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No Porto, as hortas comunitárias informais dão alento e alimento a quem cultiva
Ao longo de dois anos, Albano Rodas visitou quatro hortas comunitárias informais da cidade do Porto que, para além de serem uma fonte de alimento, são um antídoto contra o isolamento dos mais idosos.
Num dia de Primavera de 2021, enquanto caminhava "meio perdido" pelo Porto, o fotógrafo Albano Rodas ouviu o som de uma sachola a lavrar a terra. Ao aproximar-se da sua origem, percebeu que estava junto de uma horta em pleno coração da cidade. A surpresa fê-lo interessar-se pelo tema das hortas informais em contexto urbano e, a partir de então, nasceu uma curiosidade por estes lugares que traduziu no desenvolvimento do projecto fotográfico Ipomoea Indica.
Nenhuma das quatro hortas que Albano Rodas visitou e documentou ao longo dos últimos dois anos pertence ao projecto Hortas Urbanas, promovido pela Lipor, sublinha o fotógrafo. As hortas surgiram de forma espontânea, fruto da necessidade das pessoas que vivem nas imediações dos terrenos hoje cultivados. Sem a sua intervenção, sublinha Albano Rodas, a erva daninha Ipomoea Indica tomaria simplesmente conta da terra — o fenómeno é visível nos terrenos circundantes. "As pessoas das hortas designam-na de 'erva do diabo'", observa.
Com vista privilegiada sobre o rio Douro, nas Fontaínhas, nasceu, durante a pandemia, a horta comunitária que é hoje conhecida por Bananeira. O fotógrafo conta que foi "um dos pioneiros" dessa horta, "embora hoje já não explore" o seu talhão de terra arável. Foi lá que conheceu o senhor Teixeira, que lhe serviu de guia.
Próximo da entrada do Parque Oriental da cidade do Porto, "escondida por um caminho de difícil acesso", existe uma outra horta informal. "Já existe há muitos anos e a média de idade [de quem lá cultiva] ronda os 70 anos."
Junto à faculdade de Arquitectura, também com vista sobre o rio e a ponte da Arrábida, existe também "há muitos anos" outra horta comunitária. "O terreno é da Universidade do Porto, mas é cedido aos moradores das proximidades" para a horticultura, conta o fotógrafo. Existe ainda um outro local, junto à Foz do Douro, onde vários cidadãos exploram um terreno e cultivam alimentos.
"A maior parte das pessoas das hortas são homens reformados, oriundos de aldeias do norte de Portugal e filhos de agricultores que na sua infância tiveram contacto com agricultura", conta Albano Rodas. Essas "encontram nas hortas uma distracção, uma forma de sair de casa, de mexer o corpo e de sentir o prazer de, no final da época, se deliciarem com os seus próprios alimentos, aqueles que semearam e viram crescer", evidencia.
O que mais cativou o portuense durante o desenvolvimento do projecto de final de curso da escola IPCI foi "o mistério" que paira sobre as hortas. "Os brinquedos espalhados pelas hortas, a reciclagem de velhos tubos para transportar a água, velhas redes de peixe para proteger os cultivos dos pássaros", enumera. "E a reutilização de velharias, transformadas em utensílios do dia-a-dia", remata.
Nas hortas, refere Albano, existe gentileza entre as pessoas e espírito de partilha. "As pessoas [das hortas] conhecem-se e partilham entre elas sementes e conhecimentos. Falam entre si e quando alguém não se pode deslocar à horta para regar por exemplo, alguém o fará no seu lugar", refere o fotógrafo, que foi alvo da generosidade de muitos. "De cada vez que me deslocava a uma horta acabava com umas framboesas, morangos, umas cebolas e batatas...", recorda. "Esta partilha dá alegria às pessoas, sobretudo às reformadas, que se sentem ainda mais vivas e com mais um motivo para acordar cedo todos os dias."
Em todos os locais que visitou, as parcelas estão todas a uso. "Agora, quando alguém já não pode cultivar a sua parcela, a mesma é cedida a outra pessoa. E não falta gente a querer ter uma." No final das colheitas, os alimentos são para consumo próprio ou para partilhar com a família, explica.
Albano Rodas acredita que existem, no Porto, ainda muitos terrenos ao abandono que "poderiam ser cedidos a moradores" para o mesmo fim. Recorda, com tristeza, a destruição das hortas de Francos, em 2020. "Passo lá todos os dias e é triste ver esse terreno ao abandono, sem qualquer utilidade, e saber que várias famílias poderiam ter uns finais de mês mais recheados de bem essenciais (legumes). Além disso, acabaram com o pouco convívio que alguns idosos tinham."