A necessidade de as ordens profissionais passarem a ter obrigatoriedade de remuneração dos estágios para acesso à profissão foi anunciada em vários locais. Contudo, a obrigatoriedade irá, previsivelmente, criar um problema para resolver outro.
Vejamos. Dois cenários: num os estágios não têm a obrigação de remunerar e no segundo têm. Nos dois candidatam-se, digamos, 1000 novos potenciais profissionais, advogados por exemplo.
No primeiro, como o modelo actual, desses 1000, cerca de 100 serão pagos, logo 900 não serão pagos durante o seu estágio e apenas cerca de 800 o terminam com sucesso. Não é positivo. No segundo, onde é obrigatório, candidatam-se os mesmos, mas o mercado dos advogados só consegue pagar a cerca de 200 estagiários, os outros 800 perdem directamente o acesso à profissão.
Isso ou o Estado subsidia, para não excluir. Se os 1000 conseguirem aceder, serão pagos (em todo ou em parte) pelo erário público. E entre eles estão os 200 que não terminam com sucesso. Um não é positivo porque veda o acesso à profissão, o outro porque é dispendioso.
Além disso, poderá um novo potencial advogado estar a ponderar entre iniciar uma actividade de advocacia, fazendo o estágio, ou iniciar um empreendimento ligado, por exemplo, a criar sistemas informáticos que agilizem a actividade dos advogados, utilizando a sua formação jurídica aliada à informática.
Irá, no primeiro cenário, olhar para o mercado e pensar: “Tenho de estagiar e depois arranjar clientes, clientes oficiosos ou trabalhar junto de e para outros advogados, mas quero optar por empreender”. No segundo, o mesmo potencial advogado ou empreendedor dirá: "Não encontrei estágio, fico afastado da profissão, vou tentar empreender”.
Existindo estágio pago poderá pensar: “Tenho acesso, vou porque o estágio é pago… Se tentar empreender não me dá o Estado esse dinheiro”. Legitimamente. Restando questionar, neste exercício: vamos impedir o acesso à profissão? Trocando o problema dos estagiários não serem pagos, para o de (poucos) serem pagos ou nem terem acesso?
Penso que resolver um problema com outro, só é necessário porque estamos a fazer a confusão entre duas situações diversas. Não é indigno o estágio não ser remunerado, e quem procurar os melhores estagiários, nas mais diversas áreas, já remunera e dá outros incentivos para atrair e manter o melhor que entrar no mercado.
Não é, simultaneamente, particularmente justo ou fornecedor de equidade para o jovem que preferiu, aos 18 anos, ir trabalhar, sendo contribuinte líquido, financiar a escolha do seu colega de carteira que decidiu ser advogado. O que é indigno ou indecente é não poder escolher uma profissão, um estágio ou ser empreendedor porque não se tem forma de subsistência que permita garantir que essa é uma escolha livre e não uma coerção do sistema para uns, e um privilégio para outros, porque vêm de melhores “berços”.
Daí, a solução para evitar ter de recorrer a problemas que criam outros problemas ser, numa posição ainda pouco popular, dar um Rendimento Básico Incondicional e Universal e, a partir daí, cada qual escolher se quer empreender, estagiar, estagiar mas só com uma remuneração associada, ou qualquer outra opção que lhe pareça adequada.
É melhor associar um RBI a todos sem estigma ou burocracias, libertando das chamadas “armadilhas da pobreza”, do que beneficiar as ambições de alguns (carentes dessa ajuda ou não) porque a sua situação é mais pública na sua concreta fragilidade.