Dez mandamentos para avós de recém-nascidos
Mandamento nº 2: a não ser que os pais façam um pedido direto nesse sentido, não tirem do colo da mãe ou do pai um bebé que está a chorar.
Querida Ana,
No meio da angústia que estas guerras me provocam, tento (com esforço) que, apesar de tudo, não me impeçam de celebrar e antecipar as coisas boas que, felizmente, vão acontecendo. E se a chegada para breve de um novo neto me lembra, dolorosamente, todos os bebés massacrados em Israel e todos aqueles que perdem a vida em Gaza, dou saltinhos de alegria perante a perspectiva de lhe pegar ao colo — finalmente faltam só mais umas semanas para o teu irmão ser pai pela primeira vez, e eu, de novo avó. Mas, entretanto, preciso da tua ajuda a “rever a matéria”, tendo em conta que há, desta vez, um fator novo: como, mas como, é que me vou adaptar a que cresça longe de mim, como acontece a todas as avós que, como eu, têm os filhos longe.
Recorro aos teus conselhos, portanto. Diz-me lá, quanto tempo depois de ele nascer devo lá ir passar uns dias?
Não, Ana, não vou ficar em casa deles, coitados, nem isso me passou pela cabeça, mas gostava de ir quando já puder ajudar um bocadinho…
Não, Ana, não vou arrebatar o bebé à mãe, nem propor que passe a biberões para a avozinha poder ficar com ele, mas… se for só por umas horas, com o pretexto de que assim pode descansar e dormir uma sesta maior?
Vá lá, deixa-te de me criticar (na minha cabeça, eu sei!) e dita-me os mandamentos para avós de famílias imigrantes — numa versão destinada a deixar feliz uma nora, que sei que é sempre uma coisa um bocadinho diferente. Fico à espera.
Querida Mãe,
Sabe que tenho percebido que os seres humanos são mesmo engraçados porque, por mais que tenham passado por certas coisas, a passagem do tempo vai-nos mudando devagarinho a perspectiva e, de repente, quase sem dar por isso, estamos a ver de fora e a mandar bitaites para dentro.
Sim, conservamos alguma noção da experiência pela qual passámos, e daquilo que aqueles recém-pais podem estar a sentir, mas como não estamos imersos naquele cocktail de cansaço, hormonas, medo, ansiedade e entusiasmo, os nossos conselhos são, muitas vezes, quase inúteis. Isto para não falar na diferença de feitios!
Ou seja, querida mãe, não sei se vou conseguir cumprir com o seu pedido, até porque, pior, agora é o meu sobrinho que vai nascer e, como também temo não vir a ser especial para ele, também a mim me dói pensar que todas as pessoas que estão fisicamente mais próximas terão mais oportunidades de criarem um vínculo mais forte com ele. Ou seja, os meus conselhos estão contaminados, porque por mim mudávamo-nos as duas para a casa ao lado da deles, durante o primeiro mês!
Mas pronto, vou tentar ir mesmo ao fundo das minhas memórias e recordar o que é que me ajudou e o que me desajudou no primeiro filho. Aqui vai a tábua dos “Dez Mandamentos” para avós de recém-nascidos.
#1 Sejam claros quanto aos vossos sentimentos! Se querem pegar no bebé ao colo não inventem pretextos do género: “Ai, coitadinha, estás muito cansada, eu ajudo-te e tiro-te a criança dos braços! Vai lá dormir! Vá descansa!”. Em vez disto, limite-se a dizer: “Adorava pegar no meu neto, será que é uma boa altura?”
#2 A não ser que os pais façam um pedido direto nesse sentido, não tirem do colo da mãe ou do pai um bebé que está a chorar. Pode não ser essa a vossa intenção, mas é muito provável que eles leiam o vosso gesto como um atestado de incompetência.
#3 Mostrem curiosidade sobre como lidam com o bebé, sobre as formas de parentalidade diferentes que escolheram, mas com o objetivo de as ficar a perceber melhor, não para as julgar. E lembrem-se que diferente não é melhor, nem pior!
#4 Ofereçam-se para ir às compras por eles, levem-lhes uma refeição já pronta, ou perguntem em que outros assuntos práticos podem ajudar (sim, lavar e engomar, também é boa ideia). Pois, eu sei, o que apetece mesmo é ficar com o bebé, mas para isso estão lá os pais.
#5 Não comentem a quantidade de vezes que o bebé vai mamar, nem perguntem se não terá fome, sempre que chora. Poupem-nos às descrições das vossas experiências passadas, e às histórias do “leite fraco”.
#6 Apesar de terem feito uma viagem de vários quilómetros e de só vos apetecer estar todo o tempo com esta nova família, vão dando um bocadinho de tempo e espaço. Dormir noutro sítio nem sempre é possível, mas é o ideal.
#7 Não comentem nunca, jamais, o estado de arrumação ou desarrumação da casa.
#8 Tirem muitas fotografias — sem flash e se os pais não se importarem —, mas não as coloquem nas redes sociais sem autorização. Se calhar, o melhor é não colocarem mesmo, porque só a pergunta pode provocar stress (o não pode ser lido como antipatia...).
#9 Não entrem em competição com os outros avós que estão mais perto, mesmo que sintam algum natural ciúme. Não façam comentários, muitas vezes sem maldade, mas que, quando escutados pelos outros, podem ferir e envenenar relações — se precisam de desabafar façam-no longe de tudo e todos, quando estiverem certos de que não há mesmo ninguém à volta. É que, além do mais, estas “gafes” nunca se conseguem apagar, por muito que depois se deseje tanto fazê-lo.
#10 Por mais que apeteça, não tragam o vosso neto para casa!
BJS!
Com o Birras de Mãe, uma avó/mãe (e também sogra) e uma mãe/filha, logo de quatro filhos, separadas pela quarentena, começaram a escrever-se diariamente, para falar dos medos, irritações, perplexidade, raivas, mal-entendidos, mas também da sensação de perfeita comunhão que — ocasionalmente! — as invade. E, passado o confinamento, perceberam que não queriam perder este canal de comunicação, na esperança de que quem as leia, mãe ou avó, sinta que é de si que falam. Depois das férias de Verão de 2023, estão de volta com uma nova temporada repleta de birras.