Centeno pede redução da dívida e da despesa pública permanente
Num documento inédito de análise pessoal à situação da economia, o governador do Banco de Portugal avisa que, na política orçamental, “não se alterou aquilo que há cinco anos não era financiável”.
Alertando que a economia portuguesa se encontra neste momento numa “encruzilhada de políticas”, o governador do Banco de Portugal deixa, a pouco mais de um mês da apresentação da proposta de Orçamento do Estado para 2024, uma recomendação ao Governo: deve continuar a reduzir o peso da dívida pública na economia, diminuindo as despesas de carácter permanente.
O documento publicado esta segunda-feira por Mário Centeno é inédito. Ao contrário das publicações sobre a economia portuguesa divulgadas regularmente pelo Banco de Portugal, é uma análise pessoal do governador ao actual momento da economia, em que este “reflecte sobre os desafios económicos que se colocam a Portugal e à área do euro e partilha a sua visão sobre o caminho das políticas a seguir”, diz uma nota enviada pelo banco central aos meios de comunicação social, indicando-se que este tipo de análises do governador irá ter “uma periodicidade anual”.
A reflexão de Mário Centeno sobre a actual situação económica repete muitas das ideias que têm vindo a ser defendidas pelo governador nas suas intervenções públicas ao longo dos últimos meses, nomeadamente a convicção de que factores estruturais positivos como o aumento progressivo das qualificações ou a redução do nível de endividamento privado e público ao longo dos últimos anos fazem com que a economia portuguesa se encontre “num dos seus melhores momentos”.
O ex-ministro das Finanças e actual governador do Banco de Portugal salienta sobretudo os resultados obtidos a partir do momento em que ele próprio assumiu responsabilidades governativas. “Enquanto a área do euro cresceu 15% nos primeiros 15 anos deste século, Portugal ficou-se por um parco 1%. Em contraste, desde 2015 crescemos 17% e convergimos com a área do euro, que cresceu 13%”, escreve, na análise publicada esta segunda-feira.
Mário Centeno, contudo, assinala que agora, o país e a zona euro enfrentam “uma encruzilhada de políticas para reduzir a inflação e responder ao abrandamento da economia”. Uma encruzilhada em que “o enquadramento económico (externo) mostra sinais de desaceleração e mesmo com dimensões recessivas” e que “traz maior aperto financeiro a famílias e empresas em resultado do ciclo de política monetária”.
Perante isto, aquilo que o governador defende são “políticas centradas na função estabilizadora”.
O que isto significa a nível orçamental é que, para além dos apoios públicos destinados às famílias em maior aperto financeiro, se deve continuar a reduzir o peso da dívida pública. “Deve preservar-se o equilíbrio para reduzir a dívida num contexto de inflação baixa e taxas de juro mais elevadas”, diz Mário Centeno.
Na semana passada, o Ministério das Finanças, num documento de preparação para a apresentação da proposta de OE para 2024 – o quadro de políticas invariantes – antecipava que o Estado deverá gastar mais 1002 milhões de euros em juros em 2024 face ao que estima gastar em 2023.
Na sua análise, em mensagens que têm como destinatário o Governo, Mário Centeno assinala ainda que “a política orçamental deve continuar a orientar-se pela noção de que não se alterou aquilo que há cinco anos não era financiável”, lembrando que “o peso da despesa permanente na economia continua acima de 2019” e defendendo que esta “deve reduzir-se para garantir a sustentabilidade ao longo do ciclo económico”.
O governador fala também da política monetária, decidida em Frankfurt pelo conselho do Banco Central Europeu de que faz parte. Centeno reconhece que, neste caso, “o risco de ‘fazer de mais’ começa a ser material”. “A inflação tem-se reduzido mais rapidamente do que subiu e a economia está a ajustar-se às novas condições financeiras”, diz, a poucas semanas de mais uma reunião em que o BCE terá de decidir se continua ou não a subir as taxas de juro.
Não se referindo a essa reunião em específico, aquilo que o governador do Banco de Portugal defende é que, “assegurada a convergência para a estabilidade de preços, a política monetária deverá traçar um caminho previsível de redução das taxas de juro, mas longe dos tempos de taxas de juro de zero ou mesmo negativas”.