E o Porto aqui tão perto

“O Porto tem esse encanto e uma certa majestade antiga que vem do casario escuro a lembrar as cidades graníticas do interior português”, escreve a leitora Maria Goreti Catorze.

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No começo de Março, o Porto é uma cidade florida Maria Goreti Catorze
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Em Portugal há aquele mito de que no Porto está quase sempre mau tempo. Que é uma cidade nortenha cinzenta, pesada, onde chove amiúde.

Pois a minha experiência é oposta. Quando vou ao Porto encontro um sol radioso, calor no Verão, céu limpo e manhãs claras no resto do ano. Será um acaso do destino ou o clima do Douro Litoral é melhor do que o pintam os estereótipos fáceis do preconceito acumulado? Sugiro que experimentem visitá-lo porque o imprevisto também é condimento das viagens.

Amanhece cedo nesta cidade cujo nome é conhecido em todo o mundo por ter dado nome ao vinho licoroso das margens do Douro.  Aquele que é bebido como aperitivo nos salões dos grandes romances da literatura mundial. As personagens dessas histórias bebem-no sentadas nos cadeirões do poder, bon-vivants de um tempo que vai dando lugar a outro mais despojado de rituais pachorrentos. Hoje chamar-se- ia família com status à que foi a "família inglesa" de Júlio Dinis, também ela ligada ao Porto.  Com ou sem status, o vinho do Porto, mais apreciado pelos ingleses do que pelos portugueses, vale a pena ser degustado, nem que seja numa simples festa de aniversário para brindar à esperança duma longa vida.

Voltemos às manhãs portuenses. As tais "manhãs claras" que nunca mais foram as mesmas desde que Eugénio de Andrade as classificou assim no seu inesquecível poema Urgentemente. É esse o ofício dos poetas, transformar coisas vulgares em momentos sublimes. Pois ainda Lisboa se arrasta naquela costumeira neblina matinal já o sol se derrama, limpo e directo, pelo Porto adentro. Vemo-lo subir no horizonte de tal forma nítido que até nos esquecemos que ali ao lado está o mar.

O Porto tem esse encanto e uma certa majestade antiga que vem do casario escuro a lembrar as cidades graníticas do interior português.  Recomendo que o visitem no início da Primavera, que ali é mais bonita do que no Sul. No começo de Março é uma cidade florida. Saio numa transversal da Avenida da Boavista e atravesso a Rua de António Cardoso em linha recta até ao Jardim Botânico.

Há por ali velhos palacetes, tipo chalé, cheios de mistério, apanágio das casas abandonadas.  Abandonadas ou não, todas têm o glamour dos seus belos jardins cheios de magnólias, camélias, azáleas, marmeleiros do Japão, árvores do incenso (com o seu perfume penetrante, quase enjoativo). Não deixem de visitar o Jardim Botânico, encimado por um edifício vermelho quadrangular com uma varanda/alpendre nas traseiras onde preguiçam alguns ociosos numa esplanada abrigada e soalheira com vista para as camélias.

Esta era a Quinta do Campo Alegre, propriedade da família Andresen, onde viveu a ilustre Sophia. Por falar em palácios, é obrigatório apreciar a fachada e o jardim daquele onde funcionou o Colégio dos Maristas. Fica ao fundo da Avenida da Boavista, na extremidade oposta à Casa da Música. De resto, vêem-se arranha-céus, porque as velhas casas se vão perdendo na voragem construtora deste tempo apressado.

Claro que o Porto não é apenas flores e memórias arquitectónicas, tem o rio espelhado sob as pontes, a Avenida dos Aliados, esse grande ponto de encontro dos portuenses, a Ribeira (imortalizada por Manoel de Oliveira) e sobretudo alegria do povo quando chega o São João.

Maria Goreti Catorze

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