Da rebelião à morte em dois meses: as derradeiras semanas de Prigozhin
Líder do Grupo Wagner fez poucas aparições públicas desde que desafiou Putin e o seu paradeiro foi quase sempre incerto. Morreu esta quarta-feira, na queda de um avião.
Passaram exactamente dois meses entre o momento em que Yevgeny Prigozhin (Ievegueni Prigojin, na transliteração em português) arrancou uma rebelião contra Moscovo e a morte do líder do Grupo Wagner. O responsável pelos mercenários estava a bordo de uma aeronave que se despenhou esta quarta-feira na Rússia. No total, morreram dez pessoas, sete passageiros e três tripulantes. Neste grupo está ainda Dmitri Utkin, co-fundador do Grupo Wagner. Recorde aqui as derradeiras semanas de vida de Prigozhin após desafiar Vladimir Putin.
23 de Junho
Durante meses, Yevgeny Prigozhin queixou-se de falta de munições, pediu a exoneração do ministro da Defesa, Serguei Shoigu, e criticou a estratégia adoptada pelas estruturas militares de Moscovo no conflito com a Ucrânia. Para o líder do Grupo Wagner, o Kremlin atrasava os avanços dos mercenários em várias regiões, conquistadas com grande perda de vidas humanas.
Um ataque alegadamente lançado pelas forças russas que atingiu posições do Grupo Wagner foi a “gota de água” para Prigozhin. O antigo cozinheiro de Putin virava-se contra o Presidente russo. Estava lançada a rebelião.
24 de Junho
Na cidade de Rostov, Prigozhin ordenou que os combatentes do Grupo Wagner bloqueassem a cidade com tanques e veículos blindados. Depois de assumirem o controlo, foi anunciada uma “marcha pela justiça” até Moscovo.
Na manhã desse sábado, Putin prometeu reagir com mão pesada à “rebelião armada” de Prigozhin, a quem o Presidente russo acusava de traição.
Milhares de combatentes puseram-se a caminho da capital russa, chegando a estar a cerca de 190 quilómetros de Moscovo. O ímpeto dos mercenários foi travado pelo próprio Prigozhin, que, ao final da tarde, tinha chegado a um acordo com o Presidente da Bielorrússia, Alexander Lukashenko.
Nesse momento, não foram tornadas públicas as concessões feitas pelo Kremlin a Prigozhin. O responsável ordenou que os mercenários abandonassem as posições em Rostov. Putin permitia que os combatentes escapassem ao castigo pela rebelião, mudando-se para a Bielorrússia. Também Prigozhin encontraria refúgio seguro no país vizinho.
Estava neutralizada a maior ameaça de sempre ao poder do Kremlin desde 2000, ano em que Putin assumiu as rédeas do poder.
29 de Junho
Nos dias que se seguiram à rebelião, Prigozhin esteve afastado dos holofotes públicos. Cinco dias após a tentativa de rebelião, reuniu-se com o Presidente russo, encontro que apenas seria tornado público semanas após ter ocorrido.
De acordo com o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov – única fonte que partilhou o que se terá discutido no encontro –, os mercenários reafirmaram a lealdade à Rússia, explicando as razões para a rebelião. Putin terá, depois, proposto aos comandantes mais opções para emprego e combate.
6 de Julho
O paradeiro de Yevgeny Prigozhin é uma incógnita. A intermediação do Presidente bielorrusso foi vital para o fim da rebelião, assumindo-se que o líder do Grupo Wagner estaria no país amigo do Kremlin a usufruir de um asilo seguro rodeado das suas tropas. Uma versão que Alexander Lukashenko veio contrariar publicamente.
“Ele está em São Petersburgo, não está no território da Bielorrússia”, afirmaria o Presidente bielorrusso, negando também que os mercenários do Grupo Wagner estivessem já no país.
No Kremlin, apenas se dizia que os movimentos de Prigozhin não estavam a ser acompanhados. Do líder do Grupo Wagner, silêncio absoluto.
19 de Julho
Foi preciso aguardar quase um mês para que o líder do grupo Wagner desse sinais de vida após a rebelião. Num vídeo publicado nas redes sociais, Prighozin aparece a dar as boas-vindas aos comandantes do grupo Wagner na Bielorrússia, confirmando que, naquele momento, os mercenários não voltariam a combater na Ucrânia. As operações em África – que o antigo aliado de Putin ainda controlava – passariam a ser o foco.
“Lutámos com honra. Fizeram muito pela Rússia. O que está a acontecer na linha da frente é uma desgraça na qual não temos de estar envolvidos”, diz Prigozhin no vídeo divulgado no Telegram.
27 de Julho
Imagens publicadas nas redes sociais adensam o rumor de que Prigozhin esteve hospedado no hotel que albergou a cimeira Rússia-África. O Presidente russo, Vladimir Putin, marcou presença neste encontro, realizado em São Petersburgo.
22 de Agosto
Olhos nos olhos com a câmara pela primeira vez desde a rebelião. Num vídeo publicado no Telegram, o líder do grupo Wagner aparecia numa área deserta, munido de uma espingarda semiautomática, colete à prova de bala e camuflagem.
Tudo apontava para que a localização da gravação fosse África, com o próprio Prigozhin a dizer que os mercenários queriam tornar o continente “mais livre”. O objectivo final seria “tornar a Rússia ainda maior em todos os continentes”.
O responsável descreve ainda como o grupo está a lidar com grupos terroristas na região, dizendo-se receptível à admissão de novos recrutas. Estas seriam as últimas imagens de Prigozhin com vida.
23 de Agosto
Um rasto de chamas, uma aeronave em queda e destroços espalhados num campo. Prigozhin era um dos dez ocupantes de um jacto executivo que se despenhou esta quarta-feira na região de Tver, a norte de Moscovo. Os sete passageiros e os três tripulantes foram dados como mortos.
Ainda não são conhecidas as causas que originaram a tragédia, mas circulam teorias de que o avião possa ter sido abatido. Também Dmitri Utkin, co-fundador do Grupo Wagner, estava entre os passageiros a bordo da aeronave.
O Kremlin ainda não confirmou oficialmente a morte de Prigozhin, mas dezenas de pessoas juntaram-se na sede da milícia para prestar homenagem e deixar cravos junto às bandeiras e insígnias do Grupo Wagner.
A morte do responsável ocorre precisamente dois meses após o arranque da rebelião contra o Kremlin. Um vídeo gravado na Bielorrúsia mostra membros do grupo a confirmar a morte de Prigozhin, prometendo vingança contra Vladimir Putin.