Qual é o seu perfil de Castelão? No Tejo há muito por onde escolher

O que impressionou numa prova recente com dez vinhos não foi a identidade da casta, mas a sua capacidade para produzir diferentes estilos de vinhos. Muito dá o Castelão.

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Em dez anos, o Tejo passou de ter apenas dois vinhos de Castelão para produzir dez vinhos varietais desta casta portuguesa Gonçalo Villaverde
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Em 2021, a Comissão Vitivinícola Regional do Tejo (CVRT) juntou jornalistas, escanções e blogers na Quinta da Marchanta (Santarém) para uma prova de vinhos da casta Castelão: uma meia dúzia de varietais, sendo que só dois — o tinto da Quinta da Alorna e o espumante da Quinta do Casal Branco — tinham edições regulares (os restantes eram colheitas antigas). Dois anos volvidos, no mês passado, alguns dos mesmos jornalistas, escanções e blogers reencontraram-se na Quinta Casal das Freiras (Tomar), mas agora diante de dez vinhos feitos a partir de Castelão e com edições regulares. Em dois anos, o Tejo passou, grosso modo, de dois para dez vinhos varietais de Castelão, que, convém realçar, é a quinta casta mais cultivada em Portugal em geral e a quarta em matéria de tintos. Só no Tejo, os 1.773 hectares de Castelão representam 13% da área total de vinha (12.847 hectares).

Conhecida também como Periquita, porque se popularizou a partir de uma quinta da José Maria da Fonseca que se chama Cova da Periquita, a casta tem ainda muita expressão nas regiões de Península de Setúbal e de Lisboa.

Ora, se isso é assim, se há tanta área de vinha de Castelão, por que razões os vinhos desta casta caíram em desuso no Tejo e em Lisboa, e não necessariamente na Península de Setúbal? Em primeiro lugar, porque o vinho é um negócio sujeito às modas impostas pelos mercados externos. E, partir do final dos anos 90, o mundo — Portugal incluído — deslumbrou-se com vinhos carregados de cor, cheios de fruta de bagas pretas, muita extracção e álcool abundante — predicados que o Castelão jamais dará.

Em segundo lugar, as regiões do Tejo e de Lisboa (as mais férteis do país) foram sempre as mais rápidas na adaptação e modernização dos processos produtivos, pelo que rapidamente importaram castas para a satisfação das tais tendências.

E, em terceiro lugar, porque quando a casta Castelão é plantada em solos impróprios, com porta-enxertos errados ou deixada à solta do ponto de vista produtivo, dá quantidade, mas não qualidade. Por isso, passou a ser, regra geral, usada em vinhos de lote com outras castas mais certinhas, perfumadas e de moda (Tourigas, Syrah & Co). Em rigor, a casta não desapareceu, mas ficou diluída e incógnita.

A Comissão Vitivinícola Regional do Tejo (CVRT) juntou jornalistas, escanções e blogers em 2021 e novamente em Setembro último para provar varietais de Castelão produzidos na região Gonçalo Villaverde / Direitos Reservados
Em dois anos, o Tejo passou de ter dois vinhos feitos 100% com Castelão para ter hoje dez referências varietais, por dez produtores Gonçalo Villaverde / Direitos Reservados
Em rigor, a casta não desapareceu da região do Tejo, mas ficou diluída e incógnita nos vinhos de lote Gonçalo Villaverde / Direitos Reservados
Só no Tejo, os 1.773 hectares de Castelão representam 13% da área total de vinha (12.847 hectares) Gonçalo Villaverde / Direitos Reservados
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A Comissão Vitivinícola Regional do Tejo (CVRT) juntou jornalistas, escanções e blogers em 2021 e novamente em Setembro último para provar varietais de Castelão produzidos na região Gonçalo Villaverde / Direitos Reservados

Sucede que a excessiva padronização do vinho a nível mundial obrigou os produtores a reagir com vinhos diferenciados nas gamas intermédias e premium. Assim, a Castelão é um trunfo interessante, visto que, além de existir em relativa abundância, é amiga do agricultor porque, com excepção do escaldão, aguenta-se bem com as doenças da vinha. Já na adega, com os recursos humanos e técnicos que existem hoje, é possível fazer-se tintos de Castelão com classe, com aromas e sabores mais frescos e joviais (notas vegetais, fruta vermelha, especiarias, fumados e por aí fora), que nos fazem desenjoar dos vinhos fotocópia que inundam as prateleiras (a trindade fruta, extracção e madeira). Portanto, é uma bênção.

O papel da Comissão Vitivinícola

Em tese, são as empresas que definem as estratégias de abordagem aos mercados, mas a equipa da CVRT, liderada por Luís de Castro, assumiu sempre que não lhe ficava mal juntar produtores e lançar-lhes desafios. E como a região viu entrar muitas castas internacionais e nacionais nos seus terroirs nas últimas décadas, a comissão entendeu que era a hora de pegar nalgum património vitícola e, com ele, sugerir novas abordagens enológicas que, claro está, ficam a cargo de cada produtor, porque cada um sabe si. E foi assim que, em meia dúzia de anos, o Fernão Pires nos brancos e o Castelão nos tintos passaram a dar que falar entre produtores, jornalistas, sommeliers, comerciante e gente da restauração.

E o interessante é que os enólogos das casas trabalharam criativamente as duas castas, traduzindo-se isso numa riqueza de perfis de vinhos, apesar de estes ainda não terem a notoriedade merecida junto do público. Ainda, mas o caminho está bem traçado.

Até há pouco tempo pensávamos que tudo isso seria mais vincado com Fernão Pires, mas esta última prova de Castelão revelou, para uma amostra de vinhos de dez produtores, uma versatilidade de perfis que não imaginávamos.

O vinho Casal das Freiras Vidal x Niepoort Castelão Tinto 2022 Gonçalo Villaverde / Direitos Reservados
Anunciada Velha Tinto 2021, igualmente um monovarietal de Castelão Gonçalo Villaverde / Direitos Reservados
Este Espargal de D. Luís Reserva Tinto 2021 é outro varietal de Castelão da região do Tejo Gonçalo Villaverde / Direitos Reservados
Casa da Atela Castelão Rosé 2021, da Quinta da Atela Gonçalo Villaverde / Direitos Reservados
Companhia das Lezírias Séries Singulares Castelão Tinto 2021 Gonçalo Villaverde / Direitos Reservados
Chícharo Rosé 2022 (Alveirão), outro 100% Castelão Gonçalo Villaverde / Direitos Reservados
O Bathoreu Rosé 2021 (Agro-Batoréu) é outro vinho varietal de Castelão Gonçalo Villaverde / Direitos Reservados
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O vinho Casal das Freiras Vidal x Niepoort Castelão Tinto 2022 Gonçalo Villaverde / Direitos Reservados

Tivemos três rosés e dois Blanc de Noirs de Castelão (um deles espumante); vinhos com mais extracção e vinhos com mais realce para a pureza da fruta primária; vinhos com intervenção mínima na adega e vinhos com belo trabalho de barrica. E até, vejam só, um vinho à Dirk Niepoort – necessariamente glu-glu, claro.

Quer isto dizer que todos os vinhos espantaram na prova? Não. Mas a questão é outra, como bem sublinhou o sommellier Rodolfo Tristão, que, com João Silvestre, da CVRT, conduziu a prova em Tomar. "Qualquer consumidor pode dizer que não gosta do estilo A e tolera mais ou menos o estilo B, mas, perante estes dez vinhos, se não encontrar um que lhe agrade, alguma coisa está mal. Ou seja, quando alguém diz que não gosta de Castelão, o que temos de lhe perguntar é isto: mas qual Castelão? É que Castelões há muitos."

Num mundo ideal, esta prova merecia, por razões didácticas, ser estendida ao maior número possível de consumidores. Nós, na Escola do Gosto (que o PÚBLICO estreará já este sábado, dia 14, com uma aula muito especial sobre como provar um vinho, em Lisboa), estaremos cá para que tal aconteça. Para permitir que os consumidores possam fazer escolhas livres, mas só depois de terem provado, sem preconceitos, a diversidade dos vinhos Castelão.

Vinho a vinho

Em matéria de Blanc de Noirs (vinhos brancos feitos a partir de uvas tintas), tivemos na prova o Contracena 2022, da Quinta da Ribeirinha (9 euros) e o espumante Monge 2015, da Quinta do Casal Branco (18,50 euros). O primeiro é um clássico Blanc de Noirs novo. Tem graça, tem alguma fruta e notas florais (tudo muito ténue) e uma boca mais doce. Da experiência que temos na prova destes vinhos, o tempo — embora sejam feitos para consumo rápido — pode acrescentar alma ao vinho. Quanto ao espumante, é o que sabe: notas interessantes de evolução, com destaque os fumados típicos do Castelão e alguma pastelaria. Na boca, bolha bem viva. Interessante como aperitivo.

No campeonato dos rosés, o Bathoréu 2021, da Agro-Batoréu (6 euros) estava bem aberto de cor, com aromas e sabores da casta — os tais fumados — e algumas notas de maçã. Delicado, desafiante e, para a sua qualidade, com um preço de estalo. O Casa da Atela, da Quinta da Atela 2021 (11,50 euros), é um estilo diferente por revelar trabalho de madeira (25% em barricas usadas), coisa que lhe dá volume, notas apimentadas e carácter gastronómico. Já o Chícharo 2022 (12 euros), da adega Alveirão, aponta para um perfil mais clássico, em que o carácter floral e frutado, bem como o corpo volumoso, se evidenciam.

Da casa que recebeu a comitiva — Quinta Casal das Freiras — temos uma estreia que resulta de uma parceria entre a família de Tomar, liderada por José Vidal, e a Niepoort, com Dirk Niepoort, por questões de amizade e porque Dirk sempre quis ter um Castelão no seu portfólio. Como seria de esperar, saiu um vinho à Dirk. Ou seja, de cor aberta, com frutos vermelhos, notas vegetais e um certo perfume de cedro, com a boca sedosa e gulosa a ir pelo lado da mesma fruta. A fermentação ocorreu com cacho inteiro, em barricas usadas e com as suas próprias leveduras. Donde, maior pureza seria difícil. Mas refere Ricardo Gonçalves, da Quinta Casal de Freiras: "houve clientes que torceram logo o nariz quando viram a cor do vinho no copo, mas são os mesmos que agora nos ligam para comprar mais garrafas”. É a velha máxima do Pessoa.

A Companhia das Lezírias também mostrou inovação ao apresentar um tinto que que junta parte do vinho fermentado em madeira e outra em barro — o Séries Singulares 2021 (25 euros). Vinho mais grave, com fruta a rodos, corpo e taninos bem presentes.

Clássico, mas com um perfil cosmopolita, o Quinta da Alorna (19,90 euros), que é feito a partir de um terroir muito específico (calhau rolado), surpreendeu pelas notas de fruta à mistura com algum apimentado que até podia, às cegas, levar-nos para castas francesas. Boca com volume mas muito fina, fresca e especiada.

Para um registo mais novo mundo, em que a extracção é a matriz, o Espargal de D. Luís 2021 (13 euros, da Casa Agrícola Rebelo Lopes) apresentou-se cheio de fruta e rebuçado de alcaçuz. Na boca, sempre a fruta, acompanhado de sabores mentolados. Um tinto que claramente precisa de comida.

Da pequena propriedade que é a Quina da Anunciada velha, em Tomar, este Anunciada Velha 2021 aparece, também, à semelhança da criação de Dirk Niepoort, com aromas mais primários da casta, mas com uma boca alicorada ou compotada, ainda que fresca e com álcool contido (o que se agradece).

O carácter diferenciador do vinho português reside riqueza das nossas castas autóctones (e ibéricas, vá). E isso deveria abrir-nos o espírito para a experiência e para provarmos castas principais e, também, as ditas 'secundárias'. Mas, neste caso, estamos perante a proliferação de estilos de vinhos a partir de uma só casta que até é ‘principal’. Somos sortudos em ter Castelão.

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