O Tribunal de Contas Europeu (TCE) está preocupado com o efeito — contrário ao desejado — das acções previstas pela União Europeia (UE) para os viticultores do Velho Continente, nomeadamente o apoio financeiro da Política Agrícola Comum (PAC) à reestruturação de vinhas. "Política europeia do vinho deixa um travo amargo" é o título sugestivo, e preciso, do comunicado do TCE que dá conta de um relatório publicado nesta segunda-feira em que o auditor externo da UE conclui que o actual "quadro político para aumentar a competitividade dos viticultores apresenta insuficiências", quer ao nível da sua "concepção", quer na sua aplicação prática, e "fica aquém dos objectivos ambientais da PAC”.
O sector vitivinícola da UE recebeu, nos últimos dez anos, cerca de 500 milhões de euros por ano para que os viticultores pudessem reestruturar as suas vinhas e tornar a sua actividade mais competitiva. A medida "representa mais de 5 mil milhões de euros [em apoios] entre 2014 e 2023". Nesse período, nunca foi auditada (a última auditoria era de 2012 “e o trabalho anterior do tribunal nunca abrangeu o regime de autorizações de plantação", refere o TCE).
Os Estados-membros também podiam "utilizar o apoio para melhorar os sistemas de produção sustentável e a pegada ambiental da viticultura", refere o relatório do TCE. Segundo este organismo, a aplicação dos fundos comunitários pelo sector deixou a desejar numa e noutra frente.
O Tribunal de Contas Europeu explica, logo no início do relatório, que "a materialidade da medida de reestruturação" ditou que se examinasse até que ponto esta iniciativa, mas também o regime de autorizações de plantação — desde 2016 que novas plantações estão sujeitas a pedido de autorização, Portugal distribui por ano 2000 novos hectares de área de vinha —, "ajudou a aumentar a competitividade dos viticultores e a sustentabilidade ambiental da produção de vinho". O TCE também olhou para "a concepção da medida" à luz dos "novos planos estratégicos da PAC, a fim de avaliar a sua ambição ambiental".
A conclusão é: a medida de apoio à reestruturação de vinhas "carece de definições adequadas, estratégias coerentes e indicadores relevantes".
Os auditores do TCE visitaram os Estados-membros que, no seu conjunto, distribuíram 70% dos apoios da medida — Itália (estiveram na Toscana), França (Vale do Ródano e Provença), Espanha (Castilla-La Mancha), Grécia (Peloponeso) e República Checa (Morávia) — e concluíram que os cinco países "financiaram todos os pedidos elegíveis e não utilizaram critérios para seleccionar projectos que promovessem a competitividade". Não só distribuíram fundos comunitários indiscriminadamente, como "financiaram projectos em que não era visível uma mudança estrutural".
E ninguém, "nem a Comissão nem os Estados-membros visitados" pelos auditores, avaliou "o contributo dos projectos [que estavam a ser apoiados] para o objectivo de competitividade". Os beneficiários dos apoios à reestruturação de vinha não estão obrigados a comunicar resultados.
O relatório do TCE é particularmente cáustico quando o tema é a "protecção ambiental". "Apesar do elevado volume de financiamento em causa", os cinco Estados-membros visitados "não avaliaram o impacto ambiental esperado dos programas de apoio nacionais e os objectivos estratégicos e metas que estabeleceram para a medida de reestruturação demonstraram pouca ambição em termos de sustentabilidade ambiental".
Na prática, sublinha aquele organismo, "os projectos não procuraram reduzir o impacto da viticultura no clima e/ou no ambiente". E, "em certas circunstâncias, podem mesmo [vir a] ter o efeito oposto", nomeadamente nos casos em que na reestruturação da vinha o viticultor optou por plantar "castas que necessitam de mais água e exigem a instalação de sistemas de irrigação".
Portugal, que não é citado no relatório, actualizou recentemente as regras para o território continental das intervenções "Reestruturação e conversão de vinhas (biológicas)" e "Reestruturação e conversão de vinhas" e justificou essa alteração às regras do VITIS também com o clima. Os beneficiários do apoio passam a ter mais tempo para executar os investimentos, por um lado, porque tem havido "uma grande adesão" à medida e, por outro, por considerar o Governo que assim ajuda os produtores a enfrentar as dificuldades decorrentes de uma situação de seca extrema, que, de ano para ano, se vai tornando cada vez mais frequente.
As limitações das novas autorizações
Sobre o regime de autorizações de plantação, em vigor desde 2016, é explicado no relatório do TCE que este "visa evitar o excesso de oferta limitando o aumento da superfície vitícola em 1% por ano" em toda a União Europeia. Ressalvando que o impacto de novas plantações foi avaliado apenas nos anos subsequentes à proposta e adopção daquele limite pelos co-legisladores, o TCE refere que, "ao concederem autorizações, os Estados-membros visitados utilizam apenas um número reduzido de critérios de elegibilidade e de prioridade ligados à competitividade". E, acrescentam os auditores, "as autorizações são muitas vezes distribuídas pro rata".
"Os beneficiários obtêm superfícies muito pequenas, o que os impede de fazer planos e pode prejudicar o objectivo de competitividade." Assim é em Portugal, em que algumas regiões estão praticamente fechadas a novas plantações (a área autorizada é muito reduzida), como o Douro, e outras podem plantar mais 8% de área de vinha, como sucede com o Algarve, que nos próximos três anos (período para a execução das autorizações) está autorizado a plantar 115 hectares de vinha nova. Com uma área total de vinha de 1400 hectares, o Algarve foi uma das regiões que, proporcionalmente, viram ser-lhes alocados mais direitos de plantação na última atribuição, conhecida em Junho.
O Tribunal de Contas Europeu sugere as mudanças óbvias — "orientar a medida de reestruturação e o regime de autorizações de plantação de forma a promover a competitividade" e a "aumentar a ambição ambiental da política vitivinícola" — e deixa um alerta à navegação: "A ambição ambiental continua a ser reduzida no período de programação de 2023-2027."
Nos próximos cinco anos, os Estados-membros da UE terão de "destinar apenas um mínimo de 5% da dotação do sector vitivinícola a objectivos climáticos e ambientais", quando, lembram os auditores do TCE, "no contexto de uma política agrícola comum mais ecológica, 40% das suas despesas esperadas devem visar objectivos relacionados com o clima".
A UE é o principal produtor, consumidor e exportador de vinho a nível mundial. Em 2021, os países da União representavam 46% das áreas vitivinícolas mundiais, 59% da produção, 48% do consumo e 67% das exportações. A Denominação de Origem Protegida (DOP) e a Indicação Geográfica Protegida (IGP) — os dois principais regimes de qualidade europeus — cobrem mais de 80% da área cultivada com vinha. É essa relevância que explica a atenção dada ao sector vitivinícola europeu no âmbito da Política Agrícola Comum.