Tauromaquia
Matador para entreter: há futuro para os jovens toureiros de Espanha?
Em Espanha (e não só), matar touros numa arena para entretenimento humano ainda é uma realidade. Owen Harvey colocou à mais nova geração de toureiros questões sobre o futuro da tauromaquia.
Durante uma tarde de Março de 2023, o jovem toureiro David Fuentes defrontou cinco touros numa arena na cidade andaluza de Montoro. Entre cada morte soava o som grave de um tambor, acompanhado do aplauso de uma plateia em êxtase. Em resposta às flores que lhe atiravam da bancada, Fuentes "atirava-lhes as orelhas decepadas dos touros" que matou com o seu afiado estoque.
A descrição é do fotojornalista Owen Harvey, que dedicou várias semanas, entre Março e Junho de 2023, à observação e registo da cultura tauromáquica em Espanha. O projecto que resultou dessa incursão intitula-se The Matador e foi publicado como ensaio fotográfico no The Guardian, recentemente. "Devido à crescente divisão de opinião no que toca à morte do animal para entretenimento, fui para Espanha em busca da nova geração de esperançosos 'matadores'", escreve no longo texto que partilhou com o P3 sobre o projecto.
E encontrou-a em Málaga, Montoro e Jaén, no sul do país. "Conheci jovens rapazes que sentem ter aprendido respeito, coragem e disciplina através dos ensinamentos da tauromaquia. Alguns já são descendentes de toureiros e a cultura em torno desta performance de força, movimento e machismo faz parte das suas vidas dentro e fora da arena."
David Fuentes é um desses casos. “Na minha família há toureiros, novilheiros [aprendizes de toureiro] e o meu avô é o alfaiate que veste o matador antes da tourada", explicou o jovem Fuentes ao fotógrafo. Foi o seu avô quem coseu o traje que usa nos espectáculos. "É óbvio que a tauromaquia é o que os liga", refere Harvey. E isso é um dos motivos, quiçá, pelos quais a tradição se mantém. Mas não será a única.
Existe, na opinião de Harvey, uma divisão com base política entre aqueles que apoiam ou renegam a tradição, sendo os sectores mais conservadores da sociedade espanhola os que mais apoiam a prática tauromáquica. Apesar de ter sido aprovada em Espanha, em 2013, uma lei que determina que a tauromaquia é património cultural, o número de touradas a decorrer no país tem vindo a decrescer ano após ano. Em 2011, por exemplo, houve 2.290 espectáculos tauromáquicos a decorrer em Espanha; em 2022, após o impacto da pandemia, contabilizaram-se 1.546. Em 2007, no primeiro estudo estatístico elaborado o Ministério da Cultura e do Desporto espanhol, foram contabilizados 3.651.
E apesar de apenas 1,9% da população espanhola ter assistido a um evento tauromáquico, em 2022, os que mais o fazem são do sexo masculino (o dobro das mulheres) e têm entre 15 e 19 anos. Os números estão próximos dos que se verificam na faixa etária dos 25 aos 34 anos e dos 65 aos 74. "Assim, o retrato é complexo." O número de mulheres que praticam tauromaquia e de que há registo oficial é irrisório: desde 2015, nunca foi superior a cinco em todo o país. "Também existem mulheres a tourear nas arenas, mas são definitivamente uma minoria", confirma o fotógrafo. "Durante a minha estadia em Espanha, só vi homens a tourear."
Os jovens rapazes que Owen Harvey fotografou pertencem à mais larga fatia consumidora deste tipo de produto cultural, o que torna o seu projecto ainda mais relevante. "Visitei Espanha para perceber o que é que a tauromaquia ainda pode oferecer aos jovens toureiros e o que é que a perdê-la poderá significar para eles."
O aprendiz de toureiro Rafael Quesada Gabrieli explica ao fotógrafo que, apesar da morte dos animais, "a tauromaquia defende muitos valores, como amor e o respeito — tanto pelo touro quanto pelas pessoas" e que, se essa se extinguisse, Espanha "perderia parte da sua essência". "Perderíamos parte da nossa cultura e tradição, mas também os empregos. O pasto onde vivem os touros, assim como a raça toro de lidia, iriam extinguir-se."
O jovem toureiro David Fuentes, de Montoro, concorda. "As corridas de touros geram muitos empregos, desde pessoas que criam o gado até às pessoas que vendem amêndoas junto às praças de touros. As cidades e os negócios locais fazem muito dinheiro com as pessoas que marcam presença nestes eventos.”
Harvey acredita que, apesar da tendência para o decréscimo do número de eventos realizados e dos esforços dos movimentos anti-touradas em Espanha, o futuro destes jovens não se encontra ameaçado. O aprendiz de toureiro Rafael Quesada Gabrielle acredita que “a tauromaquia tem muito mais apoiantes do que se pensa”. “As touradas irão adaptar-se à era digital e, no futuro, irão chegar a uma audiência muito mais ampla.”
Segundo a PETA, morrem, anualmente, pelo menos sete mil touros nas arenas espanholas; a organização de protecção de direitos dos animais considera a tauromaquia "uma matança ritualística de um animal indefeso".