O toque de Midas na falta de professores: e se lhes pagássemos mais?

Faltam professores: quase 40% dos docentes vão reformar-se até 2030 e a substituição geracional tem-se revelado um desafio.

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A evidência empírica é claríssima a demonstrar que os professores são o elemento mais importante das escolas para melhorar os resultados dos alunos DR/Taylor Flowe via Unsplash
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Nas discussões sobre o assunto, esgrimem-se soluções simples capazes de resolver facilmente todos os males. Quero hoje falar de uma ideia cujo modelo teórico é aparentemente simples: se não há professores suficientes, paguem-lhes mais que eles aparecem! Uma espécie de toque de Midas, figura da mitologia clássica que desejou transformar tudo o que tocava em ouro. Mas, se é assim tão fácil, porque não o fazemos?

Há vários desafios e oportunidades a considerar.

O primeiro desafio é orçamental. De facto, a massa salarial dos professores tem um peso elevado nos orçamentos do Estado. Do meu ponto de vista, contudo, é evidente e inequívoco que os professores podem, e devem, ser mais bem remunerados.

A evidência empírica é claríssima a demonstrar que os professores são o elemento mais importante das escolas para melhorar os resultados dos alunos, sobretudo os de contextos socioeconómicos desfavorecidos. Além disso, estes resultados não se medem “apenas” nas notas. Os professores têm enorme valor acrescentado do ponto de vista social e económico: ter acesso a um professor eficaz aumenta a probabilidade de os alunos seguirem para o ensino superior e de receberem ordenados mais altos na idade adulta, combatendo assim a pobreza, a desigualdade e, no limite, gerando mais crescimento económico para o país. Dada a importância dos professores no desenvolvimento do país e no futuro das nossas crianças, a minha preferência seria tornar esta uma das profissões mais bem remuneradas do setor público.

Porém, admito que o Orçamento do Estado não é infinito e exige escolhas difíceis de fazer, o que me leva ao segundo desafio: garantir um certo equilíbrio com outros setores da função pública que também têm exigências e expectativas salariais. Politicamente, não é fácil anunciar o aumento do salário dos professores e deixar inalterados os rendimentos de médicos, enfermeiros ou polícias.

Mesmo assumindo, como eu gostaria, que conseguíamos libertar fundos para financiar de maneira significativamente melhor o corpo docente, há ainda uma terceira dificuldade: desvendar a melhor maneira de investir esses recursos e as consequências que teriam a curto, médio e longo prazo.

Um relatório recente da Education Endowment Foundation, uma das mais prestigiadas instituições inglesas na área da educação, analisou estudos empíricos de diferentes países quanto ao impacto dos incentivos financeiros tanto no recrutamento inicial como na retenção de professores nos quadros. A distinção entre um e outro pode ser importante: temos um problema de recrutamento quando poucas pessoas entram na profissão — como acontece em Portugal ou tendencialmente no Canadá.

Caso diferente é o de Inglaterra, onde habitualmente se recrutam bastantes professores (ainda que, com a pandemia, a situação se tenha alterado), mas existe sobretudo um problema de retenção: muitos professores deixam de ensinar e, ao fim de poucos anos, rumam a outras carreiras. Alguns países como a Austrália ou os Estados Unidos parecem padecer de ambos os males em simultâneo.

Em traços largos, as diferentes experiências nacionais mostram que os incentivos financeiros parecem ser mais eficazes no recrutamento do que na retenção de professores. Isto acontece em parte porque, muitas vezes, aumentar os rendimentos tem grande impacto no início da vida profissional, mas o efeito vai-se diluindo à medida que os professores recebem aumentos salariais por progressão na carreira. A questão pode ser especialmente relevante no caso português, que, de acordo com os dados da rede europeia Eurydice, é um dos países da Europa com maior discrepância entre o salário inicial e o salário do topo da carreira, e dos únicos onde o salário inicial real dos professores diminuiu entre 2014/2015 e 2020/2021.

Assim, a segunda conclusão a retirar da experiência de outros países é a de que estes incentivos parecem úteis para resolver o problema da falta de professores a curto e médio prazo, mas menos relevantes a longo prazo. Além disso, os incentivos financeiros também vão perdendo competitividade relativamente a empregos de áreas fora do sistema de ensino conforme os professores vão progredindo na carreira. Isto parece particularmente óbvio no caso de professores com diplomas de áreas nas quais o mercado de trabalho oferece remunerações muito altas: por exemplo, na Informática, na Físico-Química ou na Matemática, é difícil competir com empresas do setor privado que procuram profissionais qualificados.

Isto leva-nos a uma das vantagens mais promissoras dos incentivos — precisamente a de corrigir assimetrias que possam existir, pagando mais a professores onde for mais difícil recrutá-los. Isto é muito importante porque a falta de professores não é igual em todas as zonas do país, nem em todas as disciplinas ou ciclos de ensino. Por exemplo, as projeções da Direção-Geral de Estatísticas de Educação e Ciência apontam para maior escassez de professores no Norte e em Lisboa.

Infelizmente, nem tudo são rosas. Usar incentivos financeiros para colmatar estas falhas traz às escolas dificuldades de implementação política semelhantes às aplicáveis aos salários da função pública, ou seja, justificar que dois trabalhadores com as mesmas qualificações e carga horária recebem salários diferentes. Na prática, implica, por exemplo, ter professores de Matemática com rendimentos superiores aos de Geografia, o que pode trazer problemas de gestão no atual modelo de contratação dos professores.

Mas talvez seja mesmo necessário. De facto, em 2021, de acordo com o Conselho Nacional de Educação, apenas três novos professores de Físico-Química e 21 de Matemática concluíram a formação necessária para se tornarem docentes.

É aqui que voltamos a esbarrar no facto, óbvio, de a atratividade da profissão não ser problema isolado. De nada serve tentar atrair pessoas pelo salário se tivermos um sistema de formação de professores demasiado restrito e que dificilmente terá sequer capacidade de dar qualificações aos cerca de 35 mil professores que vão faltar nos próximos anos — assunto sobre o qual tive já oportunidade de refletir num artigo anterior da Iniciativa Educação.

Portanto, mais há a fazer para chamar as pessoas a esta profissão tão importante, não só no domínio da colocação de professores, mas também no das condições de trabalho. Basta pensar nos desafios da precariedade, da burocracia, da falta de formação contínua e da enorme pressão que o atual modelo exerce sobre os professores: de acordo com os dados do Teaching and Learning International Survey (TALIS), Portugal é provavelmente o país da Europa onde os professores mais sofrem de stresse — 9 em cada 10 professores reportam níveis altos de stresse.

Apesar de não serem uma solução mágica para todos os males, os incentivos financeiros serão uma resposta importante e necessária, pelo menos e médio e curto prazo. Contudo, na história do rei Midas, o seu desejo revelou-se desastroso quando, ao aperceber-se de que até a comida em que tocava se transformava em ouro, passou fome. De igual forma, se ignorarmos os outros desafios que os professores enfrentam, não é apenas com um toque de Midas que resolvemos os problemas desta profissão e, assim, o futuro do nosso país.

Artigo em parceria com Teresa e Alexandre Soares dos SantosIniciativa Educação.


As opiniões expressas neste artigo são exclusivamente do autor e não refletem os princípios ou posições das organizações às quais está associado. O autor é funcionário de uma organização sem fins lucrativos especializada em desigualdades no sistema de ensino e acreditada para dar formação inicial e contínua a professores em Inglaterra. O autor escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990

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