Homicídio de Jéssica: pai diz sentir-se também “um pouco culpado”
Terceira sessão do julgamento foi dedicada à audição de quatro testemunhas. Ministério Público pediu extracção de certidão por considerar que o pai da menina está a faltar à verdade.
A terceira sessão do julgamento do homicídio de Jéssica Biscaia, a menina de três anos que morreu vítima de maus tratos, em 2022, em Setúbal, decorreu na tarde desta segunda-feira, 12, com a audição de mais quatro testemunhas de acusação.
No tribunal de Setúbal foram ouvidos o pai da criança, Alexandrino Biscaia, a avó paterna, a cabeleireira e uma conhecida da mãe que ficou com Jéssica, por umas horas, duas semanas antes do homicídio. Durante a audiência, a procuradora do Ministério Público (MP) requereu a extracção de certidão por considerar que o pai da menina está a faltar à verdade.
Alexandrino Biscaia, que tinha emigrado para os Países Baixos em Fevereiro de 2022, disse que não via a filha há alguns meses quando esta morreu. “Sinto-me um pouco culpado pelo que aconteceu à minha filha, porque confiei na Inês [Sanches]. O mal foi eu ter perdido o contacto da avó [materna], que tinha a tutela da menina”, declarou Alexandrino Biscaia.
Esta testemunha disse ainda que falava com a ex-companheira, por telefone e mensagens, e que, no dia 20 de Junho, de manhã, também trocaram mensagens. Nessas comunicações, no dia em que a menina morreu, de acordo com Alexandrino, Inês apenas lhe pediu dinheiro, não falaram sobre o estado da criança.
A juíza adjunta confrontou Alexandrino Biscaia com um conjunto de mensagens em que se vê “muito mais do que um pedido de auxílio” por parte da ex-companheira. “O senhor trata-a por ‘amor’, diz-lhe que é a mulher da sua vida, que a menina é sua”, afirmou a juíza, para logo a seguir perguntar: “O que havia mais?”A testemunha respondeu que continuava a gostar da ex-mulher.
O outro juiz adjunto perguntou a esta testemunha se “tinha afinidade” ou se chegou, por exemplo, a consumir droga com Eduardo Montes. Alexandrino negou. Negou também ter alguma vez comprado droga aos dois arguidos. Acrescentou que a última vez que viu a filha, por videochamada, terá sido em Abril, e que, até Junho, não voltou a ver a criança, porque a mãe dizia que “a menina estava doente ou no infantário”. Nessa videochamada viu “alguns hematomas” na filha, mas não questionou a mãe sobre isso. “Notei que a menina estava triste, que talvez tivesse medo de falar por a mãe estar presente”, relatou.
Semanas antes do falecimento, falou por WhatsApp com a mãe da menina, perguntou-lhe pela criança. Questionado por um dos advogados, lembrou-se que, numa das chamadas, depois de ver a criança com hematomas, pediu explicações à mãe. “Questionei a Inês, que me disse que a menina tinha ido para a casa de uma suposta madrinha, também me falou que caiu duma cadeira.” Não sabe se essa conversa foi em Junho, mas acha que não, que nesse mês já não viu a filha.
Perante o que considerou “flagrantes contradições” entre o depoimento de Alexandrino Biscaia ao tribunal e as declarações que este fez na fase de inquérito, em que a testemunha também é assistente, a procuradora requereu a reprodução destas últimas declarações. “Havendo indícios” de que a testemunha “faltou à verdade”, num desses depoimentos, foi extraída certidão para início de um novo inquérito.
Outra testemunha, Manuela Nascimento, animadora sociocultural que conheceu Inês Sanches por lhe vender roupa, disse ter ficado chocada quando, uma vez em que acompanhou Jéssica a um parque infantil, viu a zona anal da criança. “Fez-me impressão aquela imagem [da abertura das nádegas], não era de uma menina, era de uma mulher], declarou. Um testemunho que despertou muito interesse no tribunal, uma vez que poderá indicar que Jéssica já poderia ter sido violada – com introdução de droga no seu corpo –, antes da viagem a Leiria em que terá sido usada como correio de droga. O relato desta testemunha é relativo a um domingo, dia 12 de Junho, anterior, em duas semanas, à viagem a Leiria.
“Isto foi num domingo e depois, na terça-feira, ela [Inês] comprou mais uma peça [de roupa], eu perguntei-lhe pela menina e ela disse-me que estava numa colónia de férias”, contou Manuela Nascimento.
Uma terceira testemunha também já ouvida foi a cabeleireira onde Jéssica cortou o cabelo no dia 2 de Junho. Disse não ter visto qualquer ferimento na cabeça da menina. “Não notei nada, nem na cabeça, nem nada. Numa outra vez, antes, cheguei a ver uma nódoa negra e a mãe disse-me que ela caiu. Depois disso, de ela lá ter ido cortar o cabelo [dia 2 de Junho], nunca mais vi a Jéssica”, afirmou a cabeleireira, que acrescentou não ter visto o corpo da criança.
Foi ouvida também a avó paterna da criança, Maria Lino, que disse apenas que, para ver a neta, tinha de ir de Lisboa, sem conseguir marcar, porque não conseguia contactar o filho. A última vez que viu a neta foi “sete ou oito meses” antes de a criança morrer.
O julgamento prossegue na próxima quinta-feira, 15 de Junho, com a continuação da audição de testemunhas de acusação.