Sensores nos cascos de vinho do Porto? Smartageing “lê” o vinho e envia mensagens aos enólogos

O Smartageing, em “ensaio de validação”, quer apoiar a decisão no envelhecimento de Portos brancos. Dados sobre cor, aroma, temperatura, oxigénio, PH, etc., vão para o telemóvel do enólogo.

Foto
A Vallegre entrou no projecto Smartageing por ter um interessante stock de vinhos do Porto brancos; na foto o seu Vista Alegre 50 Anos White Anna Costa
Ouça este artigo
00:00
05:38

Exclusivo Gostaria de Ouvir? Assine já

O Smartageing é um sistema de apoio à decisão para o envelhecimento de Portos brancos — para já, e por razões técnicas, apenas brancos. O projecto, apresentado quarta-feira em Vila Real, junta a Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), o Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores, Tecnologia e Ciência (INESC TEC) e as empresas WATGRID e Vallegre.

"A ideia deste sistema de apoio à decisão é nós conseguirmos, de forma completamente autónoma ou com mais intervenção do enólogo, ir sabendo de que forma é que o vinho do Porto está a envelhecer dentro dos cascos. E alertar para a necessidade de alterar o processo de envelhecimento, por exemplo, deixando de permitir a entrada de oxigénio ou movendo as pipas para uma zona mais fria das caves", explica o coordenador científico do projecto, Fernando Nunes.

Os objectivos do Smartageing, cuja fase seguinte será "um ensaio de validação" (próximos seis meses) são que "a informação seja enviada para o telemóvel" do decisor e, sobretudo, que os "vinhos do Porto tenham mais qualidade, de uma forma consistente", justifica o vice-director do mestrado em Engenharia Alimentar da UTAD. "Muitas vezes os enólogos dão consultoria em várias quintas, afastadas no território, e isto pode funcionar também como um sistema de alerta. Permite, igualmente, uma gestão muito melhor do seu tempo", detalha o especialista.

O sistema consiste num equipamento com vários sensores – temperatura, oxigénio, cor, pH e potencial de redução – que é colocado no interior do casco através do buraco do batoque. Para já, é assim, mas no futuro o aparelho que mede todas essas propriedades será "miniaturizado" e, uma vez produzido industrialmente, será "sem fios".

Com a evolução em madeira, e a oxigenação e consequente oxidação que esta matéria-prima porosa permite, e que no vinho do Porto são deliberadas, a cor deste tipo de vinho muda. No caso dos brancos, da cor limão dos vinhos brancos tranquilos para um aloirado que nos Portos brancos mais velhos se assemelha muito à cor dos tawnies (Portos que nascem de vinho tinto). A WATGRID, que desenvolve soluções para a digitalização de processos em indústrias relacionadas com líquidos e foi a proponente deste projecto, teve de criar um sensor novo e diferente de todos os que existirão no mercado, contornando problemas como a turvação do vinho e e a falta de luz dentro das pipas.

Foto
O sistema Smartageing ensaiado nas caves da Vallegre no Douro; actualmente os sensores são mergulhados nos cascos, no futuro equipamento será "sem fios". A botija de oxigénio, utilizada para manter níveis de oxigénio durante o ensaio, não é necessária no dia-a-dia Direitos Reservados

Também os investigadores da UTAD e do INESC TEC se têm focado sobretudo na cor, por toda a informação que esta encerra sobre a evolução do vinho do Porto. "A cor está dependente da temperatura e do oxigénio. O pH no vinho do Porto não se altera muito, mas convém ir medido. E o potencial redox tem que ver com a oxidação do vinho, e esse sim tem interesse", contextualiza Fernando Nunes.

A cor é então o "output" do sistema, que "também tem um autuador, desenvolvido na UTAD, que, dentro de limites normais [dentro da gama de temperaturas a que o vinho já é normalmente submetido], pode aquecer ou arrefecer, pelo menos 10 graus", o líquido dentro do casco.

No Douro, onde o parceiro Vallegre envelhece os seus vinhos do Porto, invernos muito frios podem "desacelerar o processo de envelhecimento". Sabendo que isso está a acontecer dentro dos casos, é possível agir, "aumentando a temperatura". "Muitas vezes também existe uma distribuição não homogénea, quer da temperatura, quer do oxigénio, dentro do barril e o Smartageing tem um sistema de hélices que promove uma movimentação lenta", partilha o docente da UTAD.

A Vallegre entra no projecto por ter um stock interessante de Portos brancos velhos, que não existe em muitas casas, permitindo assim contornar uma dificuldade técnica. "O vinho do Porto branco é uma matriz mais simples, porque não tem antocianinas. Durante o processo de envelhecimento do tawny [o "aloirado" que começa por ser vinho tinto] uma coisa que acontece é a polimerização das antocianinas e a sua precipitação. Forma-se um depósito que cairia em cima dos sensores."

Em estudos anteriores, a equipa do Smartageing verificara já que o envelhecimento do vinho do Porto é diferente, mesmo em cascos com a mesma capacidade (550 litros), conforma estes são mais ou menos usados, conforme a zona da cave onde se encontram (se é mais fria ou mais quente), conforme têm ou não outros cascos por cima,

"A temperatura acelera envelhecimento, mas também dissolve o oxigénio. [E é por causa das temperaturas mais elevadas que] os vinhos envelhecidos no Douro têm concentrações mais elevadas de sotolon" — a lactona que dá um aroma a "caramelo doce" e que aparece nos tawnies e nos brancos envelhecidos, nos Portos ruby não.

O projecto Smartageing começou há três anos e sofreu algum atraso devido à covid-19. Para além da pandemia, foi preciso fazer a caracterização dos parâmetros de qualidade do vinho do Porto branco, que se encontrava "muito mal caracterizado". Depois desse trabalho inicial, os investigadores estudaram "os principais factores que interferem no envelhecimento do vinho e também os teores metálicos no vinho – ferro e cobre, que vêm da uva". E porque estes são importantes? "Porque são catalisadores do processo de oxidação. Não é só ter oxigénio. Se retirarmos os teores metálicos, temos menos oxidação no vinho. Para além de saber que isso acontece, é saber quanto é que isso influencia o processo."

"Permite-nos, em primeiro lugar, prever. E, depois, saber o que podemos fazer na prática para que o envelhecimento corra bem. E no caso de queremos autonomizar, podemos fazê-lo. Se conseguirmos atenuar flutuações de temperatura e de oxigénio [dentro dos cascos], conseguimos um envelhecimento muito mais reprodutivo e uma qualidade final muito mais homogénea. Para vinhos fortificados, não conhecemos sistema semelhante."

O Smartageing é co-financiado pelo Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER), no âmbito do Portugal 2020, e o valor global do projecto é de 1,5 milhões de euros.

Sugerir correcção
Comentar