagiu de forma veemente, declarando que “não há nenhuma justificação para a divulgação das mentiras repugnantes, odiosas e anti-semitas que o líder da Al-Qaeda difundiu após ter cometido o pior ataque terrorista da história americana”.
“Ninguém deveria vez alguma insultar 2977 famílias americanas, que ainda cumprem luto pelos seus entes queridos, associando-se às palavras vis de Osama bin Laden”, declarou Andrew Bates, vice-porta-voz da Casa Branca, que assinalou ainda o actual contexto de “aumento de violência anti-semita no mundo, logo após os terroristas do Hamas terem cometido o pior massacre de judeus desde o Holocausto”.
Publicação no antigo Twitter terá impulsionado visualizações no TikTok
Nos últimos dias, vários vídeos publicados por utilizadores norte-americanos no TikTok arrecadaram centenas de milhares de visualizações com apelos à leitura do documento e com declarações de apoio ao seu conteúdo. Os autores dos vídeos, que aparentam ser de idade jovem, abordam a carta fora do seu contexto histórico e apresentam-na como um documento relevante para a compreensão da actual crise no Médio Oriente.
A CNN refere um vídeo publicado por uma influenciadora norte-americana que contabilizou 1,6 milhões de visualizações, enquanto a Time cita outro vídeo com 900 mil visualizações. Em poucos dias, os vídeos sobre o tema (incluindo também vídeos de condenação do manifesto de Bin Laden) terão gerado um total de 14 milhões de visualizações na plataforma.
Na madrugada de sexta-feira, os vídeos em causa já não estavam disponíveis no TikTok. Um porta-voz da plataforma nos Estados Unidos, Alex Haurek, citado pelo New York Times, afirmou que “conteúdos que promovem esta carta violam claramente as regras contra o apoio a qualquer forma de terrorismo”. O serviço está agora a “remover agressivamente” os conteúdos e a “investigar” como terão chegado à plataforma. Não é claro, neste momento, se se tratou de um fenómeno espontâneo ou de uma campanha orquestrada. O responsável do TikTok argumentou, contudo, que a maioria das visualizações ocorreram depois de a comunicação social ter noticiado o fenómeno.
Outro porta-voz da plataforma, Michael Hughes, contestou em declarações ao Politico que tenha havido qualquer fenómeno viral em torno da carta de Bin Laden no TikTok, e alegou que muitas das visualizações foram geradas após uma publicação do jornalista norte-americano Yashar Ali na rede social X (antigo Twitter), onde uma compilação de excertos dos vídeos em causa tinha sido vista mais de 30 milhões de vezes no site detido por Elon Musk.
O tema não só se tornou viral no X como, segundo o Washington Post, apareceu identificado como assunto popular no Instagram, plataforma detida pela Meta (proprietária do Facebook).
É contudo o TikTok o alvo de maior escrutínio nos Estados Unidos, com vários políticos, nomeadamente os senadores republicanos Marco Rubio e Josh Hawley, a renovarem apelos à proibição da plataforma no país. O serviço de vídeos curtos, que será proibido a partir de 2024 no estado do Montana, surgiu na China na década passada. A empresa proprietária, a ByteDance, é hoje detida por investidores internacionais, está sediada em Singapura e nos Estados Unidos e declara-se independente da influência política do regime de Pequim.
O jornal britânico The Guardian, que tinha uma transcrição traduzida do manifesto de Bin Laden disponível online há mais de 20 anos, decidiu apagar o texto esta semana por ter sido “amplamente partilhado nas redes sociais sem o seu contexto completo”. A página onde a carta estava alojada remete agora para a notícia original, datada de 24 de Novembro de 2002, sobre a circulação da missiva entre extremistas islâmicos no Reino Unido.
Esta quinta-feira, o documento continuava disponível em alguns sites do Governo norte-americano e de instituições académicas, a título de referência histórica.
Osama Bin Laden foi morto em 2011 por forças especiais norte-americanas em Abbottabad, no Paquistão, meses antes do décimo aniversário dos atentados de 11 de Setembro.