Julgamento de Jéssica Biscaia: “Fiquei chocado. As pessoas olham para mim como se fosse um monstro”

Acusado dos crimes de violação e tráfico de droga, Eduardo Montes nega todas as acusações que envolvem a morte da criança de três anos. É o único arguido que está em liberdade.

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Jéssica Biscaia, de três anos, morreu em Junho de 2022, depois de ter sido alvo de violência e maus tratos Ricardo Lopes
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O segundo dia do julgamento do homicídio de Jéssica Biscaia, a menina de três anos que morreu vítima de maus-tratos em Junho de 2022, em Setúbal, começou com o arguido Eduardo Montes a dizer que “nada” das acusações que lhe são imputadas corresponde à verdade.

Acusado de tráfico de droga e de um crime de violação, por supostamente ter participado na introdução de um invólucro de droga no ânus da criança, Eduardo Montes, que mora num andar por cima do dos pais, alega que estava no estrangeiro na semana que Jéssica passou no edifício. O arguido afirma que esteve em Sevilha, Espanha, de férias, e só regressou dia 18 já à noite.

“Regressei num sábado, salvo erro dia 18, perto das 22 horas, para casa. A minha mãe estava na varanda. Subo a escada, o meu pai veio à porta da minha casa, deu um beijinho aos meus filhos, e entrei em casa para descansar, estava cansado. No outro dia acordei por volta das 10 horas, saí com a minha mulher, fomos fazer compras para casa, ao Pingo Doce, e o resto do dia fiquei em casa a descansar. Na segunda-feira fui levar os meus dois filhos à escola, fui dar um passeio com a minha mulher, almoçámos, comemos um prego no Novo 10, depois fui entregar o carro alugado e, já de táxi, apanhei os meus filhos na escola. Quando chegámos a casa vimos um carro da polícia à porta”, relatou Eduardo Montes.

Garante não ter visto Jéssica desde que chegou a casa, nem no sábado nem no domingo. Confessou que consome haxixe mas diz que nunca consumiu outros estupefacientes, como cocaína ou heroína.

Relata também que não foi com a família - a mãe e a irmã estão acusadas do homicídio da criança - na viagem a Leiria. “Fui uma vez a Leiria, ver o meu avô, um mês antes, apenas com a minha mulher e os meus filhos.” Não teve conhecimento de a sua mãe e irmã terem ido a Leiria nesse fim-de-semana.

Foi Eduardo Montes quem auxiliou a Polícia Judiciária nas buscas à casa dos pais. O juiz perguntou-lhe se viu objectos de Jéssica na habitação, respondeu não recordar-se. Questionado sobre como recebeu a notícia da morte da menina, respondeu que foi uma surpresa e um choque. “Fiquei surpreendido, fiquei chocado. Nunca imaginei, na minha vida, uma coisa destas acontecer”, disse.

“Antes disso acontecer só vi a criança duas ou três vezes. E antes só tinha visto a criança lá em casa uma vez, cerca de dois meses antes. Vinha a descer as escadas, a minha mãe tinha a porta aberta, e eu vi-a. A minha mãe disse-me que era filha de uma amiga que tinha ido trabalhar e que não tinha com quem a deixar e que lhe pediu o favor. Vi a criança, estava na sala, a brincar com um brinquedo. Eu disse à minha mãe: “Vê lá, tu não tens condições para ter crianças.”

Diz que “não ouviu nada”, quanto a barulho de crianças nesses dias.

Foram exibidos aos dois arguidos os dois “ovinhos” de metal, um alicate e uma tesoura, encontrados o bolso do casaco de Justo Montes, o pai, e ambos os acusados disseram não saber de quem são esses objectos.

Eduardo Marques, que tem dois filhos, um deles de idade aproximada à de Jéssica disse que, quando necessitava, era com o pai que deixava as crianças e não com a sua mãe, Ana Pinto, porque confiava mais no pai, a mãe era “mais desacertada”.

Quando o seu advogado de defesa, Paulo Camoesas, lhe perguntou que implicações teve a acusação na sua vida, designadamente a de um crime de violação, o arguido disse que a sua família, referindo-se à mulher e aos filhos, tem sofrido. “As pessoas olham para mim como um monstro. Jamais deixaria alguém fazer mal a uma criança à minha frente. Tenho dois filhos”, declarou.

Os cinco arguidos que estão a ser julgados são Ana Pinto, conhecida por “Tita”, o companheiro, Justo Montes, e a filha de ambos, Esmeralda Montes, acusados dos crimes de homicídio qualificado, rapto, coacção agravada e dois crimes de rapto agravado. Ana Pinto e a filha são acusadas ainda de dois crimes de ofensas à integridade física agravada.

O filho Eduardo Montes é acusado dos crimes de tráfico de estupefacientes agravado e de violação agravada. Já Inês Sanches, mãe da menina assassinada, por não ter protegido a filha e não a ter socorrido, é acusada dos crimes de homicídio qualificado, ofensa à integridade física qualificada e omissão de auxílio.

Todos os arguidos estão presos preventivamente, à excepção de Eduardo Montes, cuja acção criminosa, de acordo com o MP, está relacionada apenas com o tráfico de droga e uso da criança para essa actividade.

O julgamento foi interrompido para almoço devendo continuar à tarde se a greve dos funcionários judiciais não o impedir.

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