Será perfumada a palavra “rosa”?
Nomear o que se vê e o que não se vê num livro que joga com as palavras e as imagens. Didáctico e de actividades.
A frase de Gertrude Stein “uma rosa é uma rosa é uma rosa” serve de pretexto para que se reflicta sobre o sentido das palavras e a sua relação com as imagens. “Há muitas coisas e, por isso, há muitos nomes. Ou seja, há muitas palavras (…) Por exemplo, uma rosa. (…) Mas será que a palavra ‘rosa’ é uma rosa? Não podemos oferecer a palavra ‘rosa’. A palavra ‘rosa’ não tem cheiro nem picos. A palavra ‘rosa’ não é uma rosa. Ou é?”
Outra frase, agora de René Magritte, “isto não é um cachimbo”, que acompanha o desenho de um cachimbo, ajuda neste exercício de descodificação de sentidos e de jogo entre palavras e imagens.
Antes de se chegar a esta parte do livro, que lhe dá o título, há uma tomada de consciência de “tanta coisa” de que o mundo é feito. “E quem diz coisas diz animais, plantas, astros e todas as partes dos animais, das plantas e dos astros e tudo o que se vê e não se vê.”
Ana Pessoa faz listagens (sobretudo) de substantivos, revelando coisas de que gosta: as que “giram e rodam” (carrossel, pião, relógio, bicicleta, etc.), as que “abrem e fecham” (janela, guarda-chuva, boca, etc.). Mas também de que não gosta, porque “picam e cortam”: cacto, caranguejo, ralador, x-acto, entre outras.
Sobre as “que vão e vêm”, lembra, por exemplo, o baloiço, o Verão, as andorinhas, o Sol e as ondas. E fala ainda de “coisas com coisas dentro”, para então nomear, entre elas, gaveta, romã, mexilhão, porta-moedas, grávida, canguru. Algures, entram os verbos correr, ladrar, dormir.
É um livro didáctico, que ajuda a identificar elementos de diferentes origens. Pode, portanto, ser desfrutado por (ainda) não leitores. E é também um livro de actividades, já que, nas páginas finais, se pede à criança que já domina a leitura e a escrita que escreva o seu nome, desenhe o contorno de uma das suas mãos e crie frases com palavras registadas num quadro amarelo.
Por último, convida-se o pequeno leitor a escolher um fim para o livro, mediante a escolha de uma destas palavras, “beleza”, “alegria”, “poesia”, “estrada”, “linguagem”, para completar a frase “a… não tem fim!”. Concluindo-se: “O fim não é o fim não é o fim não é o fim.”
Madalena Matoso é quem desenha os objectos, seres, conceitos, instrumentos, “sopas de letras” e tudo o mais que a autora do texto invoca. E outras coisas. Pelo que nas guardas iniciais e finais vamos encontrar um cravo, um livro, um leque, uma lanterna, uma teia de aranha, um gelado, uma abelha, uma estrela-do-mar e muito mais. “Tanta coisa!”
Os originais das ilustrações podem ser vistos na Casa da Cultura, em Setúbal, no âmbito da Festa da Ilustração — É Preciso Fazer Um Desenho?, que este ano tem como artistas contemporâneas convidadas Madalena Matoso e Martina Manyà.
A exposição estará naquele espaço até dia 26 de Novembro e mostra também as colagens para o livro Como Ver Coisas Invisíveis e os cartazes que Madalena Matoso tem vindo a criar, desde 2015, para a divulgação dos concertos da Sociedade Musical União Paredense.
Na inauguração, a 30 de Setembro, a ilustradora convidou os visitantes a abrirem os livros, justapostos à exposição e disponíveis para serem manuseados. “É interessante verem as diferenças entre o desenho original e o que está no livro”, disse. É habitual no seu trabalho as ilustrações originais, desenhos e colagens, sofrerem depois transformações digitais.
A ilustradora, fundadora da editora Planeta Tangerina com Bernardo P. Carvalho e Isabel Minhós Martins, já venceu por duas vezes o Prémio Nacional de Ilustração, em 2018 com o título Não É Nada Difícil, o Livro dos Labirintos e em 2008 com A Charada da Bicharada (texto de Alice Vieira).
Também ela já fez “tanta coisa”.