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Uma fotógrafa voltou à Arménia para ver como a guerra mudou as crianças

Ao longo de nove anos, Madelaine Ekserciyan desenvolveu Mayrig, um projecto com enfoque nas marcas psicológicas da normalização da violência e dos sentimentos nacionalistas nas crianças da Arménia.

Minutos antes da peça começar, onde meninos e meninas fizeram uma representação inconsciente daquilo que lhes esperava nas suas vidas. As meninas de vestido branco e os meninos de uniforme militar, em Karin Tag, uma região de Nagorno Karapagh, zona de conflito entre Arménia e Azerbaijão ©Madelaine Ekserciyan
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Minutos antes da peça começar, onde meninos e meninas fizeram uma representação inconsciente daquilo que lhes esperava nas suas vidas. As meninas de vestido branco e os meninos de uniforme militar, em Karin Tag, uma região de Nagorno Karapagh, zona de conflito entre Arménia e Azerbaijão ©Madelaine Ekserciyan

Madelaine Ekserciyan nasceu na Argentina, mas as suas raízes são arménias. "A minha família, tanto do lado materno como paterno, migrou devido à perseguição e limpeza étnicas que irromperam em 1915 e que deram origem ao genocídio arménio", conta ao P3 a fotógrafa, em entrevista, a partir de Buenos Aires, onde reside. Há nove anos, em 2014, começou a visitar regularmente a Arménia, no sentido de melhor compreender a sua história familiar e de desenvolver um laço estreito com o país. Das suas visitas regulares nasceu o projecto Mayrig, que se encontra presentemente em exposição no Museu D. Diogo de Sousa, em Braga, ao abrigo do festival Encontros da Imagem.

O conjunto de imagens que Madelaine Ekserciyan desenvolveu parcialmente na região de Nagorno-Karabakh tem foco na vida das crianças arménias e na relação que têm com a guerra, "como a normalização da violência e os sentimentos nacionalistas alteraram os seus espaços de lazer, de brincadeira". O conflito na região de Nagorno-Karabakh, que parece ter, por ora, chegado a um desfecho com o êxodo em massa da comunidade arménia, decorre desde 1988, ainda antes da queda da União Soviética, que ambos os países integraram até 1991. O convívio com a guerra ou com a ameaça de violência é algo permanente para as crianças de região.

Madeleine sempre teve um vínculo muito próximo com as crianças. "Tenho uma recordação muito forte e vívida de uma experiência que tive na Arménia. Um dia estava com a minha família numa aldeia, Karin Tag, que hoje já tem outro nome, quando vi uma peça num jardim infantil, onde meninos e meninas representavam aquilo que seria o seu futuro. Elas usavam vestidos de gala, eles uniformes de padrão camuflado, como os que se usam na guerra, e tinham nas mãos armas de plástico, marchavam e rastejavam no chão. Todos estavam muito sérios. Nessa altura, os meus sobrinhos tinham aquela idade e pensar neles a viver essa situação partia-me o coração. Parecia-me muito injusto que aquelas crianças tivessem de viver uma realidade tão distinta da de tantas crianças do mundo."

Ainda há poucos dias, refere Madelaine, "crianças de Artsakh tiveram de deixar tudo para trás, repentinamente" e encontrar refúgio na Arménia. "Ter armas apontadas às suas casas, estarem expostos a que, em qualquer momento, possam disparar sobre eles" é algo que a fotógrafa considera profundamente injusto. "Naquela região, no interior das escolas, existe uma divisão com armas para que as pessoas se possam defender em caso de ataque", exemplifica. Por baixo dos edifícios escolares existem bunkers onde poderão esconder-se caso seja necessário, afirma. "Isso aconteceu há dias em Artsakh, onde as crianças tiveram de refugiar-se, junto das mães e avós em bunkers, e onde permaneceram vários dias sem comida ou medicamentos."

Na maioria das escolas da região existe também uma área dedicada aos mártires, aos arménios que deram a sua vida pela pátria, onde estão expostas fotografias com os rostos dessas pessoas, juntamente cartas que foram escritas por elas nos últimos dois anos. "As crianças não deveriam considerar normal terem de defender o seu país, dar a sua vida, assim que atinjam a maioridade. O serviço militar na Arménia é obrigatório."

A fotógrafa conclui que "as crianças são universais e universal é o seu desejo de brincar". "Elas são livres na forma como brincam? Ou será que nós, adultos, as condicionamos?" Mayrig não fornece respostas, apenas indícios. "As condições em que as crianças crescem e se desenvolvem condicionam o seu futuro. Elas são o futuro e temos de protegê-las. Quanto mais aprofundo este tema mais me dou conta de que existem muitos casos como este noutras áreas de conflito, em campos de refugiados, onde os direitos das crianças são violados, onde não são protegidos. Essas vivências marcam e condicionam o seu futuro." E o futuro de todos.

Uma menina dá a mão ao seu pai durante uma actuação na escola. A fotografia foi captada num período em que o território ainda pertencia à Arménia. Desde 2020 que a região pertence ao Azerbaijão
Uma menina dá a mão ao seu pai durante uma actuação na escola. A fotografia foi captada num período em que o território ainda pertencia à Arménia. Desde 2020 que a região pertence ao Azerbaijão ©Madelaine Ekserciyan
Arpine tem sete anos e vive em Bavra com a sua mãe, irmã e irmão mais velhos. Brinca enquanto espera que a irmã lhe prepare o jantar
Arpine tem sete anos e vive em Bavra com a sua mãe, irmã e irmão mais velhos. Brinca enquanto espera que a irmã lhe prepare o jantar ©Madelaine Ekserciyan
Bavra é uma pequena aldeia de aproximadamente 500 habitantes, a 500 metros da fronteira com a Geórgia. Esta é uma das poucas fronteiras onde, presentemente, não decorre um conflito. Crianças do primeiro ano vestem fatos costurados pelas suas mães para um dia de celebração na escola
Bavra é uma pequena aldeia de aproximadamente 500 habitantes, a 500 metros da fronteira com a Geórgia. Esta é uma das poucas fronteiras onde, presentemente, não decorre um conflito. Crianças do primeiro ano vestem fatos costurados pelas suas mães para um dia de celebração na escola ©Madelaine Ekserciyan
Menino de três anos "cumprimenta" a vaca que entra na propriedade com um martelo na mão. As vacas são ordenhadas e recolhem-se para descanso. A avó guia as vacas para o interior do terreno
Menino de três anos "cumprimenta" a vaca que entra na propriedade com um martelo na mão. As vacas são ordenhadas e recolhem-se para descanso. A avó guia as vacas para o interior do terreno ©Madelaine Ekserciyan
Corações são pintados com giz branco numa parede, no exterior de uma escola em Guymri, a segunda maior cidade da Arménia
Corações são pintados com giz branco numa parede, no exterior de uma escola em Guymri, a segunda maior cidade da Arménia ©Madelaine Ekserciyan
Um menino numa aula de ginástica. O objectivo é chegar ao topo o mais rapidamente possível
Um menino numa aula de ginástica. O objectivo é chegar ao topo o mais rapidamente possível ©Madelaine Ekserciyan
Rapazes jogam futebol nas ruas de Stepanakert, a capital de Arstakh
Rapazes jogam futebol nas ruas de Stepanakert, a capital de Arstakh ©Madelaine Ekserciyan
Dois meninos brincam no exterior da sua casa
Dois meninos brincam no exterior da sua casa ©Madelaine Ekserciyan
Criança do segundo ano pratica ginástica, em Bavra
Criança do segundo ano pratica ginástica, em Bavra ©Madelaine Ekserciyan