Prigozhin, o amigo de Putin que declarou guerra ao Kremlin

Aliados do Wagner acusam Moscovo de ter provocado a queda do avião em que viajavam os fundadores do grupo: Yevgeny Prigozhin e Dmitri Utkin.

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Yevgeny Prigozhin durante a tentativa de rebelião do grupo Wagner contra o Kremlin Reuters/ALEXANDER ERMOCHENKO
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Yevgeny Prigozhin, líder do Grupo Wagner, era um dos passageiros a bordo do jacto que se despenhou esta quarta-feira na região de Tver, a norte de Moscovo. A queda terá provocado dez mortes, sem registo de sobreviventes. Segundo o canal de Telegram Grey Zone, ligado ao Grupo Wagner, o avião foi abatido pelas defesas aéreas russas.

A Autoridade de Aviação Civil Russa, que tinha avançado que o nome de Prigozhin estava na lista de passageiros para este voo, que partiu de Moscovo com destino a São Petersburgo, veio mais tarde afirmar que o líder mercenário estaria efectivamente a bordo do aparelho. A aeronave terá sido adquirida há vários anos pelo Grupo Wagner.

A morte do oligarca russo de 62 anos foi mais tarde confirmada pelo canal Grey Zone: “O chefe do Grupo Wagner, um herói da Rússia, um verdadeiro patriota da sua Pátria, Yevgeny Viktorovich Prigozhin, morreu em resultado das acções dos traidores da Rússia.”

Dmitri Utkin, co-fundador do Wagner também a bordo do avião, morreu nas mesmas circunstâncias: às mãos dos “traidores da Rússia”, lê-se numa publicação do canal ligado ao grupo armado.

A escalada de Prigozhin até às mais altas posições de poder em Moscovo começara há três décadas. Chegado ao topo, não se inibiu de criticar os governantes no Kremlin e dirigentes das Forças Armadas da Rússia. Se esses comentários não caíram bem ao chefe de Estado russo, a relação entre os dois azedou de vez com a tentativa de rebelião do Grupo Wagner, em Junho passado.

Uma década na prisão e a ascensão ao poder

Depois de nove anos preso por crimes de furto, roubo e burla, Yevgeny Prigozhin (Ievgueni Prigojin na transliteração em português) começou a erguer a sua fortuna a partir de um negócio na área da restauração no início da década de 1990, na cidade onde nasceu em 1961, Leninegrado, hoje São Petersburgo. Nesses anos, terá conhecido o vice-presidente da câmara da cidade, nos primeiros anos da sua carreira política: Vladimir Putin.

Da banca onde vendia cachorros-quentes com a mãe e o padrasto num mercado de Leninegrado, não podia prever o iminente colapso da União Soviética que transformaria a sua cidade. Ainda menos provável seria ver-se, em poucos anos, a inaugurar o seu primeiro restaurante, criar a sua própria empresa, impulsionado pela revolução económica na Rússia, e a prestar serviços de catering ao Kremlin.

O “chef de Putin”, como ficou conhecido, entrou no círculo de confiança do — entretanto eleito, no ano de 2000 — Presidente russo e não se demorou a investir em novas áreas de negócio. Agiu na sombra durante anos, mas, a partir de 2014, ganhou protagonismo como fundador do grupo armado Wagner e pela interferência, assumida publicamente, nas eleições presidenciais norte-americanas em 2016.

Através da empresa Glavset, ou Agência de Informação da Internet, Yevgeny Prigozhin comandou um exército de trolls para a partilha de notícias falsas e desinformação sobre a corrida à Casa Branca, disputada entre Hillary Clinton e Donald Trump.

“Nós interferimos. Interferimos e continuaremos a fazê-lo. Cuidadosamente, de forma precisa, cirúrgica”, confessou, em tom de aviso, em Novembro de 2022, na véspera de eleições intercalares nos Estados Unidos.

A sua ascensão no meio político de Moscovo consolidou-se com a fundação do Grupo Wagner, inicialmente destacado para apoiar o Exército russo nos combates na região ucraniana do Donbass ainda em 2014. Sem sucesso na ocupação militar do Leste da Ucrânia, o Kremlin recorreu ao Wagner para reforçar, de forma oficiosa, a sua presença militar russa e defender os interesses russos no Médio Oriente e no continente africano, da Síria à República Centro-Africana.

Uma aliança que ganha novos contornos com a invasão em grande escala da Ucrânia, a 24 de Fevereiro do ano passado. Os mercenários guiados por Prigozhin multiplicaram-se em território ucraniano, de centenas de homens para dezenas de milhares, no Leste do país.

Foram os soldados de Prigozhin, muitos deles recrutados enquanto cumpriam pena de prisão na Rússia, a combater na mais longa e violenta batalha por uma cidade desde o início da guerra na Ucrânia. O controlo total de Bakhmut, em Donetsk, foi finalmente reivindicado em Maio passado, quando já se adivinhava uma ruptura entre o Kremlin e o Wagner.

Um mês depois, e após incontáveis críticas à liderança militar russa e ao comando das operações na Ucrânia, Prigozhin ordenou a entrada dos seus homens em território russo e a ocupação da cidade de Rostov, exigindo a demissão do ministro da Defesa, Serguei Shoigu, e do chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, Valeri Guerasimov.

O motim que ameaçava empurrar a Rússia para uma eventual guerra civil, como considerou o Kremlin, durou apenas algumas horas. Prigozhin deu nova ordem, desta vez de retirada, após ser alcançado um acordo entre a Moscovo e o Presidente bielorrusso, Alexander Lukashenko, para que os mercenários pudessem ser transferidos para a Bielorrússia.

Apesar de a ligação da empresa militar privada ao Kremlin não ser oficial, Putin admitiu no final de Junho, em reacção à rebelião, que “o grupo Wagner é inteiramente financiado pelo Estado: pelo Ministério da Defesa e pelo Orçamento do Estado”. Anunciou também que a presença do Wagner na Ucrânia tinha, claro, chegado ao fim.

A guerra com o Kremlin e com o amigo e aliado de longa data, Vladimir Putin, estava comprada. Desde então, muito se especulou sobre o futuro de Prigozhin e a eventual resposta de Moscovo à rebelião.

Esta terça-feira, 22 de Agosto, o “chef de Putin” reapareceu pela primeira vez desde o assalto falhado ao Kremlin num vídeo divulgado online, insinuando estar a combater pelo Wagner em África, sem especificar o país. Ao que parecia, a insurreição passava sem retaliações do regime russo. O afastamento do grupo da Ucrânia e a colocação de Prigozhin no continente africano seriam, por enquanto, o suficiente.

Mas, caso se conclua que foi o Kremlin a ordenar o abate do jacto privado de Yevgeny Prigozhin e Dmitri Utkin, como alegam os aliados do Wagner, Vladimir Putin deixa uma mensagem já repetida na história da sua governação: o poder de declarar guerras é apenas seu.

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