Não são só palavrões e gestos obscenos. Afinal, o que é a síndrome de Tourette?

O cantor Lewis Capaldi cancelou a sua digressão por conta da pioria dos seus tiques. Também a artista Billie Eilish lida com esta condição desde os 11 anos.

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O nome da condição surge do neurologista francês que a estudou, Georges Gilles de la Tourette Tiago Lopes/Arquivo
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Foi num espectáculo em Glastonbury, Reino Unido, no fim-de-semana passado, que Lewis Capaldi, de 26 anos, se viu incapaz de cantar por conta dos tiques provocados pela síndrome de Tourette (ST), diagnosticada em Setembro de 2022. Através da sua conta do Instagram, anunciou o cancelamento do resto da digressão, e justificou a escolha dizendo que é em prol da sua saúde mental. Contudo, o cantor escocês não foi a única celebridade a falar publicamente sobre a ST.

No programa de David Letterman, My Next Guest Needs No Introduction, em 2022, a cantora Billie Eilish, de 21 anos, desabafou sobre como é ter esta síndrome, e também revelou a maneira como encara a condição, confessando ser "esgotante". Foi em 2018 que a cantora falou pela primeira vez sobre o seu diagnóstico, numa história publicada na sua conta de Instagram.

A síndrome de Tourette é uma condição neuropsiquiátrica que se traduz na manifestação de tiques motores e fónicos. A síndrome é três vezes mais frequente em homens do que em mulheres e afecta cerca de 1% da população mundial, revelando-se sobretudo na infância e na adolescência. Não existem dados para Portugal.

Mas, afinal, do que se trata esta síndrome? Numa conversa com o PÚBLICO, João Massano, médico no Centro Hospitalar Universitário de São João (CHUSJ), no Porto, responde a dúvidas relacionadas com a ST.

Esta síndrome pode aparecer em qualquer altura da nossa vida?

O início da síndrome aparece, normalmente, na infância ou adolescência. Pode perdurar por anos se não for tratada adequadamente. João Massano explica que geralmente aparece na infância, entre os quatro e oito anos. “O que pode acontecer é que, às vezes, as pessoas demonstram tiques na infância e depois reaparecem na idade adulta.”

Como pode ser feito o diagnóstico?

O diagnóstico é feito clinicamente, acompanhando a evolução do doente, ou seja, a presença de um tique não é o suficiente para se diagnosticar a ST. Por isso, poderá ser requisitado outro tipo de exames para despistar outras possíveis condições. “Quando o paciente apresenta dois tiques motores e um vocal, ao longo de três meses, é diagnosticado, embora existam casos de pessoas que não apresentam este quadro, mas que são igualmente diagnosticadas”, esclarece João Massano, acrescentando que os indivíduos podem aperceber-se de movimentos e sons "anormais". Contudo, explica: “É a pessoa que os faz. Não é involuntário, mas existe uma tensão que precipita a pessoa a fazê-los, sentindo depois um certo alívio. É mais ou menos a sensação de quando temos comichão.”

Que tipos de tiques existem?

Os tiques dividem-se em motores e vocais, simples ou complexos. Nos mais simples são movimentos ou vocalizações muito breves. Já os complexos envolvem um conjunto de tiques simples e que podem durar mais tempo. Pessoas que apresentem este quadro, normalmente têm copropraxia (uso de gestos obscenos) e coprolalia (proferir palavras socialmente inadequadas). O médico do CHUSJ explica: “Na infância, os tiques começam normalmente na cara, como por exemplo, torcer o nariz ou piscar os olhos. À medida que a idade avança, pode-se desenvolver tiques mais complexos. Os tiques vão e vêm. Mudam, aumentam e diminuem. É algo muito típico da síndrome.”

Existe cura para esta síndrome?

Embora não haja cura e a causa seja desconhecida, cada caso é um caso no que respeita ao tratamento. Os pacientes podem ser medicados com ansiolíticos, neurolépticos ou psicoterapia. “Há casos em que os sintomas desaparecem. Ao longo da vida, 50% das pessoas ficam sem os tiques, até aos 25 anos. Contudo, existem medicamentos para melhorar os sintomas. Os tiques, por exemplo, podem ser tratados com a ajuda de antipsicóticos”, esclarece o especialista, acrescentando que os medicamentos têm, geralmente, efeitos secundários como o aumento de peso.

A síndrome revela-se de formas diferentes em crianças e adultos?

Os doentes que normalmente são diagnosticados com ST apresentam, na maioria, perturbação de hiperactividade/défice de atenção (PHDA) ou sintomas do transtorno obsessivo compulsivo (TOC). A ansiedade e a depressão são uma das consequências da síndrome, dada a incompreensão social. “Não, no fundo as manifestações são as mesmas. Quando é diagnosticado em adultos, normalmente é porque já vem da infância. Em alguns casos, a outra doença [como PHDA ou TOC] pode ser mais importante do que a síndrome."

Quem tem ST pode ser vítima de bullying?

As crises e tiques podem gerar frustração na pessoa que tem síndrome de Tourette. Normalmente, em situações de ansiedade, stress ou excitação, os tiques podem piorar. O médico do CHUJS realça que há um certo estigma em relação a estas pessoas. “Os miúdos são muito incompreendidos, na família, na escola, no trabalho, na sua socialização.” E reforça: “Muitas vezes, os miúdos não sabem dizer o que têm, o que leva a serem mal interpretados, seja pelos familiares, colegas ou professores.” João Massano realça que a intervenção psicoeducacional ajuda em casos em que haja incompreensão.


Texto editado por Bárbara Wong

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