STOP e os bárbaros na Invicta

Acredito que se possa medir o grau de civilização de uma cidade pela forma como trata a cultura. Hoje, o Porto tratou uma das suas maiores jóias culturais com o desprezo de bárbaros.

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Megafone P3: STOP e os bárbaros na Invicta Paulo Pimenta
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É uma manhã de terça-feira, o calor já denuncia que estamos em pleno Verão. Mas, para um músico, esta época é o contrário de férias. É nos meses quentes do meio do ano que trabalhamos mais intensamente, não só para aproveitar a demanda, que sobe, mas para garantir a subsistência no Inverno, quando as festas, casamentos, festivais e os concertos ao ar livre escasseiam.

Mas no Porto, os músicos que nesta terça-feira chegaram ao Centro Comercial STOP, espaço que há mais de uma década vem sendo o maior abrigo de estúdios e salas de ensaio da cidade, encontraram uma surpresa nada agradável: um cordão policial impedia a entrada no edifício. As salas onde têm guardados os seus equipamentos e instrumentos de trabalho, confiscadas pela PSP.

Se é raro encontrar um músico portuense que não tenha, pelo menos uma vez, passado pelo lendário STOP, também é raro encontrar um frequentador regular que não tenha ouvido falar da longa novela que há anos se arrasta a respeito do fecho do espaço. É inegável que o edifício carece de uma reestruturação que ofereça mais segurança e conforto a todos.

Por outro lado, a insaciável voracidade da especulação imobiliária há muito que cobiça meter as garras no STOP para fazer o que faz de melhor: transformar pólos culturais autênticos e efervescentes em mais um empreendimento turístico sem alma. O "quiprocó" entre a administração do edifício, proprietários e locatários das fracções, e as autoridades públicas nunca se resolveu, e já nos tínhamos acostumado a ouvir de tempos em tempos o burburinho: o STOP vai fechar! Afinal não fechava. Anos arrastaram-se nesse vai e vem de ameaças e incertezas. Até à manhã desta terça-feira.

Mas o que está neste momento a acontecer à porta do STOP ultrapassa a questão do seu encerramento. É, antes de qualquer outra coisa, um profundo desrespeito pelos profissionais da música, e todos os outros profissionais que dependem daquele espaço para trabalhar. A Câmara Municipal quer regularizar as salas? Muito bem, regularizem-se as salas.

Mas confiscar os instrumentos e equipamentos de músicos, como se criminosos fossem, sem qualquer notificação prévia, e sem que se estabeleça um prazo para que esvaziem o espaço, é de uma covardia atroz.

Acredito que se possa medir o grau de civilização de uma cidade pela forma como ela trata a cultura, e quem faz a cultura. Hoje, a cidade do Porto tratou uma das suas maiores jóias culturais com o desprezo de bárbaros. Diante de centenas de trabalhadores que têm contribuído há anos para a riqueza e diversidade cultural local, abriu mão do diálogo e recorreu à truculência, numa demonstração absolutamente desproporcional de força.

Escrevo este texto enquanto os meus colegas de trabalho se reúnem à entrada do STOP para cobrar às autoridades um tratamento com o mínimo de dignidade que merecemos. Pergunto-me se um dia poderei novamente entrar lá. Passear pelos seus corredores mal iluminados, que, a qualquer hora do dia ou da noite, sempre foi uma viagem insólita.

Ouvir universos sonoros completamente díspares atravessando as paredes mal isoladas das salas, cheias de cartazes de concertos antigos, chocando e dançando como fantasmas numa estranha harmonia. Não conheço outro lugar onde seja normal ouvir-se simultaneamente metal e samba, jazz e pimba, folk e electrónica, tudo vizinhos de porta, num ambiente de respeito ao espaço e ao estilo de cada um.

Bem que as autoridades poderiam aprender qualquer coisa numa visita ao STOP. Que essa convivência pacífica entre géneros musicais distintos pudesse ensiná-los um pouco sobre respeito, democracia e coexistência.

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