E já vão 14 anos sem fumar (ou quase)

E independentemente de já contar 14 anos sem fumar, ou quase, o risco ainda presente e bem presente de contrair um cancro, risco esse quase seis vezes superior à de um não fumador.

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Aterrar no aeroporto de Lisboa cheira a tabaco. Basta sair do terminal um para sermos acolhidos por um abraço de sal e nicotina: o sal do mar e a nicotina à espera lá fora a caminho dos táxis e demais transportes públicos.

É preciso tapar o nariz, suster a respiração e apressar o passo enquanto se rompe a cortina de fumo e, de imediato, os cabelos e a roupa estampados a tabaco para o resto do dia ou o tempo de chegar a casa e enchermo-nos de banho. É compulsivo. É legal. É mortal.

Deixei de fumar há 14 anos, ou quase. Novembro de 2009 e já me esqueci do dia. Não obstante, ainda hoje não passa um dia sem pensar em tabaco. E ainda hoje, volta não volta, sonho estar a fumar e acordo repleto de dúvida e culpa: fumei ou não fumei? Mas se foi só um cigarro não faz mal? E só então concluir ser apenas um sonho. Ou pesadelo.

A sensação, no entanto, persiste no peito e nos lábios mais o fumo exalado da garganta como se a alma nos saísse do corpo. E sai. Independentemente de já contar 14 anos sem fumar, ou quase, o risco ainda presente e bem presente de contrair um cancro, risco esse quase seis vezes superior à de um não fumador. E ao fim de 25 anos sem fumar ainda quatro vezes superior.

Conclusão: o pior é começar. Aos 17 anos de idade era apenas um cigarro entre amigos. No dia a seguir corria 10 quilómetros e passava. Ou não. E depois dois cigarros entre os amigos, um cigarro sozinho apenas porque sim, por me apetecer, as saídas à noite, um cigarro depois da refeição e outro ao acordar e quando dou por mim há sempre uma razão para fumar.

Há sempre uma razão para fumar e o maço com vida própria a ditar as horas e os dias, as rotinas e hábitos, os bons e maus momentos e a vida num todo. Se pudesse, estaria sempre a fumar e há sempre uma desculpa para fumar. Neste contexto, não há, nem pode haver, uma razão para deixar de fumar.

Nem podia ser de outra forma quando a “inocente” nicotina partilha o pódio com a cocaína e a heroína, deste modo explicando o titânico desafio de deixar de fumar.

Fumar significou, no meu caso, sofrer de disfunção eréctil — duas vezes mais provável entre fumadores com mais de 20 anos — ou não fosse a nicotina um vasoconstritor. É simples e é química. O pior é mesmo começar.

E não, não se fala de disfunção eréctil, ninguém sabe nada de disfunção eréctil e eu não quero saber nem ser o motivo de gozo de familiares, amigos e vizinhos e até hoje sem a vontade ou a coragem para falar numa sociedade ainda e sempre patriarcal, cis, branca, viril e misógina e tudo por fazer quando se pisa o igual em função da sua incapacidade, insegurança e inferioridade.

E apesar de, volvidos 14 anos, ou quase, ainda pensar em cigarros todos os dias, é a mesma disfunção ou a sua ínfima possibilidade o grande motivador para não voltar a fumar: basta pensar um pouco ou o tal vislumbre da memória e a vontade passa de imediato. É como se nunca tivesse acontecido.

Em Portugal cerca de 14.1% da população fuma, ou seja, quase 1.5 milhões de pessoas e em Portugal todos conhecemos alguém que fuma. Cerca de 13 mil óbitos anuais por doenças relacionadas com o consumo de tabaco. E apesar da vida mais curta, um em cada sete portugueses fuma.

É preciso querer, é psicológico e aditivo e sem querer, sem vontade, é uma batalha perdida. Aquando da licenciatura em Enfermagem e em contexto de saúde comunitária defendíamos o princípio de, em cada 100 fumadores, pelo menos um ia deixar de fumar, bastando para tal abordar o assunto.

Ou escrever. O Dia Europeu do Ex-Fumador assinala-se a 26 de Setembro. Não se comemora nem celebra, antes repete-se todos os dias, um dia de cada vez, um mês de cada vez e um ano de cada vez e já lá vão 14 anos, ou quase.

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