Partilhar o prazer de dançar
Um livro que é também um espectáculo e conjuga poesia, artes plásticas, música e dança. O baile vai começar.
O que nasceu como um espectáculo imaginado por João Fanha e Raquel Santos, A Música Em Que A Voz Dança, destinado a bibliotecas públicas e realizado de Tavira a S. João da Madeira, com a participação de vários músicos e com José Fanha a declamar poesia acabou por se transformar noutro projecto, vocacionado para os mais novos.
Este agora é “um espectáculo destinado a crianças com a mesma equipa, mas com histórias e poemas para canções escritas por mim especificamente para este projecto e com música do pianista Carlos Garcia”, descreve José Fanha, pai do dançarino de música latino-americana João Fanha, que dirige a escola Estúdio 8 e produz este espectáculo.
O conjunto destas histórias e canções deu ainda origem ao livro O Meu Corpo É Uma Orquestra, ilustrado por Raquel Santos, que é também bailarina de danças sociais e professora de Dança e participa no espectáculo. Segundo o autor, pretende-se com estas actuações, que têm decorrido em bibliotecas e auditórios, “envolver o público jovem e fazê-lo descobrir o prazer de dançar”.
Diz ainda José Fanha ao PÚBLICO: “Como é fácil de entender, é um orgulho trabalhar com o meu filho numa área em que várias artes se conjugam para um resultado que nos deixa muito satisfeitos.”
O potencial da interdisciplinaridade
Licenciada em Pintura pela Faculdade de Belas-Artes da Universidade Lisboa, Raquel Santos diz acreditar na “interdisciplinaridade como ferramenta potenciadora da criatividade e da comunicação”. A ilustradora diz ao PÚBLICO via email: “Este livro é o resultado da partilha entre três formas artísticas, a poesia de José Fanha, a música de Carlos Garcia no piano e a dança de João Fanha e minha. Embarcamos numa viagem que explora a criatividade e o improviso, o respeito e valorização das diferenças culturais, sociais e pessoais. É também nosso objectivo a promoção dos hábitos de leitura e fomentar a cultura como um meio privilegiado de saúde mental e educação.”
Afirma ainda que tanto o livro como o espectáculo se destinam preferencialmente à faixa etária do ensino básico, nível de que foi docente de Expressão Plástica até 2012, e se traduzem numa “viagem à diversidade, com visitas à identidade portuguesa, afro-caribenha, sul-americana, norte-americana”, entre outras.
Excerto do poema Sou igual e sou diferente: “Sou igual e sou diferente/ Sou assim ou sou assado/ Tal e qual como outra gente/ Ou estou triste ou estou contente/ Danço a salsa e canto o fado. // Todo o dia sem parar/ Vou rodando passo a passo/ Andando sempre a compasso/ Vem para aqui, dá cá o braço/ O que eu gosto é de dançar.”
Para Raquel Santos, “as culturas namoram-se e misturam-se num elogio à universalidade da nossa essência humana”. Na sua descrição, o trabalho fluiu muito bem entre todos os elementos da equipa: “Os poemas e estórias do Zé [José Fanha] abriram as portas para um mundo profundamente simples, onde a inocência brinca com a realidade e a revela tão pura e bela. Mas não pude ilustrar sem ter a música do Carlos [Garcia] a dar o ritmo a cada palavra, revelando sentidos ocultos.”
Tanto as músicas como as histórias podem ser descarregadas para computador ou telemóvel através de um código que acompanha cada exemplar adquirido.
Excerto da história O meu corpo é uma orquestra e que interage directamente com as crianças em presença, frente ao livro ou frente ao palco: “A boca é um instrumento, as mãos são outro instrumento, os pés ainda outro. E fazem pó-pó-ró-pó, tum-tum-tum, taca-taca, poca-poca, e muitos, muitos mais sons. ‘E quando é que essa orquestra dá um concerto?’ Vão perguntar os meus amigos. ‘Diz lá que é para nós irmos assistir.’ O meu corpo não anuncia os concertos. De repente, apetece-lhe e começa a dar um concerto, tenha público ou não tenha. E já estou a ouvir-vos perguntar: ‘E agora? Apetece-lhe ou não lhe apetece?’ É claro que apetece! Vá, venham todos atrás de mim! Párárá-pápum, pá-pum, pá-pum, pá rárá pá-pum, pá-pum, pá-pum…”
A ilustradora deu-nos conta do processo criativo das suas imagens e da definição de escolhas. “Tive liberdade total, mas também me permiti ter um processo muito inocente e livre na interpretação dos textos, procurando criar ambientes onde a imaginação de cada criança tivesse lugar para brincar”, explicou, acrescentando: “Por isso criei apenas uma pequena personagem, o Balão-Coração, que acompanha os seus amigos nas aventuras que cada história apresenta, num baile sem fim.”
Sobre a técnica, revela que recorreu “à colagem digital, com trabalho de manipulação de texturas, cores e padrões, sendo a composição o grande foco para a comunicação das ideias”. Por último, descreve: “Inspirei-me imaginando as palavras a serem bailadas, onde a sensação de movimento, balanço e ritmo são chave, fazendo os olhos dançarem por dentro das páginas.” Satisfeita com o produto final, “gostaria de retomar um trabalho mais manual e menos digital”.
Cabe-nos então ler, ver, escutar e bailar. Siga a dança.