Sons da mudança: E se tocássemos a um ritmo diferente?

As práticas e padrões que seguimos caracterizam-se pelo consumo excessivo, pelo desperdício e pela exploração não sustentada dos recursos naturais. É um ritmo conhecido, mas insustentável.

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Imaginemos um exímio tocador de tambor. Ele é dotado de talento, mas com uma singularidade: ele toca o seu tambor num ritmo não completamente reconhecido, desafiando as convenções musicais vigentes. Muitos ficam incomodados com a sonoridade peculiar daquele tambor, mas outros sentem-se curiosos e atraídos pela novidade daquele som.

Usemos a metáfora do tocador de tambor para refletirmos sobre os padrões de consumo que fomos registando nas últimas décadas, e que são insustentáveis para o planeta.

As opções de consumo são evolutivas, resultado das escolhas, que em quantidade e qualidade, vão surgindo e estão disponíveis aos consumidores. São opções, que resultam em práticas que, também, têm que evoluir de modo a serem adequadas à realidade, ao contexto, às condicionantes e aos desafios. Uma adaptação contínua, e continuada, que muito ganha com o contributo prático das análises e estudos, do trabalho conjunto de produtores, consumidores e demais stakeholders.

E tudo isto é relevante pois, naturalmente, a sustentabilidade dos hábitos de consumo é premente. A sustentabilidade apresenta-se como um apelo incontornável para desafiarmos os nossos atuais padrões de comportamento. Para alcançarmos um futuro sustentável, parece não haver uma outra opção a não ser evoluir a partir do convencional e, quem sabe, ir buscar inspiração a esse habilidoso tocador de tambor.

As práticas e padrões que seguimos caracterizam-se pelo consumo excessivo, pelo desperdício e pela exploração não sustentada dos recursos naturais. É um ritmo conhecido, mas insustentável. É o ritmo de uma parte da sociedade que, tendo como garantido o acesso a tudo o que satisfaça as suas necessidades, precisa de ser lembrada que a manutenção do desejado nível de bem-estar tem de ser trabalhada: produzir riqueza de forma sustentável e garantir a sua distribuição. Tudo isto a um ritmo que garanta a manutenção e renovação das oportunidades para o planeta e as suas comunidades.

Da mesma forma que um ritmo desconhecido desperta incómodo, mas também curiosidade e admiração, a busca pela sustentabilidade pode igualmente despertar um olhar renovado em relação às nossas práticas diárias, mesmo que esse novo olhar nos possa causar algum desconforto inicial. De facto, a desconstrução de crenças e paradigmas pode, num primeiro momento, tirar-nos da zona de conforto, mas é justamente a partir desse desconforto que as novas possibilidades se apresentam, guiando-nos no sentido de haver um compromisso com comportamentos compatíveis com um futuro mais equilibrado e em sintonia com os princípios do bem-estar coletivo.

Para tal, vários tambores têm de ser tocados a um ritmo diferente, e concertados, que não formatados.

Nós, cidadãos, precisamos de continuar a aprender, a reconhecer a necessidade de agir diferente e o valor dos novos resultados e, assim, avançar a um renovado ritmo nas nossas ações diárias. Apenas um exemplo. Num dos estudos desenvolvido pelo Human Neurobehavioral Laboratory, em parceria com a Escola Superior de Biotecnologia, da Universidade Católica Portuguesa, no Porto, no âmbito do projeto Bioshoes4All (em parceria com a APICCAPS e o CTCP) mais de 50% dos consumidores, entre os 18 e os 42 anos, reportaram não saber como prolongar a vida útil dos seus calçados.

Sem a devida literacia e orientação, muitos consumidores acabam por descartar os seus calçados prematuramente, contribuindo para o aumento do desperdício e do impacto ambiental. E alertamos que aprender a prolongar a vida útil dos nossos calçados é apenas um exemplo de uma longa lista que demonstra como ações simples e individuais podem contribuir para a construção de um futuro mais sustentável.

A economia precisa de continuar a evoluir para ritmos mais sustentáveis. E todos, que estamos e temos o nosso lugar e papel na economia, temos que participar. Os produtores optando por técnicas produtivas mais sustentáveis, para o que é curial a colaboração com entidades como as universidades, onde se investiga para se transferir conhecimento para o bem comum. Os consumidores, a participar na aprendizagem e apreensão dos novos hábitos de consumo. Os demais stakeholders a facilitar, que não facilitismo, a atitude de quem quer evoluir na escala de valor e na relação sustentável com o planeta.

Será tudo isto um novo ritmo? Sim. Desconhecido? Para alguns. Impossível? Não, até desafiante e instigador de investigação e inovação, promotor de bem-estar.

Será um ritmo melodioso? Às vezes não, mas nada fazer trará, mais rápido, ruídos destorcedores para toda a sociedade.

E quanto ao ousado tocador de tambor? Será essa mesma ousadia necessária para a sustentabilidade? Parece que sim. Em cada esfera da sociedade, é preciso um tocador de tambor destemido, que se arrisque a tocar num ritmo inovador, que desafie as práticas estabelecidas e use a sua criatividade para “tocar” de forma diferente.

Precisamos de um ritmo inovador que rompa com práticas ultrapassadas e crie harmonia entre a sociedade, a economia e a natureza. É através da inovação e da ousadia para desafiar o convencional que podemos abrir caminho para soluções conscientes e alinhadas com os princípios da preservação ambiental e do bem-estar social.

É nas mãos desse tocador de tambor inovador que a sinfonia da sustentabilidade e a melodia de um futuro melhor (talvez, simplesmente de um futuro!) para todos encontram o seu compasso perfeito e criam um legado de cuidado e respeito para as gerações futuras. E esse tocador de tambor somos nós, todos nós, que ocupamos diferentes lugares na sociedade.


Os autores escrevem segundo o Acordo Ortográfico de 1990

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