A maioria das regiões vitivinícolas portuguesas antevê aumentos de produções na vindima deste ano, mas há uma que, nessas previsões, surge muito destacada. Nas ilhas açorianas, a expectativa é que a produção suba 250% face a 2022. E não, não há engano. “O valor é mesmo 250%. Note-se que tivemos três anos consecutivos com quebras significativas. A expectativa é de uma recuperação considerável em relação ao ano passado”, explica Tiago Fagundes, responsável pela Qualidade na Comissão Vitivinícola Regional dos Açores.
A região vitivinícola dos Açores, que tem três denominações de origem (Pico; Biscoitos, na ilha Terceira; e Graciosa) e cujos brancos diferenciados, frescos e salinos, estão na moda, registou nos últimos três anos “baixas produções, motivadas por condições atmosféricas adversas”. Ou seja, anos vitícolas adversos que ditaram menos 43% de produção em 2020 face a 2019, menos 13% em 2021 — ano em que a tempestade Lola assolou o arquipélago, recorde-se — e menos 39% na última vindima.
O salto terá sobretudo essa explicação e não se prenderá com o período da pandemia, em que muitas empresas portuguesas acumularam stocks de vinho nas adegas — situação que levou, de resto, o Instituto da Vinha e do Vinho a lançar no início de Julho uma medida excepcional para "destilação de crise" de vinho tinto, cujas candidaturas terminam esta quarta-feira. Quem produz nos Açores garante: o vinho voa, desaparece, esse problema na região não existe.
A produção no arquipélago espera então "uma variação positiva de 250% face à última campanha", em que os Açores obtiveram "uma colheita de cerca de 278.000 quilos" de uva. "Apesar de se terem verificado alguns focos de míldio mais tardio em algumas zonas, as uvas apresentam-se, à data, e de uma forma geral, em bom estado sanitário", descreve Tiago Fagundes. Mas a actual previsão, sublinha a CVR dos Açores, "está obviamente dependente das condições climatéricas que se vierem a constatar até à vindima", que deverá ocorrer "na segunda semana de Agosto".
Em Lisboa, outra região vitivinícola bafejada pelo Atlântico, "a expectativa de produção aponta para um aumento de 15%", partilha Francisco Toscano Rico, da comissão vitivinícola regional. Na região que abarca, entre outras, as denominações de origem Bucelas, Colares, Óbidos e Carcavelos, a cultura da vinha está "com uma semana a dez dias de avanço" relativamente ao que seria normal nesta altura do ano. E isso deve-se ao "tempo quente e seco", que se faz sentir em grande parte do país e ali também, apesar de Lisboa ser uma região vitícola mais fresca do que as demais (das mais frescas, a par dos Vinhos Verdes e da Bairrada) e onde os solos argilo-calcários retêm bem a água.
As vinhas estão "viçosas, com muitos cachos" e a previsão de produção para esta vindima até chegou a ser mais elevada, mas a humidade que se fez sentir na região nas últimas semanas fez com que houvesse ataques directos de míldio aos cachos. Uma humidade que, numa nota positiva, aliviou o stress hídrico das plantas e amenizou os golpes de calor, que em Lisboa "não têm sido tão fortes como noutras regiões", nota Toscano Rico.
Nos últimos anos, começa a ser "normal vindimar em Agosto, em especial as castas brancas para espumante", mas também as uvas "para o vinho leve de Lisboa". Este ano, o responsável acredita que os produtores da região comecem a campanha lá para dia 15 do próximo mês.
Aumentos também no Douro e Alentejo
Douro e Alentejo antecipam igualmente aumentos de produção, 10% a primeira e entre 5% e 10% a segunda. Ambas as previsões assentam no método polínico, cujos cálculos se baseiam na colheita de pólen na atmosfera, mas em tempos de crise climática têm sempre "algum grau de alguma incerteza", nota Francisco Mateus, presidente da Comissão Vitivinícola Regional Alentejana (CVRA).
Depois de um ano vitícola impróprio para cardíacos, o Douro prevê para 2023 um "potencial de colheita entre 240 e 259 mil pipas", afirmou ao Terroir o director-geral da Associação para o Desenvolvimento da Viticultura Duriense (ADVID), Luís Marcos, concretizando o tal aumento de produção na região, "de até 10% comparando com 2022", ano em que a colheita declarada foi de 233 mil pipas, "e ligeiramente acima da média dos últimos cinco anos".
Apesar de se prever um aumento da produção, o IVDP fixou o benefício (a quantidade mosto para produção de vinho do Porto) para este ano em 104 mil pipas, uma redução face a 2022. O valor não reflecte apenas a colheita prevista, olha também para as vendas ocorridas no primeiro semestre de 2023 (as de vinho do Porto têm vindo a cair) e para os stocks de vinho das empresas.
No Douro, para já, vive-se "um Verão relativamente normal", depois de "um Outono extremamente quente", um mês de "Fevereiro mais frio relativamente à normal climatológica [NC]", o que atrasou abrolhamento, e uma Primavera instável — choveu em Março, não choveu em Abril e entre 15 de Maio e finais de Junho houve "alguns fenómenos intensos", nomeadamente queda de granizo — e com "temperaturas médias acima da NC".
Nas vinhas, há "cachos mais compridos, mais preenchidos, que cresceram sem restrições hídricas", graças aos episódios de chuva intensa da Primavera (que também aumentaram a incidência de míldio, mas não como em 2018, ano de má memória na região no que respeita às doenças da vinha), com o ano vitícola de 2023 a compensar parte dos efeitos da seca de 2022, explica o director-geral da ADVID. Já a redução do número de cachos por videira é mesmo consequência do ano passado. "Temos menos cachos, mas os cachos estão melhores", sublinha Luís Marcos. A qualidade deverá ser boa, portanto.
No Alentejo, o ano também tem sido seco, depois de um arranque com "queda de chuva fora do normal", ali entre Novembro e Fevereiro / Março, com pouca incidência de doenças na vinha, e faz antever o tal aumento de produção entre 5% e 10%, "para 112 a 118 milhões de litros". Até Junho, choveu mais ou menos o mesmo que em 2022 (ano em que a produção reconhecida pela CVRA foi de 107 milhões de litros, em linha com a média dos últimos anos), mas entretanto dos céus tem caído "menos chuva", nota Francisco Mateus, que falava ao Terroir num dia da última semana em que o termómetro marcava 38 graus em Évora.
As amplitudes térmicas curtas ("estamos com noites acima dos 20 graus, tecnicamente são noites tropicais") prejudicam o desenvolvimento da videira, que "precisa desse equilíbrio: calor de dia e arrefecimento à noite". "Se a videira não tiver isso, vai buscar água aos cachos."
A facilidade de poder aceder à água do Alqueva dá "alguma tranquilidade aos produtores", sobretudo aos "de uma parte do Baixo Alentejo". Mas, nota Francisco Mateus, nem a proximidade dessa massa de água gigante traz já absoluta segurança. No Plano Regional de Eficiência Hídrica para as regiões hidrográficas do Sado e Mira e Guadiana, recentemente divulgado, é estimado que a albufeira de Alqueva no final do ano hidrológico de 2022/23 ficará a pouco mais de 60% da sua capacidade total.
Para o responsável pelos vinhos do Alentejo, a percentagem "não deixa de ser um sinal de alarme para os próximos anos". "Se não chover, aquilo não vai encher. Este ano, tivemos aquelas chuvas no início do ano. Há utilização e há evaporação — as temperaturas mais elevadas também fazem com que o Alqueva, que este ano já esteve a 100%, perca mais água."
Brisas do mar e da montanha
Na Península de Setúbal, a chuva que caiu no Outono "permitiu recarregar os lençóis freáticos" na fase de dormência da videira e, mesmo com uma Primavera e um Verão secos, "o balanço hídrico é positivo", refere Henrique Soares. Explica o presidente da Comissão Vitivinícola Regional da Península de Setúbal que "choveu na altura certa", numa região que tem a sorte de ter "um grande lençol freático" e que, em concreto nos últimos dias, foi "poupada à vaga de calor pelo anticiclone dos Açores".
A uva está "muito sã", Setúbal prevê "qualidade boa e quantidade", numa altura em que beneficia de "temperaturas muito amenas". Numa previsão "ainda muito cautelosa", o responsável aponta para um aumento de produção de "10% face à média das últimas cinco campanhas". A vindima poderá começar, ainda assim, "uma semana mais cedo", em meados de Agosto. "O Moscatel Roxo já é normalmente das primeiras a amadurecer e está adiantado."
Na terra da Baga, a perspectiva é de "um incremento global de 15% a 20%" e a Comissão Vitivinícola da Bairrada conta que a produção chegue este ano "aos 22 ou 23 milhões de litros", partilha o seu presidente, Pedro Soares. A "proximidade atlântica acabou por moderar os efeitos da falta de chuva" e a brisa do mar levou até às vinhas "humidade", sem que isso obrigasse a mais intervenções do que aquelas que costumam ser normais na região.
"À conta das horas de sol que temos tido, que são mais importantes do que o calor, antecipamos que a vindima comece na primeira semana de Agosto, para espumante, com as castas de ciclo mais curto, como o Pinot Noir, o Chardonnay e até a Maria Gomes." Uma semana mais cedo do que o habitual. "A perspectiva de qualidade é muito boa para brancos, rosados e bases de espumante." Para tintos, ainda a procissão vai no adro.
Na Beira Interior, espera-se um aumento de produção de 15%, mas "um ano de produção normal". Confirmando-se o incremento, a região estará apenas a recuperar a produção que perdeu em 2022. Este ano, a floração correu bem, apesar de algumas zonas terem sofrido com as geadas. "As chuvas de Abril, Maio e Junho ajudaram imenso. Há muito tempo que não via as videiras assim tão viçosas", conta Rodolfo Queirós, da Comissão Vitivinícola Regional. Na região, as vindimas deverão começar pelo Sul, na Cova da Beira.
Em Távora-Varosa, a colheita deste ano deverá aumentar 10%, estando a região à espera de 53.000 hectolitros. A Comissão Vitivinícola Regional prevê que as vindimas na região comecem na última semana de Agosto, mas ressalva que a maioria dos produtores só colherá uvas durante o mês de Setembro.
Como acontece no Algarve, na Madeira também já há quem tenha começado a vindimar, em concreto na ilha do Porto Santo. Das regiões que já têm previsões, o arquipélago é a única que antecipa perda de produção. A colheita deverá encolher 1%, para "4.000 toneladas de uva", informa o Instituto do Vinho, do Bordado e do Artesanato da Madeira (IVBAM).
As uvas estão boas e a região espera qualidade. A generalidade das vinhas encontra-se "entre o cacho fechado e o pintor" e está "cerca de dez dias" adiantada em relação a 2022. Ressalva o IVBAM que, também na Madeira, a colheita de 2023 "dependerá das condições climáticas e fitossanitárias que se registarem até à época da vindima", nomeadamente no tórrido mês de Agosto.
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