Haverá mais birras nas férias? Às vezes parece que sim, sobretudo para quem não tem filhos e apanha uma criança de 4 anos, na praia, às três da tarde a fazer uma gritaria, porque não gosta de areia, ou a fazer uma birra, num restaurante, às dez da noite.
O facto de saírem da rotina poderá potenciar o seu estado de irritação? O que fazer para o evitar e, não conseguindo impedir o rebentamento do choro e dos gritos, como ajudar a criança? O PÚBLICO perguntou às psicólogas Patrícia Barros, directora da clínica Espaço Infância e Adolescência, no Porto; e Vera Ramalho, directora da clínica Psiquilibrios, em Braga.
Há mais birras nas férias?
Há crianças com mais tendência para fazer birras do que outras, começa por dizer Vera Ramalho, explicando que há uma altura em que há mais birras, entre os 3 e os 5 anos, porque é quando as crianças estão a tornar-se mais autónomas e dão expressão às suas “frustrações e necessidades emocionais, como proximidade e atenção”. Patrícia Barros lembra que noutras faixas etárias e noutros níveis de desenvolvimento também pode haver birras, por exemplo, com crianças e adolescentes com autismo.
Não há uma relação directa entre birras e férias, mas a verdade é que por esta altura as crianças saem das suas rotinas — o acordar à hora certa, o ir para a escola, o ter horários para comer, etc. — e também dos seus espaços seguros para conhecer sítios novos, o que pode deixá-las ansiosas ou irritadas. “Estamos fora de casa, mais propensos a uma sobrecarga sensorial”, resume Patrícia Barros, dando alguns exemplos que podem espoletar uma birra: o calor, o cansaço, o barulho.
Contudo, nas férias, “é esperado que os pais tenham mais disponibilidade emocional e de tempo para as crianças”, logo, “espera-se que as birras diminuam”, defende Vera Ramalho. O tempo em família deve ser aproveitado para conhecer melhor a criança, para observar o seu comportamento e perceber o que pode desencadear uma birra, sugere Patrícia Barros.
Como evitar uma birra?
“Não é no momento em que a criança está a fazer a birra que os pais devem dar essa atenção, mas sim ao longo do tempo”, responde Vera Ramalho. E se a criança está aos berros num restaurante? "Nesse caso, os pais podem fazer uma primeira tentativa de parar a birra, tentando mudar o foco de atenção da criança ou entregar-lhe um papel para desenhar. Se não resultar, devem pegá-la ao colo e sair do restaurante para acalmá-la, sem ameaças ou descontrolo."
Antes que isso aconteça, Patrícia Barros aconselha a planear, ou seja, a escolher um horário e um local que se adeqúe à criança. Nada de sítios com muitos estímulos, antes "lugares que estejam mais de acordo com os interesses da criança". E, quando se chega a um novo espaço, "antecipar o que é esperado da criança" – por exemplo, dizer-lhe até onde pode ir, o que pode fazer. "Quando a criança tem esses parâmetros, fica mais segura", declara.
No caso da ida ao restaurante, os pais podem escolher com a criança um livro ou um brinquedo que possa levar, sugere a psicóloga que abriu o seu primeiro Espaço Infância e Adolescência, no Brasil, há 15 anos, e está há cinco no Porto. Os pais devem também "respeitar o tempo da criança", ou seja, "não deixar que chegue a um ponto de sobrecarga de cansaço", acrescenta.
No caso das crianças com autismo, Patrícia Barros propõe aos pais que evitem lugares com muitos estímulos sensoriais. Podem ir à praia, por exemplo, mas não nas horas de maior enchente. No caso de crianças com hiperactividade, a psicóloga lembra que podem perder-se; por isso, sugere que os pais façam um "trabalho de controlo inibitório", por exemplo, explicando que podem correr até determinado sítio, que podem correr só quando o pai disser "três" e fazer um compasso de espera, para que a criança "trabalhe a espera".
"Brincar, brincar, brincar", repete Vera Ramalho, explicando que brincar com uma criança contribui para o "fortalecimento da relação entre pais e filhos e para que a criança sinta que tem atenção positiva, culminando na redução das birras em geral".
O melhor é planear os dias?
Aparentemente não há descanso para os pais. Patrícia Barros defende que se planeiem as férias e que se "internalizem" as ideias, de maneira a que as férias decorram "de forma natural", porque, se nada for feito, "os pais vão ter de lidar com comportamentos indesejados". E diz: "Férias com filhos são diferentes. Tem de se fazer um planeamento, uma reorganização e claro que nem tudo vai sair como planeado."
Mas isso não tem mal. "Lembre-se que está tudo bem, se nem tudo sair exactamente como planeado! Os contratempos inesperados podem gerar experiências diferentes que devem ser aproveitadas e podem ser gratificantes, é preciso ser flexível e agarrar a oportunidade", diz Vera Ramalho.
É possível os pais planearem e "anteciparem com a criança o que é esperado dela", defende Patrícia Barros. Na ida ao jardim zoológico ou a uma quinta com animais, por exemplo, os pais podem antecipar com os filhos o que se vai ver, quais são os animais de que mais gostam, propor tirar fotografias ou fazer uma lista dos bichos, de maneira a que, durante a visita, possa ir marcando na lista os já vistos. "Criar antecipação e, depois da visita, fazer uma narrativa com a criança", resume.
"De modo algum considero que se devem tomar todas as decisões sobre o que fazer nas férias de forma antecipada, sob o risco de cair em tal rigidez que abafa aquilo que é o verdadeiro conceito de férias, o relaxamento", começa por dizer Vera Ramalho. No entanto, deve ser feita "alguma preparação", de maneira a "ajudar a reduzir o stress". E declara: "O planeamento é um grande aliado dos pais e beneficia também as crianças, dado que elas precisam de sentir segurança no adulto."
Férias com crianças não são férias?
As férias com as crianças são "momentos essenciais para ambos [pais e filhos] e não devem deixar de acontecer", defende Vera Ramalho. "Apesar do cansaço, são situações positivas, dado que o tempo que os pais podem despender com os filhos nas férias pode ser de maior qualidade e proximidade", acrescenta.
As férias são um tempo que não deve ser exclusivo dos pais, mas da família alargada, dos avós e dos tios, refere Patrícia Barros. Todos podem ajudar. Além disso, "é fundamental" a comunicação entre os pais, para que "todos estejam mais regulados", faz notar. No caso de crianças que precisem de "cuidados especiais", os pais devem "procurar ajuda junto de familiares e de profissionais especializados", aconselha Vera Ramalho.
A socialização da criança com outras crianças é importante, diz Patrícia Barros, e os pais podem ajudá-la e facilitar a interacção com outros meninos. Na praia, por exemplo, aproximarem-se de uma criança que tem brinquedos da praia e começar uma conversa, elogiando o balde, pedindo que o mostre ao seu filho, narrando o que se está a passar — "Olha, o menino está a pôr areia no balde". E resume: "Os pais podem ser mediadores, procurar crianças com um perfil mais empático e iniciar um diálogo."
A psicóloga, com clínica em Braga e que também escreve no PÚBLICO, defende que deve existir um "equilíbrio entre momentos com e sem os filhos". Afinal, "os pais são pessoas com necessidades e direitos que podem e devem ter momentos independentes e de prazer, para descansar, cuidar de si próprios, respirar... O bem-estar dos pais aumenta a disponibilidade para cuidar das crianças, contribuindo para reduzir a irritabilidade, que muitas vezes é fruto da falta de momentos em casal, ou para si".
Como ajudar a criança a lidar com a birra?
Os pais podem ensinar os filhos a "nomear os seus sentimentos", responde Patrícia Barros, que, mais uma vez, recorre à narração: "O menino está a chorar porque está triste. A menina gostou muito desse brinquedo." Ao fazê-lo, os pais estão a ajudar os filhos no seu desenvolvimento emocional, porque os próprios aprenderão a reconhecer os seus sentimentos e emoções.
O "autodiálogo positivo" pode ser ensinado, sugere Vera Ramalho, ou seja, criar frases com a criança para que possa dizê-las a si mesma, de modo a acalmar-se. "Eu consigo, eu vou vencer a birra. Eu sou mais forte do que a birra." A psicóloga de Braga propõe ainda que os pais criem um plano com a criança, para quando a birra aparecer. "O diálogo é sempre importante e os pais podem explicar de forma breve o que vai acontecer, de modo a preparar as crianças. Elas agradecem, porque gostam de saber com o que contam e isso dá-lhes segurança", diz.
O que fazer durante a birra?
"Quanto mais nova for a criança, menos explicações rebuscadas e longas. E, no caso de birra, nem durante nem depois, porque apenas irá aumentar a probabilidade de a birra se repetir, dada a atenção que a criança recebeu", declara Vera Ramalho.
Se a criança estiver num lugar seguro, os pais podem "dar um tempo" e "nomear", sugere Patrícia Barros."'Estás cansada, ficaste triste...' Ao nomear e ao narrar, [os pais] estão a naturalizar o que a criança está a sentir, fazendo-a compreender." Podem ainda redireccionar a atenção da criança para outras coisas. "A criança, quando é acolhida e percebe o que está a sentir, isso ajuda-a a compreender e a entrar num processo de auto-regulação."
Para Vera Ramalho, a reacção do adulto é "fundamental e pode pôr fim à birra ou dar-lhe mais força". E explica: "Uma reacção tão emotiva quanto a da criança apenas favorece a birra. Os pais não devem pensar que é algo contra si ou para deixá-los ficar mal." Por isso, é importante manter a calma e serem compreensivos, porque o filho está a" reagir a um ambiente novo". Ainda assim, devem impor "um limite a partir do qual poderão ter de aplicar consequências ao comportamento inapropriado".
Essas consequências não podem passar por aterrorizar o filho, salvaguarda. "O importante é manter a calma e não descontrolar-se como a criança." E não ter um comportamento "inconsistente", ou seja, sempre que a birra aparecer, agir do mesmo modo, de maneira a que o menor não perceba que umas vezes os pais cedem e noutras não. "A inconsistência contribui para que continue a fazer birras, na medida em que às vezes ele consegue o que quer. Da próxima vez, a birra vai ser mais intensa e vai durar mais. Portanto, os pais devem ser consistentes, independentemente do seu estado de espírito", aconselha.