Não, as alterações climáticas não são uma invenção dos chineses
Educadores mais informados terão de alertar as nossas crianças, logo desde a idade pré-escolar, para a situação de não retorno que já atingimos.
Ao longo dos últimos meses, testemunhámos os efeitos reais, convincentes, do que são as alterações climáticas, que vêm acontecendo, sob uma forma ou outra, por todo o Planeta.
Vivemos o verão mais quente e seco de que temos memória — os registos meteorológicos confirmam essa observação no hemisfério norte — e assistimos às consequências devastadoras dos fogos ocorridos na Grécia, ao mesmo tempo que tivemos notícia de outros fenómenos climáticos extremos, como inundações desastrosas originadas por chuvas torrenciais no leste da Europa, na China e na Índia.
Não há como negar que enfrentamos uma situação de emergência climática, não há como aceitar nem os negacionismos (convicções pessoais sem a mínima base científica) nem os argumentos daqueles que nos pretendem convencer que, para preservar a economia e os postos de trabalho, deveríamos adiar as medidas visando a descarbonização (se países como a China ou a Federação Russa não o fazem, porque haverá a Europa de se adiantar?), como o encerramento das centrais elétricas a carvão.
O populista Donald Trump, líder norte-americano de má memória, que os republicanos (e não só os negacionistas e os supremacistas brancos) insistem em manter como o seu candidato preferido às próximas eleições presidenciais nos Estados Unidos, proclamou logo no início do seu mandato que as alterações climáticas eram “uma farsa”, “uma invenção da China” para prejudicar a economia americana.
Trump chegou a ridicularizar a comunidade científica internacional negando a relação causa/efeito entre a emissão de gases de efeito estufa (GEE) e a tendência de aquecimento global, ao afirmar que era uma clara contradição falar-se em aquecimento global quando a América estava a enfrentar um frio terrível!
Por isso, prometeu à sua base de apoio e cumpriu: durante o seu mandato à frente da Casa Branca, Trump suspendeu a adesão dos EUA ao Acordo de Paris e colocou à frente da Agência de Proteção Ambiental (EPA) um cético das alterações climáticas e velho aliado das indústrias petrolíferas.
Quando o secretário-geral das Nações Unidas, o nosso compatriota António Guterres, dramatiza — “Estamos numa estrada para o inferno climático e com o pé no acelerador”, (como o fez na Cimeira do Clima, a COP 27, em novembro de 2022, no Egito), não o faz para ganhar protagonismo ou para nos assustar, mas antes para que tenhamos uma consciência real, nas nossas decisões, nos nossos comportamentos, que, como sublinha Guterres, “estamos a travar a luta das nossas vidas e estamos a perder…”.
Na realidade, apesar das boas intenções de muitos líderes internacionais e da narrativa politicamente correta que ouvimos todos os dias, as emissões de GEE continuam a aumentar e a temperatura global a subir. E os desastres climáticos serão cada vez mais frequentes e cada vez mais intensos.
A mudança climática não é, de facto, uma invenção dos chineses. Ela está a acontecer, irá agravar-se e constituir o nosso maior pesadelo.
Quer dizer, então, que o desígnio da transição energética não será uma resposta eficaz para repor a temperatura na linha de base pré-industrial? E que estamos perante ameaças cada vez mais sérias de seca severa e de incêndios florestais, mas também de degelo, de subida do nível do mar, de inundações, de migrações de refugiados climáticos?
Quero crer que as soluções têm de passar por todos nós, pelas nossas escolhas políticas, pelo nosso ativismo ambiental e social, pelo nosso estilo de vida, seja no combate à mudança climática, seja na defesa da biodiversidade, seja na busca de um modelo económico global mais sustentável e equitativo, como apontam os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas.
O naturalista David Attenborough publicou, em 2020, um livro muito interessante — Uma Vida no Nosso Planeta, editado entre nós pelo Círculo de Leitores —, em que transmite o seu testemunho e a sua visão do futuro. É uma obra notável, numa escrita simples e comunicativa, muito agradável de ler, que recomendo a todos.
Attenborough foca a questão da biodiversidade nos seguintes termos: “O declínio em espiral da biodiversidade no planeta é a verdadeira tragédia do nosso tempo.”
E o que poderemos fazer para proteger os ecossistemas, isto é, todas as formas de vida que descobrimos conjugadas com os fatores ambientais de uma determinada área, sejam animais, plantas ou microrganismos?
Ignorar ou demitirmo-nos da nossa quota-parte de responsabilidade será a pior das atitudes.
Temos, sim, de escutar mais a natureza e de conhecer melhor o pensamento científico e as formas da vida no Planeta.
Temos de nos comprometer com um modelo económico e um modo de vida diferentes, mais equilibrados e justos, em que as fontes de energia renováveis substituam as de origem fóssil.
Temos de adotar novos hábitos na mobilidade, no consumo dos recursos naturais, na produção e gestão da energia, mas também na forma como nos alimentamos, nos vestimos e consumimos.
Temos de começar a mudar já, mesmo sabendo que não teremos tempo de vida suficiente para fazer inversão de marcha na tal estrada para o inferno climático, que Guterres aponta no mapa.
Temos, por isso, de passar o testemunho às gerações mais jovens, preocupando-nos com uma educação voltada para a responsabilidade cívica e para a sustentabilidade.
Educadores mais informados terão de alertar as nossas crianças, logo desde a idade pré-escolar, para a situação de não retorno que já atingimos e que baixar a temperatura global será condição da sobrevivência humana e da vida de milhões de espécies que compõem os nossos ecossistemas.
Só os nossos netos e os filhos dos nossos netos terão o esclarecimento, a coragem, a determinação e o ativismo de que a comunidade internacional necessita para não se iludir com soluções populistas, que sempre escondem a privação de liberdades e o autoritarismo, e exigir modelos de produção e distribuição ambientalmente equilibrados e socialmente justos.
A Escola, enquanto espaço privilegiado de aprendizagem, deve investir num conjunto de ensinamentos focados nas questões da mudança climática, trabalhar estas questões e assumir consciência do papel indispensável que tem a desempenhar neste combate como agente e como veículo multiplicador de práticas sustentáveis.
A autora escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990