O presidente da ViniPortugal está convencido de que “muita da informação” nutricional e sobre os ingredientes do vinho e produtos vitivinícolas aromatizados que os produtores terão de passar a colocar nos rótulos das garrafas já a partir de 8 de Dezembro, seja ela impressa directamente, seja por via da inserção num código QR (Quick Response, em inglês), “não será do interesse dos consumidores”.
Frederico Falcão admite, no entanto, em declarações ao PÚBLICO, que “existia muita pressão da Comissão Europeia para igualar” a rotulagem do vinho à dos restantes produtos alimentares, pelo que, após “alguns anos em discussão” nos corredores de Bruxelas, foi “encontrada uma solução de compromisso”. A União Europeia quer que, ao acederem à informação nutricional e aos ingredientes dos vinhos, os cidadãos façam escolhas mais informadas sobre as bebidas que consomem.
A nova declaração nutricional (nos termos do artigo 9º, nº 1, alínea l), do Regulamento) dos vinhos e produtos vitivinícolas aromatizados pode passar a estar impressa no próprio rótulo ou, em alternativa, cingir-se ao valor energético, desde que a informação nutricional completa fique acessível ao consumidor por via electrónica (código QR, por exemplo). Os rótulos também terão de mencionar uma lista de ingredientes (artigo 9º, nº 1, alínea b), do mesmo Regulamento), que está igualmente isente de aparecer no rótulo se for possível fornecer essa informação em formato electrónico. E o presidente da ViniPortugal não tem dúvidas de que “a maioria das empresas irá adoptar o código QR, associando-se a empresas ou estruturas preparadas para responder a esta nova exigência legal”.
Porque falta menos de um mês para a entrada em vigor, em toda a União Europeia (UE27), do Regulamento EU 2021/2117 do Parlamento europeu e do Conselho sobre as novas regras da rotulagem, o tema dá mote a uma conferência, esta terça-feira, no Porto, promovida pela Universidade Portucalense e a Associação Nacional dos Comerciantes e Exportadores de Vinhos e Bebidas Espirituosas (ANCEVE).
Uma novidade é que apenas os vinhos produzidos após o dia 8 de Dezembro de 2023 ficam abrangidos pelas novas regras. Tal ficou a dever-se a uma rectificação, publicada a 31 de Julho deste ano, requerida por Portugal na sequência de uma actuação conjunta da Representação Permanente de Portugal junto da União Europeia (REPER) e do Instituto da Vinha e do Vinho (IVV), e que permitiu clarificar que o vinho e os produtos vitivinícolas aromatizados que “tenham sido produzidos” antes de 8 de Dezembro ficam de fora da aplicação do Regulamento.
Em consequência, esses vinhos podem continuar a ser colocados no mercado com os actuais rótulos até esgotarem as existências, o que também permitirá isentar a colheita de 2023 das novas regras de rotulagem, já que as declarações de colheita e produção de 2023 têm de ser entregues, por indicação do IVV, até 30 de Novembro de 2023. A primeira versão do Regulamento falava em vinhos “produzidos e rotulados” antes de 8 de Dezembro.
Este e outros pontos também estarão em discussão no próximo Fórum dos Vinhos de Portugal, que tem lugar a 22 de Novembro, em Leiria, promovido pela ViniPortugal. Frederico Falcão assume a intenção de “ajudar o sector a ter conhecimento das novas regras por forma a que, atempadamente, se possa preparar”.
IVV pede “escoamento da rotulagem” já produzida
Portugal está ciente do agravamento de custos que esta imposição da UE acarreta para os agentes económicos do sector.
Apesar de considerar “sensata” esta exigência da UE, visto que “os consumidores estão cada vez mais interessados neste tipo de informações”, o presidente da ANCEVE, Paulo Amorim, deixa um alerta. "É importante que os produtores se certifiquem de que a plataforma contratada para gerar esses códigos [QR] está em total conformidade com as normas da UE, pois as multas podem ser muito altas.” E relembra que, “em nenhuma circunstância, informações publicitárias podem ser incluídas nos códigos QR”.
Já quanto aos custos, eles “dependem da plataforma seleccionada”, diz o presidente da ANCEVE, avisando, ainda assim, que “é importante que a política de preços da plataforma seja bem compreendida, pois há uma que oferece uma taxa fixa, mas há outras que, com a acumulação do número de QR produzidos ao longo dos anos, aumentam os seus preços de modo que podem tornar-se extremamente caros”. Chegam a “ultrapassar os 2.500 euros por ano”, sublinha Paulo Amorim.
Rótulos em diferentes línguas
Bernardo Gouvêa explicou ao PÚBLICO que “o IVV, nos diferentes fóruns europeus de discussão desta regulamentação, assumiu uma posição crítica” quanto ao “impacto que estas novas regras representam para os operadores”.
Foi, aliás, “uma proposta de Portugal, através do IVV, que veio a permitir a possibilidade de todos os produtores europeus poderem disponibilizar a informação aos consumidores sobre a lista de ingredientes e a declaração nutricional através de meios electrónicos”, ou seja, mediante a inserção, nos rótulos, de um código QR, revela o presidente do Instituto.
Portugal, através do IVV, manifestou também “a sua oposição quanto à obrigatoriedade de inclusão, nos rótulos, da palavra ‘ingredientes’ em diferentes línguas dos mercados”, revelou Bernardo Gouvêa. O presidente do IVV diz que foi solicitada, em vez disso, “a utilização de ‘linguagem livre’, uma vez que, para os produtores, poderá existir um impacto nos custos, ao nível da produção de diferentes rotulagens, consoante os mercados de destino”.
Por outro lado, e considerando que muitos operadores já procederam à actualização da sua rotulagem e tendo em conta a “incerteza e a dificuldade desta matéria”, “o IVV está actualmente a solicitar à Comissão Europeia a possibilidade de se permitir um escoamento da rotulagem” já produzida, “sob pena de estarem a penalizar operadores que proactivamente já tomaram diligências no sentido do cumprimento do novo quadro legal”.
Pese embora o Regulamento EU 2021/2117 do Parlamento europeu e do Conselho sobre as novas regras da rotulagem nos vinhos se aplique “de forma uniforme e harmonizada entre todos os Estados-membros”, os produtores fora da União Europeia que comercializam no mercado europeu “estão sujeitos às mesmas regras”, frisa o presidente do IVV.
E falta, por outro lado, “dar resposta aos produtores europeus que comercializam para mercados fora da União Europeia”, nomeadamente quanto às condições em que podem adaptar a sua rotulagem às exigências destes mercados. Bernardo Gouvêa diz que o assunto “está ainda a ser analisado pela Comissão Europeia” e que “o IVV continua a acompanhar este processo, na defesa dos interesses da produção nacional”.
As exportações de vinho para o mercado da UE somaram 941 milhões de euros em 2022. No primeiro semestre de 2023, a ViniPortugal refere que os vinhos portugueses já atingiram os 447,6 milhões nos mercados internacionais, o que representa um aumento de 3,9% face ao período homólogo.
Custos de “3% a 5% ao ano”
Paulo Graça Ramos, que gere a Quinta de Paços, em Barcelos, uma empresa familiar com mais de 500 anos de história na produção de vinha e 200 hectares de terras (20 de vinha) na região dos Vinhos Verdes, admite que “o vinho era um dos sectores que dava menos informação sobre o seu conteúdo aos consumidores”. Quando estes, diz, “devem estar cabalmente esclarecidos sobre o conteúdo daquilo que consomem”.
Mas essa maior disponibilidade de informação a quem compra e consome vinhos traz custos acrescidos a quem os produz e rotula para colocar na prateleira. A Quinta de Paços deverá engarrafar “cerca de 60 mil litros e 70 mil garrafas” este ano e já sabe que vai ter de implementar “mudanças nos rótulos e contratar os serviços que permitam ligar um código QR às informações requeridas por lei”.
“Ainda é difícil avaliar” os custos associados a estas alterações, assume o produtor, que também é professor de Gestão e Marketing nas universidades Católica e Lusíada. "Porque ainda não temos preços de tudo”, diz ao PÚBLICO. Calcula, ainda assim, que os custos relacionados com a implementação das novas regras europeias possam “aumentar em cerca de 3% a 5% ano”.
Questionado sobre se a nova informação que passa a constar nos rótulos das garrafas pode ser dissuasora do consumo de vinho, Paulo Graça Ramos defende que esta “deveria ser testada em termos de percepção do consumidor”. E lembra que “pode acontecer um pouco como a obrigação de incluir a informação sobre os sulfitos, que causou estranheza no início”. O gestor da Quinta de Paços crê que “as pessoas vão olhar bastante para o teor calórico, dado que será algo que conseguem interpretar mais facilmente”, o que “pode levar ao aumento de uma tendência de [consumir] vinhos com menor teor alcoólico e mais secos e de menor intervenção”. "Aliás, em linha com o que é a nossa abordagem em termos enológicos."
Consumo não deverá ressentir-se
O IVV não acredita, ainda assim, que a nova informação nutricional e acerca dos ingredientes seja inibidora do consumo de vinho ou, sequer, que as vendas e exportações do sector possam sofrer uma quebra.
“Estamos certos que não, pois os consumidores vão poder confirmar a genuinidade de um produto ancestral, como é o vinho”, afirma Bernardo Gouvêa, que vê como “objectivo do legislador” a “necessidade de os consumidores estarem melhor informados para fazerem as suas escolhas”. Até porque “a informação sobre os sulfitos na rotulagem já é obrigatória, há muito tempo, não sofreu qualquer alteração com esta nova legislação” e, quando foi introduzida, não levou a "qualquer tipo de inibição do consumo".
A propósito, a inclusão nos rótulos de avisos sobre os riscos para a saúde do consumo de bebidas alcoólicas, de que tanto se falou no sector nos últimos meses, é outra 'guerra'. Estando relacionada, é uma medida que a Comissão Europeia estuda num processo autónomo ao que culmina com a entrada em vigor do Regulamento EU 2021/2117 do Parlamento europeu e do Conselho, agora em Dezembro.
A área de vinha plantada em Portugal continental, em 31 de Julho de 2022, era de 188.780 hectares, de acordo com o último (2022) Anuário “Vinhos e Aguardentes de Portugal” publicado a 26 de Outubro. A Região Autónoma dos Açores apresentava uma área de 1.709 hectares e a da Madeira uma área de 681 hectares de vinha.