Não podemos ignorar nem fazer de conta que o suicídio não existe

Este é um fenómeno que não escolhe classes, género, idade ou região geográfica, constituindo-se uma prioridade de saúde pública que exige mais investimento na área da saúde mental e da prevenção.

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Perguntar diretamente sobre pensamentos de morte e se tem um plano suicida não incentiva nem precipita o comportamento suicida´rio, pelo contrário @petercalheiros
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Setembro amarelo é uma campanha que marca a necessidade de chamar atenção para a prevenção do suicídio, ao mesmo tempo que o torna mais visível. Mais especificamente, o dia 10 de setembro foi definido pela Associação Internacional para a Prevenção do Suicídio em conjunto com a Organização Mundial da Saúde (OMS), como o Dia Mundial da Prevenção do Suicídio.

Segundo dados da OMS, mais de 700 mil pessoas põem termo à vida anualmente, em todo o mundo, sendo o suicídio a segunda causa de morte entre os jovens com idades compreendidas entre os 15 e os 34 anos. Em Portugal, cerca de três pessoas põem termo à vida a cada dia. As taxas globais de suicídio podem variar entre países, regiões e entre sexos, sendo mais elevada nos homens.

Sabemos que cada suicídio afeta profundamente muito mais pessoas além de quem põe efetivamente termo à vida, incluindo a família, os amigos e a comunidade. Todos são inundados por uma carga emocional complexa que inclui, entre outros, dificuldade em compreender o que aconteceu, culpa e uma forte sensação de impotência.

Embora o suicídio em si não seja uma doença mental, mas um comportamento que inclui ideias e ações à volta da morte, que muitas vezes acontece impulsivamente em momentos de crise, existe uma relação entre o suicídio e algumas perturbações mentais como, por exemplo, a depressão e as perturbações relacionadas com o consumo de álcool.

Ademais, uma tentativa anterior de suicídio também se constitui como um fator de risco, tal como a experiência de perda de alguém significativo, a solidão e a ausência de apoio social, os problemas financeiros, a dor crónica e a doença grave e incapacitante, a violência, uma menor capacidade de lidar com adversidades, o abuso e as emergências humanitárias.

Este é um fenómeno que não escolhe classes, género, idade ou região geográfica, constituindo-se uma prioridade de saúde pública que exige mais investimento na área da saúde mental e da prevenção.

Importa acabar com tabus e falar abertamente e sem medo para quebrar o estigma à volta das perturbações mentais e do suicídio, que dificulta a procura de ajuda adequada. Só assim podemos aumentar a tomada de consciência da comunidade e reduzir mitos e crenças erradas que só contribuem para isolar as pessoas em sofrimento.

Prevenção e ação são as palavras chave, e os esforços devem ser abrangentes e integrados, uma vez que nenhuma abordagem por si só consegue impactar numa situação tão complexa como o suicídio.

Os fatores de proteção devem ser aumentados, promovendo a resiliência perante a vulnerabilidade a qual estamos todos sujeitos. São exemplos, as competências socioemocionais e de resolução de problemas, a resolução de conflitos e a gestão de dificuldades de forma adaptativa, a pertença a uma rede alargada de apoio social e familiar, uma campanha eficaz que promova a redução do consumo de álcool entre os jovens.

O suicídio pode ser evitado. Para que medidas adequadas sejam postas em prática, a OMS definiu intervenções eficazes e baseadas em evidências que devem ser implementadas pelos países para a prevenção do suicídio. Trata-se da abordagem Live Life (viva a vida) que se traduz em quatro medidas principais que devem ser adotadas por governos e pelas populações, quer a título individual quer a nível comunitário:

1) Limitar o acesso aos meios e objetos que podem ser usados para o suicídio;

2) Interagir com os meios de comunicação social para a realização de reportagens responsáveis sobre suicídio;

3) Promover competências de vida socioemocionais junto dos adolescentes;

4) Identificar, avaliar, monitorizar e acompanhar precocemente qualquer pessoa que tenha intenção ou comportamentos suicidas.

A aposta na melhoria do sistema de saúde mental deve ser prioridade dos governos, de modo a que seja garantido o acesso precoce da pessoa em sofrimento, a avaliação clínica adequada, a segurança e a efetividade dos serviços nas várias fases dos comportamentos suicidários.

Dada a importância dos meios de comunicação social na sociedade, estes podem ser convidados a ajudar com reportagens credíveis que informem o público sobre a prevenção e a procura de ajuda para lidar com o sofrimento. Devem evitar sobretudo comportamentos que possam levar a aumentos nas taxas de suicídio, como o relato de métodos de suicídio, o uso de linguagem que, de alguma forma, vanglorie o comportamento suicidário e os vídeos ou imagens dramáticas sobre o tema.

Além dos profissionais de saúde física e mental, as pessoas que, no seu dia a dia, contactam diretamente com familiares, amigos ou membros da comunidade, podem deparar-se com alguém com pensamentos de suicídio. Devem estar atentos a sinais que a pessoa dá e que merecem atenção, sobretudo, quando frequentes e intensos, tais como: a desesperança, o pessimismo, as mudanças dos hábitos alimentares ou do sono, o abuso de álcool ou drogas, a expressão de sentimentos ou pensamentos relacionados com suicídio, a ameaça e a procura de formas de o fazer, o isolamento, a distribuição de bens pessoais, as variações de humor extremas e súbitas, a perda do interesse pela própria aparência, sensação de inutilidade, a perda do interesse pelas atividades habituais, entre outros.

Perante esta situação, devem levar a sério e agir, sem pensar que é uma mera chamada de atenção. Perguntar diretamente sobre pensamentos de morte e se tem um plano suicida não incentiva nem precipita o comportamento suicidário, pelo contrário. Estas perguntas tendem a aliviar a tensão emocional e podem ajudar a pessoa a falar abertamente sobre os seus pensamentos e a sentir-se compreendida. O encaminhamento para a ajuda especializada é fundamental. Mostre interesse, seja empático e ajude a pessoa a procurar um profissional de saúde mental ou, numa situação mais grave, telefone para o 112 ou acompanhe a pessoa ao hospital.

Para quem tem pensamentos de suicídio

Procure ajuda imediata e não sinta vergonha de fazê-lo.

Certamente que, aquilo que agora se apresenta como desejo de morte, é a indicação de um grande sofrimento emocional e uma vontade de parar a dor, o sofrimento, a sobrecarga e a angústia.

Acredite que os pensamentos podem afetar qualquer pessoa, em qualquer momento e são muitas vezes fruto de uma combinação de fatores que causam a desesperança. Pode até achar que não há nada a fazer, mas há, partilhe a sua dor com alguém e peça ajuda a um profissional qualificado para transformar o seu sofrimento em palavras e em desejo de vida.

Caso conheça alguém que tenha sofrido a perda de um familiar ou amigo por suicídio, esteja presente, ouça sem julgamento, diga alguma coisa, encoraje o autocuidado e pergunte o que a pessoa precisa. O silêncio remete ao estigma e ao isolamento.


A autora escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990

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