Moçambique recorre a polícias à paisana armados com kalashnikovs contra manifestantes

Human Rights Watch denunciou o uso de munições reais. Organização da sociedade civil fala em seis mortos. Polícia não confirma a existência de mortos e acusa a Renamo de usar bombas caseiras.

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Polícias moçambicanos à paisana armados com AKM na sexta-feira em Maputo Centro para Democracia e Direitos Humanos
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Polícias moçambicanos à paisana armados com kalashnikovs dispararam balas reais para travar as manifestações de sexta-feira contra os resultados oficiais das eleições autárquicas. O Centro para a Democracia e os Direitos Humanos (CDD) divulgou imagens que mostram vários polícias à paisana armados com AKM em Maputo, enquanto um vídeo posto a circular nas redes sociais mostra um desses polícias, com um chapéu onde se lê 1975, a disparar para o ar e directamente para civis que fogem numa transversal da Avenida Eduardo Mondlane, junto ao cinema Charlot, em Maputo.

“As forças de segurança moçambicanas usaram força excessiva, incluindo munições reais, balas de borracha e gás lacrimogéneo, contra manifestantes maioritariamente pacíficos”, denunciou a Human Rights Watch na sexta-feira. Em resultado disso, várias pessoas acabaram por morrer (o número é ainda incerto, na sexta-feira falava-se em dois mortos), e muitas ficaram feridas, entre elas um menino de 12 anos em estado grave, que deu entrada no hospital central de Nampula com quatro ferimentos de bala, de acordo com um porta-voz do estabelecimento hospitalar.

O Observatório dos Direitos das Crianças já veio exigir, em comunicado, “uma imediata investigação sobre o ocorrido e a respectiva responsabilização administrativa e criminal dos autores morais e materiais deste acto macabro”. A ONG refere que com esta morte já são duas as crianças mortas durante este processo eleitoral.

Esta segunda-feira, o porta-voz da PRM em Nampula não confirmou nenhuma das mortes na província, aproveitando a conferência de imprensa para denunciar apoiantes da Renamo, o principal partido da oposição, pela posse de bombas de fabrico caseiro que, alegadamente, teriam sido usadas contra um agente da Unidade de Intervenção Rápida, uma força especial da polícia. De acordo com Zacarias Nacute, citado pela agência Lusa, os ferimentos resultantes teriam obrigado à amputação do braço do agente.

Zacarias Nacute afirmou que militantes da Renamo terão aproveitado o seu conhecimento “sobre o uso de material bélico” para “fabricar bombas caseiras” destinadas “a usar contra a polícia no momento em que estivesse a fazer a reposição da ordem e segurança públicas”.

O porta-voz da PRM disse ainda que haviam sido apreendidos “alguns engenhos que se encontravam na delegação", da Renamo, depreende-se, "assim como os restos do engenho que feriu o membro da polícia”.

Até esta segunda-feira, a PRM não mencionou a existência de qualquer morte nos confrontos de sexta-feira, mencionando apenas a existência de feridos e de detidos.

Das manifestações de protesto promovidas pela Renamo em todo o país, contra aquilo a que a oposição chama de “megafraude” eleitoral (que a sociedade civil confirma e até vozes do partido no poder) na contagem dos votos das autárquicas (que acabaram com um resultado avassalador para a Frelimo, o partido no poder, que venceu 64 das 65 autarquias em disputa), as cidades de Nampula, Nacala e Maputo foram aquelas em que se registaram maiores níveis de violência.

A HRW fala em três mortos, enquanto o Centro de Integridade Pública (CIP), outra organização da sociedade civil que acompanha os processos eleitorais, diz que foram seis, quatro na cidade de Nampula e dois em Nacala. O número de feridos por balas reais é de 14 em Nacala e nove em Nampula, informa o CIP. Em Maputo, há registo de feridos, mas os números ainda não foram apurados.

Feridos incomunicados

Segundo a Lusa, esta segunda-feira, familiares de manifestantes detidos na sexta-feira na sequência dos protestos contra os resultados eleitorais juntaram-se ao pé do Tribunal Judicial do Distrito Municipal de Kampfumo, em Maputo, para denunciar as “condições desumanas” em que estão a ser mantidos os detidos e pediram a sua imediata libertação.

Dezoito deles ficaram confinados nas pequenas celas do tribunal, sem espaço suficiente para albergar tanta gente, com falta de condições e higiene, sem espaço para dormir e sem acesso a instalações sanitárias adequadas, durante o fim-de-semana, aguardando serem apresentados ao juiz.

Segundo as informações da PRM, ao todo, 70 pessoas foram detidas em todo o país.

Em declarações à Rede Moçambicana de Defensores de Direitos Humanos, o advogado Elvino Dias denunciou que tentou chegar à fala com os detidos na sua qualidade de advogado logo na sexta-feira, mas foi impedido pela polícia.

“Triste e lamentavelmente não me deixaram entrar, porque disseram que tinha uma orientação clara de que aquelas pessoas não tinham direito de comunicação com o exterior, mesmo com advogados, até inclusive com a família”, afirmou. Mais tarde nesse dia, Elvino Dias levou comida para os detidos, mas também foi impedido de o fazer. E foi preciso muita insistência, durante mais de meia hora, para conseguir que os polícias aceitassem os alimentos que tinha levado para os detidos.

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