Geração polegarzão

Sobre a reportagem “A geração polegar tem um cérebro só dela”, da autoria de Andrea Cunha Freitas, publicada na Pública de 8 de Março de 2009.

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Rita Corte-Real, então com 16 anos, dizia ao PÚBLICO: “Isso [todas os impactos no ser humano decorrentes das tecnologias] assusta-me, mas também não vou deixar de usar o telemóvel” Miguel Manso
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Arrisca-se um cenário para o futuro da humanidade: “Polegares enormes, pernas atrofiadas, pessoas muito gordas.” O relato em modo de vaticínio tem já 14 anos e foi escrito nas páginas da extinta revista Pública. A evolução humana tende a não ser tão rápida, mas, num ser de hábitos, o impacto das tecnologias é já por demais evidente. “Por acaso hoje até tenho um calo no polegar. Será que é de enviar SMS?”, questionava Marta Augusto, então com 15 anos, e que hoje se deverá estar a preparar para se despedir dos descontos do seu cartão jovem com a passagem à era dos trintas. Não se trata só de calos, mas sim de uma alteração cerebral que teve início com uma geração que já escrevia sem precisar de olhar para o ecrã.

As mudanças começavam nas coisas mais simples. Num artigo da BBC tinha sido relatada a experiência: os adolescentes já não levantavam o indicador para tocar às campainhas, mas sim o polegar. Se fosse hoje, com os tarifários de tudo incluído, a resposta era outra: os adolescentes já nem tocam à campainha porque mandam mensagem no WhatsApp a dizer que já estão à porta. Problema resolvido.

Sem necessidade de carregar nas teclas introduzida por uma geração de smartphones de ecrã táctil que se massificou, os calos desapareceram e o corrector automático até fez com que a escrita melhorasse. Os Nokia faziam mal à saúde dedal, mas ainda estão por avaliar os impactos dos Samsung e Apple em causas talvez mais importantes como a saúde mental. Hoje voltaria a ser engraçado pedir a um adolescente que cresceu na era dos iPhones para escrever uma mensagem num daqueles velhos telefones de teclas.

Dada a rápida evolução tecnológica, a perspectiva é a de que mais depressa arrumaríamos os telefones a um canto do que surgiria o primeiro ser humano totalmente adaptado à era do smartphone ao ser portador de um verdadeiro polegarzão. Mas a cabeça não precisa de gerações para se adaptar ao mundo em volta e as mudanças acontecem a uma velocidade alucinante. Já na primeira década do milénio, a especialista em comunicação de ciência Susan Greenfield defendia que “o recurso às redes sociais como o Twitter ou o Facebook pode criar uma sociedade mais egoísta e com menos capacidade de concentração”. Nisto, como na pandemia, há uma certeza: nem tudo vai ficar bem.

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“A geração polegar tem um cérebro só dela”, da autoria de Andrea Cunha Freitas, publicado na Pública de 8 de Março de 2009. Arquivo PÚBLICO

Já o psicólogo britânico Aric Sigman assumia uma posição mais extremada e sugeria que a perda do contacto olhos nos olhos podia resultar numa lista de maleitas maior do que aquelas que o doutor Google sugere quando perguntamos o resultado da miscelânea de sintomas que temos: “Cancro, enfartes, doenças cardíacas e demência.”

Os problemas de postura também parecem ser símbolo não desejado de uma geração que tem constantemente o pescoço para baixo para ler no ecrã ou para fazer scroll numa qualquer rede social. Sentados a maioria do tempo e pouco preocupados com as consequências disso mesmo, resta a espera por uma salvação num prenúncio de futuro: “Dentro de poucas décadas, já poderemos estar a comunicar apoiados em tecnologia capaz de nos ler os pensamentos e que conseguimos controlar”, defendia João Falcão e Cunha, professor na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, que em 2009 já escrevia o obituário do SMS. Consultados os dados, vemos que o pico do envio de mensagens escritas através da rede móvel se deu em 2012 e desde aí o SMS foi perdendo espaço para as aplicações de mensagens via Internet.

No final de contas, há um testemunho que resume tudo. Rita Corte-Real, então com 16 anos, dizia ao PÚBLICO: “Isso [todas os impactos no ser humano decorrentes das tecnologias] assusta-me, mas também não vou deixar de usar o telemóvel.” Dito e, quase de certeza, feito.

Todas as segundas-feiras, mergulhamos no arquivo do PÚBLICO para recordar histórias de outros tempos.

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