Pedrito de Portugal: sim, as pessoas preocupam-se com os animais

A mente do toureiro não encaixa a ideia de que um animal possa existir a não ser que tenha uma função subjugada ao domínio humano. Se não for usado na tourada, o animal não tem propósito.

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Megafone P3: Pedrito de Portugal: sim, as pessoas preocupam-se com os animais Matilde Fieschi
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Aos 8 anos, Pedro Alexandre Roque Silva decidiu que queria ser “matador de touros”, possivelmente declarando esta ambição à mesa de jantar, em jeito de rebeldia pré-púbere, e para grande alegria dos pais que, à semelhança de qualquer outra normalíssima família portuguesa que se considere funcional, se deleita com o sofrimento dos animais. Passado umas décadas, o chamado “Pedrito de Portugal” saiu da penumbra do declínio tauromáquico para anunciar, aos 48 anos, numa entrevista do Expresso, que aparentemente o que ele sempre quis ser era “filósofo do toureio”, uma espécie de combinação híbrida entre um comentador de futebol fanático e um aspirante a cientista que acredita em conspirações.

Logo uma das primeiras tiradas do costume é a de que “o touro-bravo não existiria se não fosse a corrida de touros”, que é em termos de brilhantismo intelectual está ao nível de um “eureka” do Arquimedes, não fosse óbvio por demais que aquele bicho não existiria se não fosse para ser torturado. A mente do toureiro não encaixa a ideia de que um animal possa existir a não ser que tenha uma função subjugada ao domínio humano, pelo que concebe que se ele não for usado na tourada, o animal não tem propósito, porque também não pode ser usado na agricultura, e porque se não for usado para isso, o limite da criatividade do cérebro do toureiro esgota-se abruptamente.

Mas por que motivo o animal não pode estar apenas livremente no campo, a pastar e a apanhar banhos de sol, e a desfrutar da “vida de rei”, como descrevem os tauromáquicos? Ora bem, possivelmente porque, tal como afirma Pedrito de Portugal, os “animais não têm deveres, e por isso não podem também ter direitos”, mais uma das jóias de argumentação desta indústria, e esta dificilmente desmontável, já que todos sabemos também que a Constituição Portuguesa deixa de fora os portugueses mais débeis, como o caso de idosos dementes, porque os pobres coitados não conseguem também ter deveres para com os restantes de nós, a parcela humana que é digna de direitos.

E vá, mesmo que os bichos pudessem ter direitos, quem é que no seu bom juízo vem aludir à possibilidade destes animais sentirem dor enquanto lhes espetam facas afiadas no cachaço? Pedrito faz uso dos seus vastos conhecimentos em biologia, zoologia e etologia, afirmando que ter um cão num apartamento de 100 metros quadrados em Lisboa é uma tortura para o animal, mas que os touros não sofrem durante a lide devido à sua relação massa-volume e por ser um ser vivo com reacções hormonais únicas no reino animal, que não sente nadinha; é como se aquilo só raspasse na pele!

De forma curiosa, parece que até a lei portuguesa reconhece que os animais são seres vivos dotados de sensibilidade, como o faz na Lei de Protecção aos Animais ou no Estatuto Jurídico dos Animais, introduzido recentemente no Código Civil, mas depois o legislador tem uma espécie de delírio momentâneo e cria uma excepção para os touros de lide, porque pronto, os animais são todos iguais, mas uns são mais iguais que os outros.

Mas mesmo que estes animais sofressem, de que nos serve a nós, sociedade, esse conhecimento se, conforme nos elucida Pedrito de Portugal, “não se pode alterar os costumes e tradição e cultura de um povo e uma sociedade”? Aliás, parece ser isso também que o partido em que costuma votar defende, um regresso aos verdadeiros valores de Portugal, aqueles bons tempos em que ainda havia escravos a trabalhar as plantações de café e em que as mulheres precisavam da autorização do marido para conduzir ou viajarem sozinhas.

Uma outra prova disso que o Pedrito remata é que “ninguém está preocupado com o sofrimento dos animais”, aliás, os poucochinhos activistas que vão se manifestando contra as touradas recebem 25 euritos de subsídio de um tal partido animalista, porque já sabemos que toda a mudança de paradigma social se faz assim, com umas motivações pecuniárias de monta.

Porque a cultura é estática, ou pelo menos devia ser, e só Deus é que determinará se algum dia a tauromaquia encontra o seu fim, conforme ainda diria o filósofo do toureio. E ainda nos dá o bom exemplo do Muro de Berlim que caiu naturalmente, se calhar tão naturalmente como foi erguido pela mão do mesmo Deus permitiu todas as atrocidades da Guerra Fria.

Só para terminar em grande êxtase digno de uma faena, o ex-matador ainda nos relata uma comovente história humana de que a certa altura, perante toda a audiência de uma praça que agitava lenços brancos urrando em uníssono “Mata! Mata! Mata!”, ele não soube como agir de outro modo e foi “com todo o amor que matou o animal”, porque já é por demais sabido que amor é sinónimo de se matar, e que quem mata, normalmente mata por amor. É um oximoro poético para fazer jus a um oximoro civilizacional.

É caso para se dizer que este é um Pedrito de alguns, mas definitivamente não o Pedrito de Portugal de hoje.

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