Asas para voar, raízes para voltar: espelhos da vergonha na adolescência
Os jovens que experienciam sentimentos intensos e prolongados de vergonha apresentam um maior risco de desenvolver baixa autoestima.
Tal como nos adultos, o embaraço é uma experiência comum à maioria dos jovens. Emerge quando estes se percecionam como alvo da atenção dos outros e de autoavaliação, especialmente quando as suas condutas se desviam das normas, regras e objetivos valorizados pela família, pelo grupo de pares e pelo contexto sociocultural em que se inserem. Contudo, a experiência de embaraço pode tornar-se de tal forma intensa e difícil de dissipar que interfere na capacidade de os jovens pensarem com clareza e se expressarem verbalmente, resultando em manifestações comportamentais (e.g., encolher-se ou baixar a cabeça) que refletem um desejo de se esconder, fugir ou desaparecer.
Esta experiência dolorosa, designada de vergonha, espelha um conjunto de ideias complexas acerca do “eu”, tipicamente caracterizadas por um sentimento de que este é inadequado ou inferior e é visto pelos outros de forma negativa, sendo, por isso, vulnerável aos seus ataques. A experiência de vergonha torna-se particularmente proeminente durante a adolescência. De facto, as mudanças físicas associadas à puberdade, a busca pela construção da identidade e as mudanças nas relações com os pares que assumem cada vez mais importância durante este período desenvolvimental aumentam os contextos em que é mais provável que os jovens se envolvam em autoavaliações do “eu real”, comparando-o com o “eu ideal”.
A investigação tem mostrado que os jovens que experienciam sentimentos intensos e prolongados de vergonha apresentam um maior risco de desenvolver baixa autoestima, problemas de ansiedade (nomeadamente em situações sociais) e de depressão. Estas dificuldades emocionais podem contribuir, a longo prazo, para níveis mais elevados de solidão, medo de socializar e desconfiança na relação com os outros, afetando negativamente o sentido de pertença dos jovens.
Assim, é essencial identificar os fatores que se podem associar a uma menor propensão dos jovens para experienciarem sentimentos de vergonha durante a adolescência. Entre esses fatores, a perspetiva desenvolvimental tem salientado a importância da qualidade das experiências relacionais precoces que são estabelecidas com os cuidadores primários. Os resultados de um estudo recente, enquadrado numa dissertação de mestrado em Psicologia e Psicopatologia do Desenvolvimento do ISPA – Instituto Universitário, parecem reforçar esta ideia.
Este estudo foi conduzido numa amostra constituída por 312 jovens (55% raparigas, 45% rapazes) com idades compreendidas entre os 10 e os 15 anos, recrutados num agrupamento de escolas da região de Lisboa e Vale do Tejo, com recurso a questionários de autorresposta. Globalmente, os resultados obtidos mostraram que os jovens que percecionam maior confiança na capacidade e na disponibilidade de ambos os pais para a comunicação aberta sobre as suas emoções e necessidades, para os confortar em situações emocionalmente desafiantes e para os incentivar a explorar a novidade relatam menores sentimentos de vergonha. Estes resultados são consistentes com a ideia de que os jovens cujas experiências relacionais com os cuidadores primários facilitam a construção de uma ideia de “eu” como merecedor de afeto e admiração, autónomo e capaz, têm uma menor propensão para experienciar sentimentos de inadequação, inferioridade e vulnerabilidade às respostas negativas dos outros.
Mais uma vez, os resultados obtidos neste estudo sugerem que as intervenções centradas na família que promovem experiências relacionais precoces de qualidade e representações dos cuidadores primários, enquanto “porto de abrigo” e “base segura” para explorar o mundo, podem ser importantes para prevenir consequências negativas na forma como os jovens se avaliam a si próprios, se percecionam aos olhos dos outros e estabelecem relações sociais.
A autora escreve segundo as regras do Acordo Ortográfico.