Para que serve o controlo de maturação das uvas?

A qualidade dos vinhos melhorou ao longo dos anos devido aos controlos de maturação. Na Quinta da Alorna, por cada vindima fazem-se 250 colheitas de bagos. Vamos lá perceber como isso funciona.

Quinta da Alorna, 250723. Martta.
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Martta Simões na vinha Miguel Madeira
Quinta da Alorna, 250723. Martta e Luis.
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Martta Simões e Luís Lérias, enólogo assistente Miguel Madeira
Quinta da Alorna, 250723. Afonso.
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O controlo de maturação passa por diferentes fases Miguel Madeira
Quinta da Alorna, 250723.
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O controlo de maturação passa por diferentes fases Miguel Madeira
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Em tempos não muito recuados, as datas de arranque de vindimas eram fixas e marcadas em função das festas religiosas. Fosse o ano chuvoso ou seco, a vindima só começava depois de a mão-de-obra estar disponível a seguir às festas que ocorriam nos meses de Setembro nas regiões vinhateiras. Com a popularização da figura do enólogo começou a fazer-se, primeiro, a avaliação de bagos na vinha (o técnico trincava o bago e avaliava a separação entre polpa e a grainha, bem como o carácter mais verde ou mais seco desta) e, mais tarde, a colheita de bagos com análise laboratorial dos mostos. Hoje, é este o padrão que se aplica nas adegas, mas algumas socorrem-se de equipamentos tão sofisticados que levariam um agricultor antigo a achar que os mesmos eram obras do diabo. Na Quinta da Alorna, a data de vindima é definida por uma espécie de máquina fotográfica que indica em tempo real como está a decorrer o metabolismo das videiras —​ e dá pelo nome de Dyostem.

Abordemos algumas questões básicas. Perante um copo de vinho, qualquer consumidor avalia a sua cor, os aromas, a estrutura, o álcool, a acidez e o prolongamento dos sabores, mas tudo no seu conjunto. Em separado, cada uma dessas partes não tem interesse. O que importa é avaliar se existe ou não equilíbrio entre todas as componentes. Ou seja, se o vinho nos dá prazer no nariz e na boca. Aqui, pouco importa se estamos perante um vinho que nos leva ao céu (isso é outra conversa). Verdadeiramente determinante é esta palavra singela, mas difícil de atingir: equilíbrio.

Em Almeirim, a Quinta da Alorna explora 2800 hectares, dos quais 160 são de vinhas onde crescem 19 castas. Como faz dois milhões de garrafas por ano, tem forçosamente de adoptar uma cultura organizacional o mais científica possível, coisa que não choca com a liberdade criativa da equipa de enologia liderada por Martta Simões nos diferentes microterroirs do Tejo.

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Na Quinta da Alorna crescem 19 castas Miguel Madeira

Assim, desde 2018 o Dyostem tem sido um aliado que ajuda Martta Simões a dormir ligeiramente melhor durante a vindima. E é mesmo ligeiramente melhor porque, nesta altura, os enólogos apagam-se para o mundo. Para memória futura ficou a história do enólogo Pedro Gil, da Cooperativa do Cartaxo, que, em Setembro de 2011, só soube do atentado às Torres Gémeas na madrugada do dia 13 porque um dos sócios queria conhecer as ideias do engenheiro sobre o assunto. “Hoje já não é assim, mas naquela altura saía da adega às quatro da manhã e regressava às oito e a minha cabeça estava exclusivamente formatada para os múltiplos detalhes da vindima. As pessoas não fazem ideia o que é controlar dezenas de cubas em fermentação ao mesmo tempo”, refere Pedro Gil ao Terroir.

A máquina fotográfica que faz RX às videiras

Um enólogo quer uvas a entrar na sua adega quando existe o tal equilíbrio entre aromas, açúcares e ácidos. Ora, a partir de uma amostra de 204 bagos inteiros de uma determinada parcela de vinha (seis bagos colhidos de várias partes de cada cacho de uma videira, de um total de 35 videiras), a máquina, através da avaliação cromática desses mesmos bagos, consegue transmitir ao enólogo o seguinte: a) qual é a quantidade de açúcares que existe no momento da análise (e em consequência qual será o álcool provável); b) como está a comportar-se a videira na parte final do ciclo vegetativo (se está a sintetizar açúcares de forma gradual ou não) e c); quando é que parou de sintetizar açúcares (poderá haver mais açúcares por desidratação dos bagos, mas isso é outra conversa).

Esta informação do Dyostem será depois cruzada com avaliações de outros equipamentos laboratoriais que darão valores finais de acidez total, pH e álcool. E é a partir desta reunião de informações que Martta Simões toma a decisão do dia exacto do corte de uvas de cada casta porque cada uma tem os seus melindres, cada uma tem os seus terroirs, cada uma serve para diferentes lotes e cada vinha tem a sua idade e os seus caprichos. As variáveis são imensas.

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O Dyostem é usado na Alorna desde 2018 Miguel Madeira

Mais, como o Dyostem requer um mapeamento preciso de cada vinha ao longo dos anos (numa determinada área são sempre as mesmas videiras que fornecem os tais seis bagos para análise), Martta Simões acumula um histórico comportamental das vinhas em função dos anos climáticos. Este tipo de informação facilita o trabalho, dá origem a vinhos correctos e, em consequência, aumenta os níveis de produtividade da empresa.

Claro que, nesta altura, podemos perguntar se, com tanta tecnologia, não corremos o risco de transformar o vinho em algo parecido com um refrigerante. A enóloga garante ao Terroir que não. “Em última análise, e não obstante os dados e os protocolos que seguimos, sou eu quem decide quando quero vindimar e em função dos perfis de vinhos que pretendemos fazer na Alorna. Ter mais ou menos cor, aromas primários ou aromas fermentativos, mais ou menos álcool ou mais ou menos acidez é algo que resulta da nossa liberdade de acção. Os equipamentos ajudam-nos muito, são um manancial de informação cruzada e permitem-nos conhecer melhor as vinhas, mas somos nós que tomamos as decisões.”

De resto, uma coisa é o equilíbrio determinado pela família dos algoritmos, outra coisa é o equilíbrio imaginado na cabeça, no nariz e na boca do enólogo/a. “A tecnologia pode indicar-me que os valores perfeitos vão ser atingidos em determinada data, mas eu sei por experiência que, para determinadas castas, esses tais valores podem traduzir-se na perda de uma outra variável qualquer. Por exemplo, no caso do Fernão Pires, se eu deixo que a maturação se prolongue até atingir um valor de álcool superior vou perder aromas. E, ao contrário, se quiser manter os aromas primários no vinho vou ter pouco álcool. Neste caso, tenho sempre a solução de apanhar mais cedo (fico com os aromas) e utilizo mosto concentrado na altura da fermentação (aumento o valor do álcool)”, refere Martta Simões. Nota, o mosto concentrado é mesmo mosto natural de uvas, só que mais rico em açúcares.

Por outro lado, quando os bagos são espremidos para a produção de sumo que será analisado laboratorialmente em termos de acidez, pH e álcool provável os enólogos fazem questão de avaliar sensorialmente (aromas e sabores) esse mesmo sumo. E, perante esta prova de nariz e de boca, decidem independentemente daquilo que os aparelhos recomendam.

Fernão Pires versus Sauvignon Blanc e as trapalhadas dos estagiários

Em média, cada vinha ou parcela sofre cinco controlos de maturação entre Julho e o início da vindima, o que dá uma trabalheira considerável numa quinta com 160 hectares, inúmeras parcelas e 19 castas, com vinhas velhas e novas pelo meio.

Esta questão de vinhas velhas versus vinhas novas tem que se lhe diga. Por exemplo, no dia 25 de Julho acompanhámos Martta Simões, Luís Lérias (enólogo assistente) e Afonso Vasconcelos (técnico de laboratório) no controlo de maturação das castas Fernão Pires e Sauvignon Blanc. E as diferenças não poderiam ser maiores. Na parcela velha de Fernão Pires da Vinha da Planície (terroir Charneca) havia, na prova de boca, uma notória heterogeneidade de cor, tamanho e maturação dos bagos (com a doçura a oscilar), enquanto os bagos de Sauvignon Blanc da Vinha do Paul (terroir Campo) eram impressionantemente uniformes em todos os parâmetros (às cegas adivinhava-se a casta).

E isto – que nada tem que ver com a qualidade final dos vinhos acontece porque a vinha de Fernão Pires é velha e de sequeiro, com videiras que crescem, digamos assim, ao deus-dará (há videiras que protegem os cachos e outras que os deixam a torrar ao sol), enquanto a vinha regada de Sauvignon Blanc é uma parede foliar desenhada a regra e esquadro, com os cachos devidamente protegidos dos inclementes raios solares que descem sobre Almeirim.

Agora, face ao ano anterior, e no caso da casta Fernão Pires, Martta Simões afirma que, “com bons níveis de humidade no solo, temperaturas moderadas para a região e noites frias, o incremento de álcool está a crescer à razão e 1,5 graus por semana, o que é perfeito. O meu único espanto é não termos mais acidez face a um ano climaticamente tranquilo.”

Meia hora depois da colheita dos 204 bagos de Fernão Pires – e depois de muitos bagos no estômago – fizeram-se apostas entre a equipa da Alorna e a equipa do Terroir em matéria de álcool provável. O valor mais alto sugerido foi de 11,5% e o mais baixo de 10,5%. Ninguém acertou porque os aparelhos controlados por Afonso Vasconcelos indicaram 10,08% de álcool, uma acidez de 6,8 e um pH de 3,06. Nada arreliante porque, segundo a experiência de Martta Simões, mais uma semana e as uvas ficariam no ponto para o perfil de vinho de Fernão Pires que pretende. O sumo em avaliação tinha notas curiosas de relva e maçã reineta verde.

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O controlo de maturação passa por várias fases Miguel Madeira

Os controlos de maturação são trabalhos que Martta Simões faz questão de acompanhar no campo a partir de Julho, mas, uma vez iniciada a vindima, só vai à vinha em caso de dúvidas. Quando a adega já cheira a mosto, Martta toma decisões em função dos dados que Afonso Vasconcelos partilha em rede, pelo que tem de estar sempre atenta ao telemóvel.

Isto significa que a equipa de enologia tem, todos os anos, de treinar estagiários para a colheita rigorosa dos bagos durante a vindima. E, apesar de ser uma tarefa simples, por vezes há surpresas, como aquele estagiário que, numa primeira saída para a vinha, se baralhou e, em vez de 204 bagos de uma parcela, trouxe 204 cachos de uvas dessa mesma parcela. Acontece. Se fosse no Pico é que seria chato.

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