Apertem os cintos, os riscos desta aterragem são reais
Centeno falou sobre as estimativas do Banco de Portugal e quebrou o ciclo. Travou a fundo. Arrefeceu os ânimos. Não é caso para dizer que vem aí o diabo, mas as previsões não são animadoras.
Nos últimos meses, projecções económicas sucessivamente mais positivas do que as iniciais, crescimento efectivo acima do estimado e a certeza de um excedente orçamental foram criando a expectativa de que algumas aspirações dos portugueses — incluindo de aumentos salariais para compensar a elevada inflação — poderiam ter resposta positiva.
Nesta quarta-feira, Mário Centeno falou sobre as estimativas do Banco de Portugal (BdP) para a economia do país e quebrou o ciclo. Travou a fundo. Arrefeceu os ânimos. Não é caso para dizer que vem aí o diabo (a palavra de Centeno é “encruzilhada”), mas as previsões não são animadoras. Muito pelo contrário.
O governador do BdP fala agora em “grande desaceleração”, prevê uma “recuperação no mínimo desafiante” e diz que os “riscos da aterragem são reais”. Mais, deixa claro que, ainda que as taxas de juro possam ter atingido o pico, os efeitos das sucessivas subidas ainda não se sentem na totalidade. “O impacto e a materialização da política monetária é desfasada, demora tempo a acontecer. Vamos sofrendo o impacto faseadamente”, disse.
Vale a pena registar alguns números do Banco de Portugal: o crescimento do próximo ano já não será de 2,4%, mas de 1,5%; o consumo privado subirá apenas 1,3% em vez de 1,7%, e a procura externa crescerá 2% entre 2023 e 2025, o que representa o valor mais baixo dos ciclos económicos que temos enfrentado, incluindo o período da troika (2,8%) e o pré-pandémico (3,4%).
Mais, a reglobalização, a revisão em alta do preço do petróleo, o aumento dos custos de financiamento e uma dinâmica de crédito mais fraca colocam-nos num contexto económico a que Centeno chama “encruzilhada”. Já não é possível ignorar as nuvens negras, que até aqui eram apenas um cenário provável fruto da incerteza económica.
A poucos dias da entrega do Orçamento do Estado para 2024, o ex-ministro das Finanças do PS veio deixar alguns avisos à navegação.
O primeiro é dirigido aos governantes: é preciso antecipar cenários e tomar já decisões tendo em conta os sinais evidentes de desaceleração da economia.
O segundo é para os empresários (e também para o Governo): o mercado de trabalho tem funcionado como um dique que sustém a economia e é dele que depende o sucesso do ajustamento necessário — um erro na política salarial pode ser fatal. Temos "níveis de manutenção do emprego sem nenhum paralelo" que é responsabilidade de todos manter.
O terceiro é para todos nós: apertem os cintos, esta aterragem não vai ser suave.