A um canto da Glad estão dois grandes sacos de juta timbrados como prova de que deram a volta ao mundo carregados de favas de cacau. Por semana, mais saco menos saco, entram na fábrica — um espaço até algo laboratorial, sem o romantismo de uma fábrica de chocolate de conto infantil, mas com o cheiro certo — cinquenta quilos de cacau “o que equivale a 800 tabletes”, sorri Marcella Cavalcanti, orgulhosa por fazer de tudo por garantir que as melhores práticas são seguidas e por controlar todas as etapas do processo, desde a compra dos grãos até ao embalamento manual das tabletes personalizadas.
“Bean-to-bar”, repete-se ao longo da visita da Fugas. “Do grão à tablete”, um rótulo relativamente novo que, como em tudo, não é, por si só, uma garantia de qualidade, de transparência ou de sustentabilidade, mas que é muito quando aplicado a um produto que sempre consumimos com gula e sofreguidão e na grande maioria dos casos sem olhar a letras miudinhas nos rótulos. “Sempre adorei doces e sempre gostei de chocolate. A minha mãe é suíça... e havia sempre chocolate em casa, mas de leite, superdoce”, conta Marcella, que um dia, em plena pandemia, se virou para a irmã Katrin e disse “'vamos fazer o nosso próprio chocolate'“.
Depois de dez anos a trabalhar em Londres e algum tempo a estudar em Madrid, a empreendedora brasileira foi viver para o Porto, para junto dos pais. Nunca havia trabalhado na área da gastronomia, mas uma visita a uma fábrica de chocolate nos EUA em 2015 mudou o seu rumo. “Comecei a degustar mais”, recorda. E bastou uma pandemia (“mais tempo em casa”) para tomar a decisão. Desde Londres, Katrin dedica-se às áreas de marketing e branding. Em Portugal, a irmã trata da pesquisa e desenvolve as receitas. A Glad — “porque o chocolate te deixa feliz” — labora desde Maio.
E porque é que este chocolate é diferente dos outros? “As empresas já compram o chocolate processado e a partir daí adicionam os seus ingredientes, emulsionantes e aditivos”. Aqui, fala-se de “coisas saudáveis”, dos ingredientes “de verdade” (“sem conservantes, aditivos ou sabores artificiais”) um a um. “Gostamos de manter as coisas simples. É uma indústria encantadora quando se acompanha o processo desde o cultivo”, diz à Fugas Marcella Cavalcanti. “É como conhecer a origem do vinho que vamos beber.”
Muitas provas depois, a dupla seleccionou quatro destinos, quatro produtores de cacau, quatro tabletes com personalidade — e chocolate Single Origin 70 por cento “sólidos de cacau” (60 por cento de cacau e dez por cento de manteiga de cacau; “o resto é açúcar de coco). “Qual é o sabor verdadeiro do cacau?”, perguntaram-se as irmãs, com Equador, Madagáscar, Nicarágua e República Dominicana nas suas tabletes. “Queremos que uma pessoa que não conhece o bean-to-bar consiga diferenciar as origens.” Notas de prova: nozes, melão e flor (favas do Equador, provenientes da Hacienda Limon), citrinos, amora vermelha e praliné (Madagáscar, Akesson), rosas, jasmim, baunilha e iogurte (Nicarágua, Ingemann) e cereja, amendoim e caramelo (República Dominicana, Öko-Caribe).
E a estes quatro a Glad lançou mais quatro variedades (gama Inclusions), “elevando ainda mais o sabor original de cada cacau”. Adicionou-se sal marinho do Algarve ao Nicarágua, framboesas ao Madagáscar e amêndoas do Alentejo ao Equador, também com uma versão com café, aveia e nibs (pedacinhos de grãos de cacau).
Na fábrica, transparente, qualquer pessoa pode acompanhar todas as fases de produção do grão à tablete (workshop até seis pessoas no primeiro sábado do mês), desde a selecção dos grãos à mão até ao desenformar do chocolate, passando pela torra (40 minutos), separação das cascas dos nibs e fabrico da pasta.
Paralelamente, a marca comercializa embalagens de 200g de nibs (cacau puro da República Dominicana, mais suave e menos ácido, características que tornam os nibs ideais para toppings de smoothies, iogurtes ou saladas) e de 100g de infusão de cacau (para beber quente ou fria), simplesmente cascas das favas provenientes da República Dominicana, normalmente um “desperdício” no processo de fabrico do chocolate que algumas marcas e consumidores começam a valorizar.
“Nem tudo é biológico”, avisa Marcella, mas é tudo vegan e de origem controlada, uma “produção consciente e transparente” que salta para a parte da frente da embalagem onde estão as informações mais importantes.
A marca vende online para toda a Europa e em lojas no Porto, em Lisboa, em Madrid e, através de um distribuidor, na Alemanha. Tem planos para comprar cacau de outros destinos (Brasil, quem sabe) e para sazonalmente continuar a fabricar produtos efémeros (gelados no Verão, Panetones no Natal, etc.).
Fica uma dica para quem quiser começar a degustar em vez de devorar chocolate. “O modo correcto de provar é deixar derreter na boca.”