Durante décadas, as botas da Hunter foram um dos símbolos da moda britânica, perto de serem o calçado oficial da família real ou das elites. Mas 167 anos de história não foram suficientes para salvar a empresa com selo real, que declarou falência na semana passada. Agora, resta saber qual é o futuro das botas de borracha. Será que são suficientemente resistentes para sobreviver à tempestade?
A empresa começou em 1856, em Edimburgo, na Escócia, como North British Rubber Company (Empresa de Borracha Britânica do Norte, em português). Reza a lenda que terá tido origem na descoberta da borracha no império britânico, em especial na Índia, o que lhe valeu o selo real, tornando-se apanágio da simbologia do que é ser inglês.
Mas nem este passado de favoritismo real — o calçado favorito de Isabel II para os dias no campo — evitou que a empresa acabasse na banca rota, dias antes do festival Glastonbury, onde as botas tinham o seu momento alto do ano. De acordo com o especialista Bloomberg, a empresa anunciou na passada quarta-feira, 21 de Junho, que deve aos seus investidores 130 milhões de euros.
Além disso, no início do mês declarou insolvência no registo mercantil do rei, abrindo a administração, como se chama este processo no Reino Unido. Pouco depois, fechou a única loja que restava naquele país, em Oxfordshire, despedindo 11 funcionários.
A culpa, justifica a marca, é do Brexit e da inflação, mas também de problemas com a cadeia de fornecedores. Tendo como principal mercado os Estados Unidos, as vendas caíram a pique naquele país, fruto da falta de chuva e do aumento das temperaturas. Contudo, os clientes têm outra justificação para o que poderá ter acontecido. A empresa deslocou a produção para a China em 2008, o que influenciou na qualidade da borracha das botas e, consequentemente, no conforto.
Perdendo-se a qualidade, perde-se o segredo das Hunter, acredita a editora da moda do The Times of London, Anna Murphy. “Parte da magia das Hunter era serem feitas para durar, e para se tornarem parte da vida. Eram sinónimo de durabilidade, dentro e fora da terra”, escreve, recordando que, em tempos, parte do seu primeiro salário foi usado para comprar um par destas botas.
A ligação à tradição britânica, à realeza e aristocracia — até a princesa Diana usava — ajudaram a manter o encanto e era um dos motivos de atracção dos clientes de todo o mundo, não só dos norte-americanos, mas também dos asiáticos. Há outras marcas a jogar a mesma cartada, mas que se souberam reinventar, como é o caso da Burberry, que inventou a gabardine e está ao nível das melhores casas de moda do mundo.
Também a Hunter tentou fazer o mesmo, com apresentações na Semana da Moda de Londres, mas sem sucesso. Entre 2013 e 2020, teve em director criativo, Alasdhair Willis, marido da conhecida criadora britânica Stella McCartney. Durante algum tempo, o designer conseguiu reavivar a marcar com colaborações com a Disney e novos modelos arrojados.
Um futuro americano
À data de publicação desta notícia, o site internacional da Hunter, onde se inclui Portugal, está inacessível. “Estamos a criar uma nova experiência para si. Inscreva-se para ser notificado quando lançarmos”, pode ler-se.
Não se sabe para quando está previsto o lançamento, mas é público que a propriedade intelectual da Hunter foi vendida à Authentic Brands Group, que detém no Reino Unido a Ted Baker. “O nosso negócio é construído sob a premissa que existem marcas fantásticas com muito significado para as pessoas, mas que estão a operar em modelos ineficientes há anos, e a Hunter encaixa nessa categoria”, salienta o presidente do grupo, Nick Woodhouse, em comunicado, citado pelo New York Times.
“Qualquer que seja o país, a Hunter é o primeiro nome em que se pensa para botas de chuva e isso é muito poderoso. É intrinsecamente britânica, e achamos que exportar isso para o mundo tem um valor inatingível”, acrescenta.
Mas se a Hunter vai deixar de ser sediada no Reino Unido e já não produz por lá, como é que se vai manter coerente com as suas raízes britânicas? “Com todo o respeito, às vezes a britanicidade é mais bem-feita longe da Britânia. Não estamos a fugir do Reino Unido, temos um grande escritório em Londres. Estamos a preparar-nos para mostrar a Hunter e o que significa ser britânico a um novo grupo de consumidores”, conclui.