Fotografia
Catarina entrou na prisão de Tires para fotografar como é “ser criança atrás das grades”
Durante três meses, Catarina fez retratos de mães com os filhos dentro da cadeia. A exposição Punctum – ser criança atrás das grades está na Fábrica Braço de Prata, em Lisboa, até 28 de Outubro.
Nas prisões, ter uma fotografia, espelho ou outro objecto que nos mostre o nosso próprio reflexo é um luxo inalcançável. Com o tempo, as recordações dos rostos começam a diluir-se na memória dos reclusos e, no caso das crianças que partilham a cela com as mães até aos três anos, verem a cara pela primeira vez é um misto de curiosidade e confusão. Foi isto que a fotógrafa Catarina Araújo Ribeiro, que é formada em Ciências Criminais, percebeu quando visitou e fotografou as crianças que vivem no estabelecimento prisional de Tires, em Lisboa.
Em Maio deste ano, os guardas abriram-lhe as portas para que conhecesse o dia-a-dia de sete mães reclusas e dos filhos dentro dos muros da cadeia. Punctum – ser criança atrás das grades foi um trabalho de três meses que está agora em exposição na Fábrica Braço de Prata.
“Estes muros que os miúdos conhecem têm duas leituras: por um lado limitam-lhes a liberdade e, por outro, protegem-nos, garantem que têm cuidados de saúde, alimentação, que continuam com as mães até aos três anos e que estão protegidos, apesar de viverem numa cápsula”, destaca a fotógrafa em entrevista ao P3.
As crianças que nasceram na cadeia vivem cerca de 1095 dias (ou 26.280 horas) em reclusão e, sem conhecerem outra realidade, mostram-se felizes ao lado das mães. Catarina preferiu não saber os motivos que levaram à condenação destas mulheres e, em troca, reflecte, “abriu-se uma porta” que não estava à espera: deixaram-se fotografar apenas enquanto mães cuidadoras dos filhos e foi também assim que se viram quando receberam os retratos. “Em algumas fotografias desfoquei o fundo e não foi de forma inocente. O que quero mostrar com isso é que agora estas mulheres estão neste contexto, mas a história delas e dos miúdos vai além destes muros.”
Nas imagens, as posturas pensadas e as barreiras foram postas de lado, e, em certos casos, os sapatos também. Nos quartos, as mães mostraram os brinquedos, jogos e desenhos que colaram nas paredes da cela fria para a tornarem “num espaço protector e infantil”. Segundo a fotógrafa, a falta de apoio familiar faz com que algumas destas crianças nunca tenham saído da prisão, visto o mar ou não saibam que existem janelas sem grandes e portas sem ferrolhos. Até aos três anos, o mundo é um lugar desconhecido, ou uma fabulação do que as mulheres lhes contam. Por enquanto, destaca a fotógrafa, espreitam pela pequena janela do quarto “para verem as estrelas e sonharem com os dias fora da prisão”.
A exposição tem entrada livre e está na sala Wolf da antiga fábrica militar lisboeta até 28 de Outubro. No pensamento do filósofo Roland Barthes, punctum são os detalhes numa fotografia que ferem quem a vê. Catarina espera que pelo menos uma das 24 imagens tenha esse efeito em alguém.
O trabalho, destaca, reflecte sobre vários temas, desde a vida em reclusão, à importância do vínculo entre mães e filhos, passando pela liberdade, o tempo ou os direitos das crianças. Se o pedido for novamente aceite, o objectivo é fotografar todas as mulheres que vivem com os filhos na prisão de Tires, para que os menores tenham uma recordação de como era a vida até aos três anos. “Estes miúdos podíamos ser nós, se tivéssemos nascido da barriga destas mães”, conclui.