Zelensky acusa ONU de estar “num beco sem saída” por deixar “o poder de veto nas mãos do agressor”

Presidente ucraniano esteve no Conselho de Segurança mas não se cruzou com Serguei Lavrov, para quem o veto “é uma ferramenta legítima”.

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Volodymyr Zelensky esteve pela primeira vez num Conselho de Segurança presencialmente JUSTIN LANE/EPA
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A dúvida pairava desde o arranque dos trabalhos da Assembleia Geral das Nações Unidas, na terça-feira, mas desfez-se ainda antes de a reunião começar: o ministro russo dos Negócios Estrangeiros não esteve no Conselho de Segurança a ouvir o Presidente ucraniano no primeiro discurso presencial de Volodymyr Zelensky perante o órgão mais importante da ONU. Serguei Lavrov apareceria mais tarde, já Zelensky se tinha ido embora, para repetir o argumento russo de que é o Ocidente que está a violar a lei internacional.

Numa reunião que tinha como tema “defender os objectivos e princípios da Carta das Nações Unidas”, Zelensky reafirmou a exigência de “retirada de todas as forças russas” da Ucrânia e a “recuperação do controlo” de todo o país de acordo com as fronteiras internacionalmente reconhecidas.

Mas a sua principal mensagem ao organismo de 15 países, dos quais cinco permanentes e dez rotativos, foi a de que este sistema de governação mundial não está a funcionar. “Temos de reconhecer que a ONU se encontra num beco sem saída. A Humanidade já não coloca a sua esperança na ONU quando se trata de defender as fronteiras soberanas das nações”, afirmou Zelensky, acrescentando que deixar “o poder de veto nas mãos do agressor foi o que levou a ONU a um beco sem saída”.

Os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança – China, França, Rússia, Reino Unido e Estados Unidos – têm poder de veto sobre qualquer resolução apresentada a votos naquele órgão, o que inviabiliza uma condenação à invasão russa da Ucrânia.

Para Zelensky, é tempo de mudar esse estado de coisas. “A longa discussão sobre projectos para reformar as Nações Unidas tem de traduzir-se num processo viável de reforma”, disse o Presidente ucraniano, propondo que a Assembleia Geral, onde têm assento todos os países do mundo, “deve obter o poder de reverter um veto” no Conselho de Segurança.

A ideia não é nova e voltou a terreiro precisamente por causa da guerra na Ucrânia, que muitos diplomatas e académicos acreditam ser o pretexto ideal para uma reforma de fundo da ONU.

Serguei Lavrov não concorda. O ministro russo, que discursou no Conselho cerca de duas horas depois de Zelensky, argumentou que se trata de “uma ferramenta legítima”, sobretudo num contexto em que, acusou, o Ocidente age no mundo com “um complexo de superioridade”.

Em contraponto ao que afirmaram durante a reunião outros membros do Conselho e o secretário-geral da ONU, para quem a invasão russa da Ucrânia é uma “clara violação da Carta das Nações Unidas e da lei internacional”, Lavrov acusou “os Estados Unidos e os seus aliados” de serem eles os principais desrespeitadores das normas. Na Ucrânia, afirmou, “o princípio da não-intervenção em assuntos internos foi repetidamente violado”, assim como “o princípio da autodeterminação dos povos”.

Numa resenha histórica da perspectiva russa sobre as revoluções ucranianas de 2004 e 2014 e dos acordos de Minsk, Lavrov afirmou que “o Ocidente tem encorajado uma política anti-russa do regime de Kiev” e acusou Estados Unidos e União Europeia de darem cobertura a nazis – uma alegação que a Rússia tem usado repetidamente para justificar a invasão da Ucrânia.

No seu discurso, Zelensky defendeu outra ideia de que se fala recorrentemente: a inclusão permanente da União Africana, do Japão, da Índia, do “mundo islâmico”, da Alemanha e da América Latina no Conselho de Segurança.

Antes mesmo de qualquer troca de argumentos sobre a questão de fundo, a reunião começou com um diálogo aceso entre o embaixador russo junto da ONU e o primeiro-ministro da Albânia, país que este mês preside ao Conselho de Segurança. Vassili Nbenzia quis saber porque é que Zelensky falaria antes dos membros daquele órgão e Edi Rama respondeu que existem muitos precedentes e que não se tratava de “uma operação especial da presidência albanesa”. Nbenzia contestou que fosse essa a norma e Rama replicou: “Vinda de si, esta conversa sobre violação de regras é bastante impressionante”. O albanês propôs então uma solução: “Vocês param a guerra e o Presidente Zelensky não fala.”

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