Nunca, como agora, Aristóteles fez tanto sentido: a Escola à procura de si

Quando a Escola não consegue perspetivar o futuro e apenas vê dificuldades, o futuro está nitidamente em risco.

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"Enquanto perita externa de vários agrupamentos, entro em muitas escolas, de todos os graus de ensino. O que vemos é um cenário repetido, alunos sentados com o seu telemóvel" dr/Shayna Douglas via Unsplash
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Em abril de 2020, escrevi que “o professor só existe na ação”, a propósito do fecho das escolas e das aulas em plataformas digitais, na decorrência da pandemia de covid19. Hoje tenho necessidade de “atualizar” (complementar) esta afirmação: o professor só existe na relação.

Pensar os problemas que afetam a Escola hoje implica pensar necessariamente a relação e a convivência. Nos últimos anos temos assistido a uma descaracterização evidente das relações de convivência social, com reflexo direto na Escola. As crianças e os jovens passam muito do tempo de interação com os seus pares, através do digital, mesmo quando estão próximos.

Não há Escola sem relação. A convivência e a interação humana, que promovem o crescimento, fazem-se no diálogo, na argumentação, no riso, no choro. Quando estes referenciais de humanidade são substituídos por mensagens de telemóvel, corremos o sério risco de vir a ter uma geração de jovens adultos habilitados academicamente, mas desabilitados social e emocionalmente. Incapazes de se relacionarem, com dificuldade em lidar com a frustração, com poucas capacidades de negociação, sem capacidade de escuta ativa, com défices muito significativos ao nível da gestão das emoções.

Aristóteles escreveu: “o Homem é um ser social”. Esta velha máxima faz hoje cada vez mais sentido, quando as novas gerações parecem estar a substituir a relação social por uma relação individual com a tecnologia. Enquanto perita externa de vários agrupamentos, entro em muitas escolas, de todos os graus de ensino. O que vemos é um cenário repetido, alunos sentados com o seu telemóvel. Lado a dado, mas sozinhos.

Os professores assistem todos os dias a este fenómeno, cada vez mais evidente e preocupante e não sabem o que fazer para contrariar este “quietismo”. Sentem-se impotentes, muitas vezes sozinhos, sem ferramentas pessoais e grupais para mudar a realidade.

O filósofo francês Gilles Deleuze (1925-1995) escreveu: “A ética é estarmos à altura do que nos acontece”. Na Escola, os professores acham que não estão a conseguir estar à altura do que está a acontecer. E sobretudo não conseguem construir cenários em que podem ser os protagonistas de um futuro diferente. E isso é assustador. Quando a Escola não consegue perspetivar o futuro e apenas vê dificuldades, o futuro está nitidamente em risco.

Mas há três pressupostos que não podemos, não devemos e não ignoramos. Os professores são a maior classe profissional. Os professores são a classe profissional mais capacitada. Nos últimos 50 anos, os professores têm dado as respostas que a construção de um país democrático precisou. Assim, deposito na Escola, nos professores e em toda a comunidade educativa a esperança de recuperar Aristóteles, não deixando que o telemóvel substitua as relações sociais, que são a base da vida humana e da Escola.

Não tenho dúvidas de que, apesar das incertezas, das angústias e de alguma descrença será na Escola, com os professores, que se encontram as respostas, que nos fazem estar à altura do que nos acontece, enquanto cidadãos, enquanto seres humanos.

Os professores estão habituados a que a sociedade lhe peça tudo: da transmissão do conhecimento, à formação integral do indivíduo; da guarda à escola a tempo inteiro, ao longo da vida. A ideia de que, por haver muita informação, as novas gerações são mais informadas, já não tem adeptos. Todos compreendemos que, apesar do acesso à informação ser praticamente generalizado, é na Escola que ele se transforma em conhecimento e é através dos professores que os alunos desenvolvem o sentido crítico, a prática reflexiva. É na Escola que o uso da tecnologia pode ser ensinado e contextualizado.

Os professores estão muito conscientes de que têm de jogar aqui todas as suas “fichas”, sob pena de hipotecar as próximas gerações. Os professores não podem e não querem ficar reféns da tecnologia e não serem os pilares da mudança. Este é mais um desafio, talvez o maior desafio. A luta parece ser desigual, mas o futuro só pode ser de sucesso, para bem de todos nós.


A autora escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990

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