Como as bibliotecas e as formações ajudam a melhorar a escola

Na sala de aula, o centro da aprendizagem é o professor. Na biblioteca escolar, são os alunos. Levem-nos até lá. “Resulta”, dizem os professores. Sejam bibliotecários ou não.

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As bibliotecas escolares dão autonomia de aprendizagem aos alunos Nelson Garrido
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Ir até à biblioteca escolar com uma turma não é fácil e dá trabalho ao professor, mas vale a pena. “É uma oportunidade porque implica o professor no afastamento do manual único e numa aprendizagem multifacetada, que é mais interessante para o aluno e mais exigente para o professor”, diz ao PÚBLICO José Saro, coordenador interconcelhio das bibliotecas escolares dos concelhos entre Pombal e Esmoriz.

A conversa decorreu durante o Festival Literário de Ovar, entre sessões de apresentação de projectos apoiados pela Rede de Bibliotecas Escolares. Concretamente, o Letras & Imagens (LI), que obteve equipamentos que permitiram criar, para já, duas curtas-metragens de animação. A terceira está em finalização.

Alunos do 2.º ciclo da EB Monsenhor Miguel de Oliveira — Agrupamento de Escolas de Ovar Sul realizaram os filmes a partir das obras O Tesouro, de Manuel António Pina, e A Árvore Generosa, de Shel Silverstein, sob a orientação de professores.

A primeira curta-metragem tem por título O Resgate da Cor e foi realizada pelos alunos do 6.ºA. “É um projecto que alia o estudo da obra de Manuel António Pina, a sua descodificação de forma clássica: análise do texto, as suas personagens, o espaço, tudo aquilo que nós classicamente sabemos como é analisar uma obra, mas depois transformá-la, do ponto de vista metafórico e poético, num filme de animação”, descreve o professor de ensino secundário e superior.

Esta envolvência dos alunos faz com que “não só aprendam a manusear formas, objectos e sons, mas também aprendam O Tesouro de uma forma natural”.

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José Saro, à direita, coordenador interconcelhio de bibliotecas escolares, com Carlos Nuno Granja, organizador do Festival Literário de Ovar DR

Quando o Letras & Imagens se candidatou à Rede de Bibliotecas Nacional, foi-lhe atribuída uma verba, não para comprar livros, mas para comprar câmaras de filmar, mesa de mistura e outros materiais. “Isso traz à escola um conjunto de equipamentos que permite fazer outros projectos, partindo sempre de uma obra ilterária e deste pressuposto: há todo um conhecimento na literatura e a literatura tem conhecimento”, diz José Saro. E concretiza: “Ao estudarem O Tesouro, há uma envolvência histórica relativamente ao 25 de Abril. Ao estudarem A Árvore Generosa, há uma envolvência ecológica de protecção ambiental e até intergeracional. Porque esta obra é fantástica para ver o avançar das gerações.”

Laços de Amizade foi o título escolhido pelos alunos do 6.ºB, que o realizaram, para o trabalho sobre A Árvore Generosa. A primeira exibição pública (antestreia) fez-se no dia 16 de Setembro, integrada na programação do Festival Literário de Ovar. A equipa coordenadora destes projectos é constituída por João Católico (profissional especializado em animação), Bruno Marques da Silva (coordenador do Plano Nacional de Cinema) e Maria João Cartaxo (professora bibliotecária).

“Estas actividades melhoram a escola”, acredita o coordenador de bibliotecas escolares. A relação feliz entre professores e alunos envolvidos foi bem visível na apresentação de O Resgate das Cores. O professor João Católico, que desafiou alguns dos jovens realizadores da curta-metragem a ir “ao palco”, apresentou-os como “ex-alunos, mas não ex-amigos”.

Apesar do embaraço e timidez dos miúdos em responder-lhe a algumas perguntas sobre o processo criativo da curta-metragem, foi nítida a simpatia e empatia entre professor e alunos (à volta dos 12 anos). O que se traduziu até num momento divertido e comovente para a audiência presente na Escola de Artes e Ofícios. “A escola precisa destas dinâmicas positivas. E a biblioteca é o lugar ideal para que se proporcionem”, diz José Saro.

Uma terceira curta-metragem tem a sua antestreia agendada para Outubro, no âmbito da comemoração do Dia Internacional do Cinema de Animação. “Intitulada Cada Um com os Seus Sonhos, é uma adaptação da obra Eu Vou Ser, de José Jorge Letria, realizada pelos alunos do 6.º C”, informa, via email, Maria João Cartaxo.

Durante o ano lectivo que agora se iniciou, “é intenção da equipa de coordenação, em articulação com a direcção do Agrupamento de Escolas de Ovar Sul, alargar o LI – Letras & Imagens a outros anos de escolaridade e às restantes escolas do agrupamento”, diz a professora de Português que apresentou a candidatura do LI no âmbito do projecto Biblioteca Digital.

Bibliotecas são espaços de liberdade

Maria João Cartaxo, que vê a biblioteca escolar como “uma estrutura de orientação educativa determinante na comunidade escolar”, faz saber que “O Resgate da Cor concorreu a vários festivais de cinema, nacionais e internacionais, tendo já obtido várias nomeações, uma delas para o Cinanima, e uma menção especial, em Julho, no Avanca Film Festival”. Já está traduzido para francês, inglês e castelhano.

“Há uma curiosidade grande pela nossa revolução, por ter sido pacífica”, diz o professor José Saro. E acrescenta: “Como vamos celebrar os 50 anos do 25 de Abril em 2024, o projecto vai à comissão das comemorações para tentar que seja exibido em várias escolas, replicando esta ideia.”

Argumenta: “As bibliotecas são espaços de liberdade, informação e podem ser espaços de conhecimento. Permitem aos alunos leituras e aprendizagens não formais. Podem desconstruir as aulas, o formalismo e podem ser espaços lúdicos de autonomia de aprendizagem.”

Para quem ensina, as bibliotecas escolares têm muitas virtudes: “Podem ser úteis aos professores para interagir o manancial de informação que existe, quer em formato livro quer noutros tipos de formatos, enriquecer os conhecimentos e serem uma extensão da sala de aula.”

Isto porque a “sala de aula é mais fechada, mais hermética e mais centrada no actor que é o professor”. Já as bibliotecas, diz, “permitem que o centro das aprendizagens sejam os alunos, o grupo, o trabalho colaborativo, a turma”.

Por isso é que é exigente para o professor ir à biblioteca com uma turma: “Implica aplicar uma estratégia diferenciada de aprendizagem: dividir tarefas, organizar grupos.” José Saro acredita: “Essa é a dificuldade e é a vantagem.” Daí que ministre formações a docentes em vários festivais literários. Além do de Ovar, colabora com os Caminhos de Leitura (Pombal) e com o Folio (Óbidos).

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O Festival Literário de Ovar aposta nas actividades com crianças. Aqui, com Margarida Botelho DR

Valoriza bastante este Letras & Imagens, “em que são mesmo os alunos que fazem os projectos”. Os professores não se substituem às crianças, “por isso é que, no filme, as figuras não são perfeitas”.

Dizendo que é “apenas mediador”, conclui: “Há um grande envolvimento dos alunos no produto final, com cultura, com história e partindo sempre da literatura. Ou seja, o serviço das bibliotecas na formação de cidadãos.”

O PÚBLICO esteve em Ovar a convite do festival.

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