As alterações de memória na gravidez e pós-parto: paranoia ou realidade?

Embora não haja dados definitivos, é provável que as mães se ajustem cada vez melhor à medida que o tempo passa, graças à neuroplasticidade cerebral.

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Este mês temos um disco pedido, ou para bom entendedor, um tema requisitado por algumas leitoras que se questionam acerca das alterações cognitivas que sentem, quer na gravidez, quer no pós-parto.

Curiosamente, há muito poucos estudos científicos aprofundados sobre este tema. Isto porque, naturalmente, estudos em grávidas impõem algumas limitações éticas e de risco; e, por outro lado, são alterações muito difíceis de reproduzir e/ou medir em modelos animais mais simples.

As poucas publicações científicas que existem acerca do tema apoiam a ideia de que ocorrem algumas alterações no cérebro durante a gravidez que estão na base de novos comportamentos maternos.

A densidade sináptica diminui em certas regiões do cérebro durante a gravidez e depois aumenta no pós-parto. Este ajuste da arborização neuronal pode estar relacionado com necessidade de especialização em tarefas relacionadas com a maternidade. Contudo, esta ideia da plasticidade adaptativa na gravidez entra em conflito com a noção de “cérebro de grávida”, na qual as mulheres grávidas descrevem falhas de memória.

Há algumas queixas e evidências inconsistentes de alterações de memória durante a gravidez, mas poucos estudos investigaram a memória associativa espacial (que é muito usada em laboratório como marcador de memória em modelos animais).

Um dos poucos artigos científicos publicados em relação a este assunto examinou a retenção da memória associativa espacial ao longo de quatro semanas numa amostra de mulheres no terceiro trimestre de gravidez e comparou o seu desempenho com uma amostra de mulheres que nunca estiveram grávidas. Curiosamente, as mulheres grávidas apresentaram melhor retenção de longo prazo de associações entre objetos e locais (memória associativa espacial), bem como uma melhor aprendizagem de estímulos relevantes para a parentalidade (como choro ou alimentação do bebé), em comparação com estímulos não relevantes para a parentalidade.

Estes dados em humanos parecem confirmar estudos anteriores em roedores, nos quais foram observadas melhorias de desempenho em testes de memória durante a gravidez.

No reverso da medalha, temos a situação pós-parto na qual há mais variáveis a considerar. O sono interrompido e mais breve, as alterações hormonais e a ansiedade decorrente da adaptação a uma nova realidade podem, só por si, contribuir para a falta de concentração, confusão mental e lapsos de memória vividas por muitas mulheres neste período, mas nada indica que haja alterações irreversíveis. Não é ainda muito claro quanto tempo duram, mas devem diminuir alguns meses após o parto.

Um estudo descreveu que mães cujo filho mais novo tinha pelo menos 1 ano de idade já se saíram tão bem como as não-mães em testes de atenção e ainda melhor em testes de função executiva. Isso significa que são melhores em processar as informações que chegam ao mesmo tempo, sem perder o foco na tarefa principal em mãos.

Embora não haja dados definitivos, é provável que as mães se ajustem cada vez melhor à medida que o tempo passa, graças à neuroplasticidade cerebral. Afinal, a biologia tem sempre formas muito elegantes e eficazes de se manifestar!

Para as grávidas ou recém-mães, nada melhor para acalmar a ansiedade e melhorar a recuperação cerebral do que o magnífico manual do pediatra Mário Cordeiro O Grande Livro do Bebé, que responde a todas as dúvidas desta fase, ao som da apropriada música Paranoid android dos admiráveis Radiohead.

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