Tiago Macena quer brincar com as talhas e com enólogos estrangeiros

Que vinhos quer fazer um enólogo português que está muito próximo chegar ao título de Master of Wine? Seguem-se as respostas.

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Provámos com Tiago Macena os vinhos que o enólogo anda a fazer em diferentes regiões Rui Gaudêncio
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No Dão, provámos 15 vinhos com assinatura do enólogo português que está prestes a ter o título Master of Wine Rui Gaudêncio
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Tiago Macena entrou no radar dos apreciadores de vinho por ser o português com maior probabilidade de atingir, pela primeira vez, o tão desejado — e raro — estatuto de Master of Wine (ainda terá de defender com sucesso uma tese de final de curso). Para se chegar a Master of Wine (MW) é preciso estudar muito, trabalhar muito e ter uma memória prodigiosa porque só assim é que alguém consegue, perante 36 copos de vinhos de todo o mundo (exame prático), dissertar com coerência e lógica sobre os mesmos, não confundido um Cabernet Sauvignon de Bordéus com outro Cabernet da Califórnia.

Tiago é um enólogo com 40 anos e alguma experiência em grandes casas (Alorna, Global Wines, Adega Cooperativa de Cantanhede), mas não se pode dizer que seja um daqueles enólogos estrela, que existem em diferentes regiões. Isso deve-se ao facto de cultivar a discrição e, por outro lado, só ter assumido em 2017 as funções de enólogo principal em diferentes projectos, primeiro no Alentejo e depois no Douro, no Dão e, mais recentemente, na Península de Setúbal.

Fez por estes dias um ano que encontrámos Tiago Macena e Cláudio Martins (Martins Wine Adviser) numa pequena adega em Nelas, na primeira vindima do projecto que se chama No Rules Wines, que tem ainda como sócios António Martins e o filho António Manuel Martins, donos da Quinta de Jugais, produtores de bens alimentares variados e líderes nacionais na concepção e distribuição de cabazes a partir de Oliveira do Hospital.

Só o conceito No Rules Wines (Vinhos Sem Regras) já levantava a ponta do véu, mas o que queríamos mesmo era perceber o que vai na cabeça de um enólogo português que estuda os vinhos de todo o mundo. Vai ele marcar uma posição própria ou explorar os nossos terroirs de forma clássica? Estará apenas preocupado em seguir as regras de certificação em cada Denominação de Origem ou vai desafiar essas regras? Irá ele convidar outros colegas enólogos, de outras partes do mundo, que conheceu no âmbito dos estudos do Instituto dos Masters of Wine para fazerem vinhos? No fundo, vai jogar pelo seguro ou vai divertir-se? E resposta é — confirmamos isso por esses dias com uma prova de 15 vinhos —, sim, sim, vai divertir-se. À grande e com talhas de barro.

Do projecto do Dão, foram provados três vinhos que já estão no mercado e todos da colheita de 2022, pelo que consideravelmente jovens, mas indicando com clareza uma matriz contemporânea: preocupação de mostrar terroir ou vinhas de parcela, tecnologia de adega nos mínimos (nenhuma percepção de aromas de carvalho, baunilhas e afins, aleluia!), acidez consistente e álcool em valores baixos. No caso do Alentejo (Adega Marel, na Amareleja), aqui a liberdade parece não ter fim com o uso das talhas, por cortesia de David Morgado, responsável da empresa. Das talhas em si — por respeito às tradições —, mas também dos vinhos que combinam talhas, inox e cascos velhos de Jerez (as botas de amontillado). A colecção de experiências com barro é tal — aplicada também no Dão — que nos leva a perguntar se há uma fixação qualquer. Responde-nos o enólogo: “Não necessariamente, o barro é uma ferramenta tecnológica, como é a barrica de madeira, o inox ou o cimento, que agora está de regresso. Eu, como enólogo, só tenho é de saber usar as ferramentas que tenho à mão e testá-las de diferentes maneiras para vinhos que dão prazer. Só isso".

Estes são vinhos que merecem ser provados à mesa com diferentes amigos e que, no caso do Dão, provam que Cláudio Martins não é aquele fulano que só faz vinho para ricos.

Nome Código Origem 2022

Produtor No Rules Wines

Castas Encruzado, Bical, Malvasia Fina e Cercial

Região Dão

Grau alcoólico 12,9%

Preço (euros) 18 a 20

Pontuação 91

Autor Edgardo Pacheco

Notas de prova Lote clássico do Dão, destaca-se pela ligação entre as notas florais (tília) e cítricas, com algum fruto de caroço. Na boca, sensações cítricas mais doces e bom equilíbrio entre a acidez, álcool e volume.

Nome Código Granius 2022

Produtor No Rules Wines

Castas Malvasia Fina e Bical

Região Dão

Grau alcoólico 12%

Preço (euros) 18 a 20

Pontuação 93

Autor Edgardo Pacheco

Notas de prova Não é a primeira que vez provamos vinhos brancos tranquilos onde a Malvasia Fina aparece e que nos fazem lembrar um espumante sem bolhas, pelo carácter amanteigado (pastelaria) e mineral, com alguma nota de redutiva e boa acidez. Este é um grande branco, desafiante e guloso.

Nome Código Solstício 2022

Produtor No Rules Wines

Castas Jaen e Tinta Pinheira

Região Dão

Grau alcoólico 12,5%

Preço (euros) 18 a 20

Pontuação 94

Autor Edgardo Pacheco

Notas de prova Aqui abre-se caminho à polémica, mas, calma, não pela dictomia tola do convencional versus natural. Não. Quem for fã de vinhos com cor carregada, corpo, taninos pungentes e álcool (aquilo que Dirk Nieeport chama – e bem –de “vinhos pesadelo”), não vale a pena sequer tocar na garrafa. Quem gostar de um tinto de cor aberta – à Pinot –, com frutos vermelhos e aromas de lagar no nariz e uma boca que é um pingue-pongue entre taninos aveludados (o melhor do Dão) e uma certa sensação vegetal, pois esteja à vontade. O problema é parar de beber este tinto, que, ainda por cima, tem 12,2% de álcool. Perfeito, perfeito.

Nome Adega Marel Branco Ilustre 2022

Produtor Adega Marel

Castas Diagalves

Região Alentejo

Grau alcoólico 13%

Preço (euros) 14 a 16

Pontuação 95

Autor Edgardo Pacheco

Notas de prova Na Adega Marel existem dois vinhos de gama de entrada (Marel branco e tinto) que são bons exemplares de uma região para lá de quente, mas concentremo-nos nas tais brincadeiras que a família Morgado permite a Tiago Macena. Este Ilustre é um branco da casta Diagalves (dá para vinho e para uva de mesa) e é uma bela confusão aromática porque resulta de um lote feito entre talha clássico e estágio em cascos de Jerez, visto que Tiago é amigo do enólogo sevilhano Raul Moreno Yague e os dois andam a divertir-se com estas coisas. Resultado, temos um vinho com um perfil oxidativo, carácter exótico e notas florais e amargas. É daqueles vinhos que pode deixar uma mesa de amigos a discutir durante horas e com apostas pela sua origem, que nem um Master of Wine deve conseguir adivinhar.

Nome Adega Marel Manolito Branco 2021

Produtor Adega Marel

Castas Diagalves e outras castas

Região Alentejo

Grau alcoólico 12,5%

Preço (euros) 18 a 20

Pontuação 93

Autor Edgardo Pacheco

Notas de prova Temos um lote de vinho que fermentou em talha com outra parte que fermentou em inox, que serve para homenagear um tio avô de David Morgado. Temos maior peso do trabalho em barro – notas mais amargas – com mais exuberância aromática e primária do inox, com destaque para aromas de pastelaria. Bela acidez para um vinho da Amareleja.

Nome Adega Marel Tonico Branco 2021

Produtor Adega Marel

Castas Castas variadas

Região Alentejo

Grau alcoólico 12,5%

Preço (euros) 26 a 28

Pontuação 92

Autor Edgardo Pacheco

Notas de prova Aqui estamos perante um verdadeiro vinho de talha (e não da talha), feito com uvas de uma vinha velha com diferentes castas, pelo que temos notas de cascas, de engaço e de mosto, à mistura com o barro e o pez (mas sem excessos). Na boca, um vinho pungente, com raça e que muita felicidade dará aos fãs (nós incluídos, quando estamos numa roda de amigos no Alentejo). Tonico é avô de David Morgado.

Nome Adega Marel Branco Sin Fronteiras – El Resplendor

Produtor Adega Marel

Castas Rabo de Ovelha

Região Alentejo

Grau alcoólico 12%

Preço (euros) 26 a 28

Pontuação 94

Autor Edgardo Pacheco

Notas de prova Isto de se querer fazer coisas fora da caixa é bonito, mas depois explicá-las em poucas palavras é cá um sarilho. De maneira que é assim: Tiago Macena anda a descobrir a talha enquanto ferramenta e Raul Moreno Yague, amigo e sevilhano, não tem lá grande estima pelo barro. Vai daí, lembraram-se do seguinte: fermentar em talha só o mosto de Rabo de Ovelha (sem engaço e ao contrário da tradição), mas com um saco cheio de películas das uvas, à laia de infusão. Para quê? Para retirar parte do peso e do amargo do engaço, mas, ainda assim, transmitir alguns aromas e sabores primários da casta. Donde, aqui temos notas de toranja, uva passa e leveduras, com a boca mais seca. Desafiante.

Nome Adega Marel Manolito Tinto 2021

Produtor Adega Marel

Castas Moreto e Trincadeira

Região Alentejo

Grau alcoólico 13%

Preço (euros) 18 a 20

Pontuação 92

Autor Edgardo Pacheco

Notas de prova Aqui o Moreto fermentou na talha e a Trincadeira no inox, pelo que o resultado parece-nos um vinho alentejano da velha guarda, com pureza, com frutos vermelhos (Trincadeira), à mistura com notas de terra e cogumelos (Moreto) e notas vegetais. Um clássico.

Nome Tonico Tinto 2021

Produtor Adega Marel

Castas Moreto

Região Alentejo

Grau alcoólico 14%

Preço (euros) 18

Pontuação 92

Autor Edgardo Pacheco

Notas de prova Método conservador e controlado pela Comissão Vitivinícola Regional Alentejana, explora em modo varietal a casta Moreto, inusitadamente, com notas que são mais de frutos vermelhos e alguma erva aromática do que aquelas notas de terra e bosque. Boca bastante aveludada.

Nome Adega Marel Sin Fronteiras Tinto – Slate & Chalkl

Produtor Adega Marel

Castas Trincadeira e Tintilla (ou Tinta Miúda)

Região Alentejo (IVV)

Grau alcoólico 14%

Preço (euros) 28

Pontuação 94

Autor Edgardo Pacheco

Notas de prova A partir da tal parceria entre Tiago Macena e Raul Moreno Yague, no lado alentejano trabalhou-se a casta Trincadeira e, no lado espanhol, a Tintilla, também conhecida como Graciano e que por cá é a Tinta Miúda (neste momento em recuperação). Tinto ibérico com notas de rebuçado, de casca de ameixa e caruma, com uma boca balsâmica, vegetal e mineral. Slate está para granito como Chalk está para calcário. E Sin é espanhol e Fronteiras português. É mesmo assim.

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